A primeira campanha de vacinação do mundo para controlar um surto de hepatite E está a ser feita no Sudão do Sul

Cerca de 25 000 pessoas, incluindo grávidas, receberam a vacina. Uma terceira e última dose será providenciada em outubro de 2022

Em março e abril de 2022, a MSF e o Ministério da Saúde do Sudão do Sul levaram a cabo conjuntamente as primeiras duas doses da campanha de vacinação contra a hepatite E no campo para pessoas deslocadas de Bentiu, no estado de Unidade no Sudão do Sul.
© Peter Caton/MSF

Profissionais de saúde no Sudão do Sul levaram a cabo uma campanha de vacinação sem precedentes no mundo inteiro para conter um surto de hepatite E no país – uma nova esperança para enfrentar uma doença que é especialmente fatal para as grávidas.

A hepatite E é a causa mais comum de hepatite viral aguda, provocando aproximadamente 20 milhões de infeções e 44 000 mortes por ano. Transmite-se através da contaminação fecal de comida e água. Surtos em larga escala ocorrem normalmente quando o saneamento e a água são inadequados, como acontece em campos maciços de pessoas deslocadas. Não existe um tratamento específico para a hepatite E, cuja taxa de mortalidade pode chegar aos 25 por cento nas grávidas. A doença aumenta também os riscos de ocorrência de abortos espontâneos e de nados-mortos.

 

Cerca de 25 000 pessoas, incluindo grávidas, receberam a vacina contra a hepatite E, no Sudão do Sul. Uma terceira e última dose será providenciada em outubro de 2022.
Cerca de 25 000 pessoas, incluindo grávidas, receberam a vacina contra a hepatite E, no Sudão do Sul. Uma terceira e última dose será providenciada em outubro de 2022. ©Peter Caton/MSF

 

“O esforço que temos empreendido na resposta contra a hepatite E tem sido longo e frustrante”, frisa a diretora médica da Médicos Sem Fronteiras (MSF) Monica Rull. “Nas últimas duas décadas, a MSF tem dado resposta a surtos de hepatite E em campos para pessoas deslocadas, tentando controlar a doença sob condições desafiantes e vendo também o seu impacto devastador em comunidades extremamente vulneráveis. Com a experiência desta campanha de vacinação, esperamos mudar a forma como enfrentamos a hepatite E no futuro.”

Em março e abril de 2022, a MSF e o Ministério da Saúde do Sudão do Sul levaram a cabo conjuntamente as primeiras duas doses da campanha de vacinação contra a hepatite E no campo para pessoas deslocadas de Bentiu, no estado de Unidade no Sudão do Sul. Cerca de 25 000 pessoas, incluindo grávidas, receberam a vacina. Uma terceira e última dose será providenciada em outubro de 2022.

“Dada a concretização bem sucedida das primeiras duas doses, e a resposta entusiástica da comunidade, esta campanha de vacinação inovadora pode servir de exemplo e ser replicada em situações semelhantes de surtos de hepatite E”, sublinha o diretor-geral dos Serviços de Saúde Preventiva no Ministério da Saúde do Sudão do Sul, o médico John Rumunu. “Espero que a vacina ajude a reduzir as infeções e mortes por hepatite E em Bentiu e além.”

Construído em 2014, durante o auge da guerra, Bentiu é o maior campo para pessoas deslocadas no Sudão do Sul. Residem lá hoje cerca de 112 000 pessoas – muitas viram-se forçadas a fugir de violência recente e de cheias. A MSF trabalha em Bentiu desde a criação do campo e tem observado surtos de hepatite E eclodirem no local desde 2015. São consequência das condições de habitabilidade deploráveis, nomeadamente a falta de acesso a água, saneamento e higiene adequadas.

 

Em março e abril de 2022, a MSF e o Ministério da Saúde do Sudão do Sul levaram a cabo conjuntamente as primeiras duas doses da campanha de vacinação contra a hepatite E no campo para pessoas deslocadas de Bentiu, no estado de Unidade no Sudão do Sul.
Em março e abril de 2022, a MSF e o Ministério da Saúde do Sudão do Sul levaram a cabo conjuntamente as primeiras duas doses da campanha de vacinação contra a hepatite E no campo para pessoas deslocadas de Bentiu, no estado de Unidade no Sudão do Sul. ©Peter Caton/MSF

 

Em 2021, graves cheias e novos fluxos de pessoas deslocadas exacerbaram ainda mais as condições de habitabilidade que já eram precárias, o que aumentou a propagação de doenças transmitidas pela água, incluindo a hepatite E. Desde julho de 2021, a MSF já prestou assistência a 759 pacientes com a doença confirmada no hospital que a organização médico-humanitária opera em Bentiu, 17 dos quais morreram.

O Ministério da Saúde do Sudão do Sul pediu à MSF para prestar apoio nos esforços para controlar o surto, através de uma campanha de vacinação em larga escala. A única vacina disponível contra a hepatite E, a Hecolin, demonstrou nos ensaios clínicos ser altamente eficaz na prevenção da doença, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a sua utilização para dar resposta a surtos desde 2015. No entanto, até agora tem sido apenas utilizada a nível individual na China, onde está aprovada para vacinar viajantes. A campanha de vacinação em Bentiu é a primeira vez em que é utilizada como resposta a uma emergência de saúde pública.

Uma carta que descreve a campanha foi publicada na revista de artigos científicos The Lancet Infectious Diseases, a 21 de julho, e um vídeo de apresentação pode ser visualizado aqui.

“Isto representa um marco muito importante nos esforços globais para enfrentar a hepatite E”, destaca Melanie Marti, médica no departamento de Imunização, Vacinas e Medicamentos Biológicos (Immunization, Vaccines & Biologicals em inglês) da OMS. “É a primeira vez que uma vacina é usada para enfrentar as consequências desta doença potencialmente devastadora. Isto apesar do facto de que a vacina está aprovada há mais de uma década, e de que é política da OMS que seja utilizada em surtos desde 2015. Na OMS, encorajamos veementemente todos os países com surtos ativos a utilizarem a vacina contra a hepatite E, incluindo em grávidas.”

O sucesso da campanha de vacinação em Bentiu prova que é possível utilizar a vacina na resposta a surtos, mesmo sob condições difíceis. O Ministério da Saúde do Sudão do Sul e a MSF estão a monitorizar e a reportar os resultados da campanha de vacinação. Apesar de serem necessárias outras medidas para controlar o surto – melhorar os serviços de água e saneamento, por exemplo – os profissionais de saúde acreditam que a campanha de vacinação é um passo importante para reduzir o fardo da hepatite E no futuro. A MSF espera que esta campanha incentive outros países a considerarem a vacina nas medidas de controlo de surtos de hepatite E.

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