A guerra total de Israel em Gaza tem de acabar e Estados aliados devem parar de permiti-la

Durante quase um ano de ataques incessantes, foram mortas mais de 40 mil pessoas e feridas 96 mil na Faixa de Gaza

Um ano de guerra total em Gaza
©️ MSF, novembro de 2023

Israel tem perpetrado um massacre implacável na Faixa de Gaza. Desde as atrocidades cometidas pelo Hamas a 7 de outubro de 2023, matando até 1 200 pessoas e levando cerca de 250 reféns, as forças israelitas têm levado a cabo uma guerra total contra a população, matando mais de 41 500 pessoas e ferindo 96 000. Os palestinianos têm sido repetidamente forçados a deslocar-se e a ocupar áreas cada vez menores, sob bombardeamentos e em condições desumanas.

Há mais de um ano que Israel, o Hamas e respetivos aliados falham catastroficamente em alcançar um acordo para um cessar-fogo sustentado em Gaza, enquanto aumenta o risco de um conflito regional total.

Israel deve cessar imediatamente a mortandade indiscriminada de civis em Gaza e facilitar urgentemente o fornecimento de ajuda para aliviar o sofrimento dentro do enclave, incluindo a reabertura de passagens de fronteira vitais, em conformidade com as medidas solicitadas pelo Tribunal Internacional de Justiça.

 

Durante um ano, os aliados de Israel continuaram a fornecer apoio militar, enquanto são mortas crianças de forma massiva, tanques disparam contra abrigos e jatos de combate bombardeiam zonas humanitárias.”

– Chris Lockyear, secretário-geral da MSF

 

A equipa da Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem tratado pacientes diariamente com ferimentos causados por bombardeamentos massivos. As pessoas chegam às instalações de saúde com queimaduras extensas, ossos esmagados e, às vezes, desmembradas. Desde o início da guerra, a MSF providenciou tratamento a mais de 27 500 pacientes com ferimentos ligados à violência, com mais de 80 por cento dos ferimentos provocados por bombardeamentos.

“Os bombardeamentos israelitas em áreas densamente povoadas têm repetidamente causado feridos em larga escala. As nossas equipas já foram forçadas a realizar cirurgias sem anestesia, assim como testemunharam a morte de crianças no chão dos hospitais devido à falta de provisões. Às vezes, têm de tratar os próprios colegas e familiares”, avança a coordenadora do projeto médico da MSF, Amber Alayyan. “Enquanto isso, o sistema de saúde em Gaza tem sido sistematicamente destruído pelas forças israelitas.”

 

As nossas equipas já foram forçadas a realizar cirurgias sem anestesia, assim como testemunharam a morte de crianças no chão dos hospitais devido à falta de provisões.”

– Amber Alayyan, coordenadora do projeto médico da MSF

 

As nossas equipas já trabalhavam em Gaza antes de 7 de outubro de 2023, tratando os efeitos médicos e humanitários de um bloqueio de 17 anos infligido por Israel, bem como dos ataques recorrentes à população em Gaza, com o apoio a pacientes com ferimentos de longa duração, condições de saúde mental e queimaduras graves.

Depois de 7 de outubro, porém, as necessidades de saúde aumentaram, como consequência dos ataques de Israel à Faixa de Gaza, enquanto que o acesso a cuidados médicos reduziu drasticamente.

Atualmente, apenas 17 de 36 hospitais estão parcialmente funcionais. As partes em conflito perpetram hostilidades perto de instalações médicas, colocando em risco a vida de pacientes e profissionais médicos. Neste último ano, foram mortos seis colegas da MSF, e as nossas equipas e pacientes tiveram de abandonar 14 diferentes estruturas de saúde, devido a incidentes graves e aos combates em curso.

 

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Criança ferida por ataque aéreo abraça o pai após receber cuidados no hospital Al-Shifa. Gaza, 19 de outubro de 2023. © Mohammad Masri

 

Cada vez que uma instalação médica é evacuada, milhares de pessoas perdem o acesso a cuidados médicos que salvam vidas. Isso tem consequências para a saúde das pessoas, não apenas no curto prazo, mas nas semanas e meses seguintes.

A falta de acesso aos cuidados de saúde é agravada pela escassez de provisões humanitárias suficientes em Gaza. As autoridades israelitas têm imposto rotineiramente critérios obscuros e imprevisíveis para autorizar a entrada de equipamentos. Quando entram na Faixa de Gaza, muitas vezes não chegam ao destino, devido à falta de estradas seguras e acessíveis, aos combates em curso e ao saque de alimentos e outros artigos básicos não-alimentares.

“A nossa capacidade de resposta continua limitada, à medida que as necessidades médicas aumentam em Gaza. Não conseguimos, simplesmente, trazer provisões humanitárias e médicos suficientes”, explica Amber Alayyan.

“Os hospitais de campanha que montamos como último recurso são apenas um paliativo para tentar corrigir a devastação causada pela guerra e pela destruição do sistema de saúde. Até mesmo a instalação desses hospitais foi dificultada por restrições na nossa capacidade de adquirir materiais e equipamentos. No momento, as instalações médicas que continuam operacionais não conseguem lidar com as enormes necessidades”, acrescenta a coordenadora médica.

À medida que a disponibilidade de serviços médicos diminuiu, diminuíram também as opções de cuidados que são urgentemente necessários em Gaza. As repetidas ordens de evacuação deslocaram 90 por cento das pessoas para as denominadas zonas seguras, que Israel continua a bombardear sem fim.

Agora, as pessoas não têm outra escolha senão permanecer numa pequena área de 41 quilómetros quadrados, com abrigo, alimentos e água limitados. Há um risco acrescido de doenças devido à sobrelotação do espaço.

Além disso, dos dois milhões de habitantes da Faixa de Gaza, pelo menos 12 mil pessoas precisam de ser urgentemente encaminhadas para receber tratamento médico. A transferência médica dessas pessoas, bem como o direito dos palestinianos de simplesmente procurar segurança para si mesmos fora da Faixa de Gaza, tem de ser imediatamente facilitada, sem prejuízo do direito ao retorno.

 

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Palestinianos deslocados em Rafah, Sul de Gaza, deslocam-se após ordem de evacuação das forças israelitas. Gaza, 6 de maio de 2024. © MSF

 

Embora os últimos 12 meses tenham sido marcados por ações destrutivas, foram também definidos por vergonhosa inação.

“Durante um ano, os aliados de Israel continuaram a fornecer apoio militar, enquanto são mortas crianças de forma massiva, tanques disparam contra abrigos e jatos de combate bombardeiam zonas humanitárias”, frisa o secretário-geral da MSF, Chris Lockyear. “Isso tem sido acompanhado por uma narrativa pública consistente de desumanização das pessoas em Gaza, sem distinção entre alvos militares e vidas civis. A única maneira de parar a mortandade é com um cessar-fogo imediato e sustentado.”

Repetidamente, as alianças políticas foram colocadas acima da vida humana. Os aliados de Israel continuam a fornecer armas ao Estado, enquanto falam publicamente sobre a importância de um cessar-fogo e da necessidade de facilitar a ajuda humanitária para Gaza. Os Estados Unidos, em particular, apesar de recentemente terem defendido um cessar-fogo, têm frequentemente trabalhado para ofuscar, bloquear e minar os esforços para tal no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Enquanto isso, a guerra em Gaza alimenta tensões regionais que estão a atingir níveis desastrosos. Os ataques israelitas aumentaram na Cisjordânia e agora no Líbano, com consequências já devastadoras para os civis.

 

Apelos da MSF:

– Deve ser urgentemente acordado um cessar-fogo sustentado.

– A mortandade massiva de civis deve cessar imediatamente.

– A destruição do sistema de saúde e da infraestrutura civil deve acabar.

– O bloqueio sobre Gaza deve terminar.

– Israel deve abrir as fronteiras terrestres, incluindo a passagem de Rafah, para garantir que a ajuda humanitária e médica em larga escala chega às pessoas com urgência.

– Israel deve garantir a transferência médica de quem necessita de cuidados médicos especializados, incluindo os próprios profissionais, e permitir a procura de segurança fora de Gaza, garantindo ao mesmo tempo um retorno seguro, voluntário e digno.

– O Conselho de Segurança das Nações Unidas deve tomar medidas para garantir um cessar-fogo e acabar com a complacência em relação à destruição contínua da Faixa de Gaza.

 

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