2007: o ano em revisão

Presidente do Conselho Internacional de MSF, Christophe Fournier faz um balanço das operações de Médicos Sem Fronteiras

As práticas médicas não podem ter dois padrões. Por isso, como profissionais de saúde, estamos constantemente tentando oferecer o melhor tratamento de saúde possível para nossos pacientes. Não é uma tarefa fácil, e mesmo que estejamos fazendo progresso continuamente, ainda há muito a ser feito.

Em 2006, MSF ofereceu tratamento para quase dois milhões de pessoas com malária. Essa doença é muito comum em países pobres, áreas tropicais e continua responsável por um grande número de mortes, particularmente entre crianças. Em março de 2007, nós tivemos o prazer de presenciar o lançamento de um novo medicamento que combina as duas mais eficazes moléculas para o tratamento da doença em apenas um tablete. Denominado ASAQ, porque combina Artesunato e Amodiaquine, essa nova formulação é resultado do trabalho do DNDi (Iniciativa para Medicamentos para Doenças Negligenciadas), do qual MSF é um dos co-fundadores.

O DNDi deve permitir que tenhamos acesso a outro medicamento nos próximos meses, desta vez combinando Artesunate e Mefloquina – uma combinação necessária para várias regiões onde as formas mais graves do parasita da malária têm se mostrado altamente resistentes por alguns anos.

No momento, estamos tratando cem mil pacientes com HIV/Aids com terapia anti-retroviral (ART) diária em 30 países. Isso obviamente é insuficiente em vista à crescente necessidade gerada pela pandemia. A Aids é uma doença que atualmente necessita de um tratamento a longo prazo. A resistência dos vírus às drogas após alguns anos é o maior motivo de preocupação entre nossos pacientes e representa uma limitação para nós praticantes da Medicina em tratá-los.

Nós já observamos essa complicação na África do Sul, onde 17% dos nossos pacientes precisam de medicamentos de segunda linhagem após apenas cinco anos de tratamento.

Nós precisamos de novos medicamentos, acessíveis, para que os regimes com drogas de segunda linha ou o acesso aos de primeira linha continuem eficazes por um longo período. Isso explica nossa mobilização toda vez que temos a impressão de que o alcance a medicamentos a preços acessíveis está sob ameaça – como quando o Laboratório Novartis entrou com uma ação contra o governo da Índia esse ano para tentar fortalecer as regras de patentes que efetivamente reduziriam a capacidade de produção de genéricos. Nós compramos 80% dos medicamentos anti-retrovirais que usamos de produtores genéricos da Índia e não teríamos como encontrar outra fonte igualmente acessível no futuro imediato.

Na nossa prática cotidiana da medicina no terreno, o domínio dos cuidados materno-infantis continua uma fonte de preocupação e requer esforços inovativos consideráveis. A nutrição terapêutica é um bom exemplo. No relatório do ano passado, nós mencionamos o aumento do número de casos de nutrição tratados na emergência, usando alimentos terapêuticos prontos para o uso, feitos a base de uma pasta de amendoim com vários nutrientes. Com isso, demos início ao tratamento sem internação, atendendo a grande maioria afetada por desnutrição severa na área de Níger.

Darfur é incontestavelmente uma das crises que tivemos possibilidades limitadas de deslocamento. Isso, apesar das duas mil pessoas trabalhando em diferentes programas por lá. Nós tivemos que evacuar alguns de nossos projetos ao longo do ano passado e muitas das estradas que utilizamos viraram alvo de ataques e se tornaram inutilizáveis, especialmente desde que um número de participantes do conflito aumentou após a assinatura parcial de um acordo de paz em maio de 2006.

Nossas intervenções vão continuar a focar em países recém-saídos da guerra e em situações de emergência, apesar do fato de não ser fácil manter nossa reação máxima nesses contextos. Nós temos uma grande capacidade, porém limitada. A associação de nossa especialidade em emergência e nossa vontade de alcançar imediatamente as populações vítimas de crises, nos leva a entregar nossas atividades quando outros atores são capazes de chegar. Nossas ações e intervenções são por essência temporárias e nós tivemos de nos retirar de diversos países este ano. Isso não significa que nesses países não precisem mais de ajuda, mas que nós consideramos que chegou a hora de passar nossas responsabilidades com relação a uma certa população para outras mãos, sejam organizações privadas de ajuda ou serviços públicos. Quando a organização esteve presente por muitos anos no país, como foi o caso de Angola, essas partidas requerem um grande planejamento e representam outra área na qual pretendemos melhorar.

Em 2006, Médicos Sem Fronteiras realizou nove milhões de consultas médicas e hospitalizou quase meio milhão de pacientes. Por esse trabalho e compromisso de constância, o maciço apoio que recebemos de doadores individuais em todo o mundo mantém-se fundamental. Ele nos permite preservar nossa identidade humanitária e manter nossa independência para tomar decisões sobre quando e como vamos trabalhar, guiados pelas necessidades de nossos pacientes e independentes de qualquer poder além do imperativo médico-humanitário. Isso nos permite continuar a realizar nossas "ações de socorro" em mais de 60 países. Nós trabalhamos, totalmente compromissados, mas sempre conscientes de nossas limitações – e sempre tentando lutar contra elas.

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