A conclusão de um projeto em Nampula: cinco factos sobre o nosso trabalho no Norte de Moçambique

Entre 2022 e 2025, a MSF levou a cabo um conjunto de atividades em resposta a desafios enfrentados pela população em Mogovolas, na província de Nampula: eventos climáticos extremos, instalações de saúde fragilizadas e doenças que o mundo frequentemente esquece

Projeto MSF Nampula Mogovolas
© Lourino Pelembe/MSF

No distrito rural de Mogovolas, localizado na província de Nampula, no Norte de Moçambique, as populações enfrentam uma combinação difícil de eventos climáticos extremos, instalações de saúde fragilizadas e doenças que o mundo frequentemente esquece. Aqui, a temporada das chuvas inunda os campos e danifica infraestruturas, e cria condições propícias à propagação de doenças como a esquistossomose e a filaríase linfática, cujo tratamento e investigação são cronicamente subfinanciados, apesar de terem um impacto significativo.

Entre 2022 e meados de 2025, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) levou a cabo um conjunto de atividades de saúde em resposta a estes desafios, com o objetivo de reforçar a capacidade local e melhorar o acesso aos cuidados.

À medida que chegamos à conclusão planeada do trabalho da MSF nesta região de Moçambique, enumerámos cinco factos essenciais sobre o contexto, o trabalho realizado e o que ainda é necessário fazer para garantir que as pessoas continuem a ter acesso aos cuidados de que necessitam.

 

Isto foi mais do que um projeto médico: foi um esforço conjunto para restaurar a confiança, a dignidade e a crença de que os cuidados podem chegar mesmo aos locais mais remotos.”

– Luis Nera, coordenador do projeto da MSF em Moçambique

 

1. Um projeto a pensar no clima

Acesso a água em Nampula, Moçambique
Profissional da MSF explica à comunidade como funciona o ponto de água. © Lourino Pelembe/MSF, 2023

Os eventos climáticos extremos na província de Nampula não danificam apenas estradas e campos de cultivo — promovem a propagação de doenças transmitidas pela água e parasitárias como a esquistossomose, a filaríase linfática, a cólera e a malária. Estas doenças já eram endémicas na região, mas os padrões irregulares de precipitação, as secas prolongadas e o esgotamento das águas subterrâneas — agravados pelas alterações climáticas — criaram condições ainda mais favoráveis à sua propagação e prevalência nos últimos anos. Neste contexto, a abordagem da MSF foi dupla: tratar a doença e abordar as condições que permitem a sua proliferação.

As nossas equipas reabilitaram pontos de água, bem como infraestruturas de saúde alimentadas por energia solar e melhoraram os sistemas de drenagem. Não foram soluções temporárias, mas investimentos a longo prazo. Estas atividades ajudaram a reduzir a exposição à água contaminada, diminuíram o risco de transmissão de doenças e, ao fornecer eletricidade através de energia solar, garantiram um acesso mais fiável e contínuo aos cuidados de saúde em zonas remotas.

“As equipas da MSF apoiaram centros de saúde rurais em oito localidades para tratar doenças negligenciadas e trabalharam em estreita colaboração com as comunidades locais para compreender e responder melhor às necessidades de saúde sensíveis ao clima”, explica Nelson Nuvunga, enfermeiro da MSF que trabalhou neste projeto durante três anos.

 

2. Comunidades e pacientes no centro da saúde

Promoção de saúde em Mogovolas, Nampula, Moçambique
Uma sessão de promoção de saúde proferida por Ussene Ali, promotor da MSF. © Lourino Pelembe/MSF, 2023

Em vez de simplesmente prestar cuidados, a MSF procurou colocar as comunidades e os pacientes no centro da prestação de cuidados de saúde. Voluntários e promotores de saúde foram capacitados para visitar casas, ensinar técnicas de autocuidados e detetar precocemente doenças, transformando a prevenção numa responsabilidade partilhada. Esta abordagem não só fomentou a confiança, como também levou a diagnósticos mais atempados, melhor adesão ao tratamento e, em última análise, a uma melhoria na qualidade dos cuidados prestados.

Ancha Faqui, uma mulher que vive com linfedema, recorda: “Quando a MSF chegou à nossa comunidade, eu não conseguia subir uma ladeira nem carregar uma criança. Também tinha dificuldades em fazer o trabalho doméstico por causa da dor. Mas agora estou muito melhor, graças aos exercícios que nos ensinaram.”

Através de grupos comunitários, os pacientes aprenderam a cuidar dos membros afetados, e foram incentivados a realizar exercícios terapêuticos e a apoiarem-se mutuamente, para restaurar não apenas a mobilidade, mas também a dignidade e a autonomia.

Com o tempo, muitos dos pacientes tornaram-se plenamente capazes de gerir as suas condições de forma independente, a reconhecer os primeiros sintomas, prevenir complicações e até orientar outras pessoas das comunidades sobre práticas de autocuidados e encaminhamento atempado para tratamento.

 

3. Combate às doenças tropicais negligenciadas

As doenças tropicais negligenciadas (DTN) persistem não porque são intratáveis, mas porque são esquecidas, afetando maioritariamente as comunidades mais pobres e remotas, onde o interesse político é limitado, o financiamento escasso e os sistemas de saúde fracos. A MSF apoiou oito centros de saúde com diagnóstico e tratamento para sarna, esquistossomose e filaríase linfática.

Para apoiar pacientes com malária grave, as nossas equipas também estabeleceram um banco de sangue local no centro de saúde de Nametil para reduzir atrasos e garantir transfusões de sangue seguras.

Prevenção de doenças tropicais em Nampula
Nelson Nuvunga, profissional da MSF, realiza uma consulta de rastreio de filaríase linfática. © Lourino Pelembe/MSF, 2024

Entre 2023 e 2024, a MSF apoiou o Ministério da Saúde com cirurgias ao hidrocelo para homens afetados por essa condição debilitante. Embora a campanha tenha sido inicialmente planeada para durar mais tempo e abranger mais pacientes, vários desafios contextuais impediram a sua plena realização. Ainda assim, foram levadas a cabo 18 cirurgias, intervenções pequenas, mas significativas, que mudaram vidas e ajudaram a destacar a necessidade de cuidados contínuos nesta área. Como parte do lançamento da campanha, a MSF também construiu e equipou um bloco operatório totalmente funcional para realizar cirurgias ao hidrocelo. A infraestrutura pode continuar a ser usada a longo prazo para cirurgias e outras necessidades de cuidados de saúde secundários da comunidade.

Alfredo Augusto, um dos pacientes tratados pela MSF, partilhou: “Soube da MSF durante uma sessão de palestras de saúde que deram aqui. O líder comunitário ajudou-me a inscrever-me para a cirurgia. Desde então, tudo melhorou. Voltei a fazer o trabalho que já não conseguia antes, e a minha família também está feliz.”

Em muitas comunidades, os homens com hidrocelo são erroneamente vistos como excessivamente viris devido ao inchaço visível do escroto, uma perceção errada que mascara o sofrimento, o isolamento e as limitações físicas e sociais que enfrentam. Abordar a condição restaurou não só a saúde física e mental, mas também a dignidade e o sentido de normalidade para os afetados.

 

Entre 2022 e 2024:

  • Foram realizadas mais de 1 800 transfusões de sangue para pacientes em necessidade, com, inclusivamente, anemia relacionada com malária grave;
  • Mais de 45 000 consultas médicas foram apoiadas pelas equipas da MSF nos centros de saúde abrangidos;
  • Mais de 102 000 pessoas foram alcançadas através de atividades de promoção da saúde e educação comunitária;
  • Aproximadamente 19 700 casos de doenças tropicais negligenciadas foram diagnosticados e tratados – incluindo mais de 12 000 casos de sarna, mais de 6 300 casos de esquistossomose geniturinária e 856 casos de gilaríase linfática.
  • Também foram realizadas com sucesso 18 cirurgias ao hidrocelo, em 2024, fornecendo um alívio há muito esperado para homens que viveram durante anos com dor, inchaço e estigma.

 

4. Responder atempadamente em tempos de crise

Quando os ciclones Ana, Gombe, Freddy, Fillipo e Jude atingiram a região e a cólera ameaçou propagar-se, a MSF mobilizou-se rapidamente. Em colaboração com as autoridades locais, deslocámos clínicas móveis, distribuímos fornecimentos de emergência para tratamento de águas e instalámos centros de tratamento de cólera com capacidade para tratar centenas de pessoas. Desde formações de preparação até kits de higiene de emergência, a resposta da MSF não se limitou ao desastre em si, mas também aos seus impactos de saúde a longo prazo.

 

5. Um espírito de colaboração e continuidade

Colaboração com a comunidade em Mogovolas, Nampula, Moçambique
A colaboração da comunidade foi fulcral para o desenvolvimento do projeto da MSF. © Lai Ling LEE RODRIGUEZ/MSF, 2024

Embora a presença da MSF em Nampula esteja a chegar ao fim, as ferramentas e o conhecimento permanecerão. Guias de autocuidado para filaríase linfática, comités comunitários orientadores e kits de formação sobre cólera foram adotados pelo Ministério da Saúde para serem ampliados.

Ao refletir sobre este percurso, o coordenador do projeto da MSF no país, Luis Neira,  deixou uma mensagem:

“Isto foi mais do que um projeto médico: foi um esforço conjunto para restaurar a confiança, a dignidade e a crença de que os cuidados podem chegar mesmo aos locais mais remotos. No entanto, devemos reconhecer que ainda persistem muitos desafios, desde lacunas contínuas no acesso a assistência médica, até à ameaça constante de emergências de saúde relacionadas com o clima. No futuro, será essencial que as entidades nacionais de saúde e parceiros continuem a enfrentar estes desafios através de esforços coordenados e sustentados.”

A MSF continua a prestar ajuda médico-humanitária em Moçambique, com projetos em curso na província de Cabo Delgado. A MSF está também envolvida na preparação e resposta a epidemias, particularmente no que diz respeito a surtos de doenças e emergências causadas por fenómenos meteorológicos extremos. Longe de abandonar o país, a MSF mantém o seu compromisso de adaptar o apoio às necessidades de saúde em evolução de Moçambique, dentro da nossa capacidade e recursos.

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