A luta para convalescer em condições de vida precárias

As condições de vida indignas dos centros que abrigam pessoas que chegaram à ilha de Lesbos, Grécia, têm um impacto devastador na saúde mental delas, como é descrito neste relato, assinado pela equipa de saúde mental da MSF no local

©️ MSF

“No Dia Mundial da Saúde Mental, 10 de outubro, é importante reconhecer os desafios enfrentados por pessoas em vulnerabilidade, como quem chega à ilha de Lesbos em busca de segurança e acaba a viver num Centro de Acesso Fechado e Controlado. São dificuldades decorrentes das condições de vida precárias, que têm um impacto na saúde mental delas. Queremos aproveitar esta oportunidade para enfatizar a importância do apoio comunitário: o que pode fazer para promover a resiliência e ajudar na recuperação.

As condições de vida que os nossos pacientes enfrentam são, muitas vezes, terríveis. As pessoas a quem prestamos apoio não só carregam as cicatrizes das viagens que fizeram, como também transportam o peso da incerteza sobre o futuro que as espera. Sentem-se privadas da liberdade de escolher ou controlar o que fazem. Não podem tomar nenhuma decisão – desde a comida que comem até ao tempo que passam a tomar banho. É um acesso limitado a necessidades básicas, água, alimentos, cuidados médicos e roupas, que cria um estado constante de insegurança.

Enquanto isso, essas condições de vida podem ser lembretes de traumas passados, desencadeando memórias e sentimentos angustiantes.

Já considerou que o som agitado de um vento forte, ou de ondas do mar, pode evocar memórias traumáticas de uma viagem feita num pequeno barco até esta ilha? E agora, a viver numa tenda ao lado do mar, os nossos pacientes revivem esse pesadelo a noite toda.

Além disso, a incerteza em torno dos procedimentos de asilo aumenta este fardo psicológico. A falta de clareza sobre os processos pode amplificar a ansiedade e o medo, especialmente quando são excessivamente apressados ou burocratizados. As barreiras linguísticas e diferenças culturais agravam tudo isto e inibem o acesso a serviços de apoio disponíveis. Tudo isso torna mais difícil uma pessoa defender as necessidades que tem.

Através do nosso papel como psicólogos e assistentes sociais em Lesbos, esforçamo-nos para criar um ambiente seguro de apoio, onde os pacientes podem partilhar as histórias deles. As pessoas vêm até nós com sentimentos de stress, medo, perda e desesperança. É angustiante ver como tudo aquilo que viveram e enfrentam agora prejudica o bem-estar delas, levando, muitas vezes a transtornos de stress pós-traumático, depressão, ansiedade e psicose.

Tentamos construir uma relação de confiança com os nossos pacientes, compreendendo ao mesmo tempo que, para muitos, partilhar uma história pode ser assustador e difícil. Isso requer passarmos algum tempo com cada pessoa, o que é difícil, porque os moradores podem ser transferidos, de repente, do campo para o continente. Ainda assim, cada interação com eles traz novos conhecimentos sobre a resiliência do espírito humano. Também nos expõe às duras realidades da vida no campo.

O que dizer a uma jovem mãe que, depois de passar algum tempo sem abrigo, sozinha, a dormir grávida num parque na Turquia, acabou num campo sobrelotado onde não tem qualquer ideia sobre o futuro dela, nem do seu bebé?

Todas essas experiências ressaltam a necessidade de um apoio abrangente em saúde mental. As condições precárias que as pessoas aqui enfrentam não dizem apenas respeito a desafios físicos – são também crises de saúde mental à espera de explodir.

É crucial lutar por melhores condições de habitabilidade e acessos a serviços de saúde mental para todas as pessoas que chegam a Lesbos. Precisamos de criar um espaço onde a saúde mental é priorizada, onde a cura é possível e onde a dignidade de cada indivíduo é mantida.

Continuemos a trabalhar juntos para garantir que o bem-estar mental é reconhecido como um aspecto fundamental da saúde – especialmente para aqueles que sofreram o inimaginável.”

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