A resposta da Médicos Sem Fronteiras na Ucrânia: como estamos a trabalhar para ajudar a salvar vidas

As nossas equipas estão a prestar uma resposta de emergência às necessidades das pessoas afetadas pela guerra no país

© Maurizio Debanne/MSF

“A escala, gravidade e velocidade da guerra na Ucrânia criaram, simplesmente, enormes necessidades e sofrimento”, afirma a pediatra Joanne Liu, ex-presidente internacional da MSF e membro da equipa de resposta de emergência da organização, que acabou de regressar da Ucrânia.

“Está claro que o sistema de saúde da Ucrânia é robusto e a sua capacidade para enfrentar este desafio é impressionante”, sublinha a Joanne Liu, que visitou alguns hospitais ucranianos para ajudar as autoridades a identificar necessidades e discutir como a MSF pode ajudar. “O melhor que podemos fazer é ouvir atentamente e compreender quais são as áreas específicas onde o nosso suporte pode ter um valor acrescentado. Identificámos alguns pontos cruciais, onde o nosso apoio médico e humanitário pode ajudar a salvar vidas, de forma prática, efetiva e, por vezes, até mesmo direta.”

 

Suprimentos médicos de emergência

Tornou-se claro, logo no início, que era necessário fornecer imediatamente aos hospitais certos com os suprimentos médicos certos. Começaram os pedidos urgentes de material cirúrgico, de medicamentos e materiais médicos para tratar feridas e traumas, efetuados pelas equipas dos hospitais, que enfrentavam combates e bombardeamentos perto da linha da frente. Nos últimos tempos, as necessidades ampliaram-se e passaram a incluir medicamentos para doenças como a asma, hipertensão, VIH, hipotiroidismo e tuberculose.

A Médicos Sem Fronteiras abriu um grande armazém de distribuição na cidade ocidental de Lviv, mas estabeleceu também depois outros armazéns, noutras zonas do país.

Até à data, a MSF já enviou mais de 225 toneladas métricas de suprimentos médicos e materiais de auxílio para a Ucrânia. A maior parte já foi encaminhada para hospitais e centros de saúde ou para o Ministério da Saúde, de onde seguem para outros sítios, onde são mais necessários. Num país em guerra, é um desafio transportar suprimentos, mas as Ferrovias Ucranianas prestam um apoio inestimável às equipas da MSF.

A Médicos Sem Fronteiras encaminhou também cinco contentores, carregados com cobertores térmicos de lã, sacos-de-cama, roupas quentes e itens de higiene (como pastas e escovas de dentes, sabão e toalhas), para serem entregues em organizações de sociedade civil locais em Lviv e depois distribuídas às pessoas que chegam à cidade, vindas de outras zonas da Ucrânia, ou que viajam em direção à fronteira. Foram também distribuídos materiais de auxílio em Kiev, Kharkiv e noutras cidades.

Transporte médico de pacientes por comboio

No dia 1 de abril, a MSF completou o primeiro encaminhamento médico ferroviário de pacientes num comboio com duas carruagens convertidas especificamente para este propósito, onde transportou nove pessoas que tinham sofrido ferimentos em Mariupol e arredores. Os pacientes foram transferidos de hospitais em Zaporijjia para hospitais em Lviv e foram assistidos por nove médicos da MSF a bordo.

Foram feitos outros encaminhamentos ferroviários, a partir de hospitais perto das linhas da frente da guerra, nas regiões de Donetsk e Luhansk. No total e até à data, foram já evacuados 114 pacientes, juntamente com as suas famílias. Como os pedidos de urgência dos hospitais da região Leste continuam a crescer, estão a ser planeados mais encaminhamentos ferroviários de pacientes, enquanto está a ser preparado um novo comboio, maior e altamente especializado.

Formação para grandes fluxos em larga escala de feridos e tratamento de traumas

“Quando um hospital recebe muitos pacientes ao mesmo tempo, chamamos-lhe uma situação com um grande fluxo de vítimas – quando não se tem recursos suficientes e os pacientes têm demasiadas necessidades”, explica a coordenadora médica de emergência na Ucrânia, Barbara Maccagno. “Uma das maneiras mais eficazes de salvar o máximo de vidas possível é a preparação de um sistema de triagem em que assistimos rapidamente os pacientes com estado de saúde grave, que necessitam imediatamente de tratamento, e os pacientes menos graves podem esperar mais um pouco. É algo que pode ser aprendido rapidamente, mas tem de ser praticado, já que é um pouco diferente aos modos de funcionamento habituais de um hospital”, acrescenta.

A MSF preparou profissionais médicos para grandes fluxos de vítimas em hospitais de Berehove, Bila Tserkva, Dnipro, Kharkiv, Kiev, Lviv, Mukachevo, Odessa, Orikhiv, Vinnitsia, Zaporijjia, e Jitomir e arredores.

Algumas das equipas de treino da MSF contam com experientes cirurgiões de traumas de guerra, que receberam formações práticas de técnicas cirúrgicas para a extração de balas e estilhaços e limpeza de feridas.

Necessidades menos visíveis

Antes da guerra deflagrar, a Médicos Sem Fronteiras tratava pacientes com tuberculose em Jitomir. A organização continuará a tentar encontrar formas de apoiar o seu tratamento, apesar de ser agora desafiante, porque as pessoas estão em constante movimento. Em Kiev, a MSF estabeleceu uma linha telefónica para pessoas com doenças não transmissíveis, que pode ser usada pelos mais idosos e pessoas em situação de vulnerabilidade para receberem medicamentos em casa. Em Kharkiv, gerimos clínicas móveis para pessoas abrigadas nas estações de metro, muitas das quais sofrem agora com ansiedade e traumas psicológicos devido à guerra.

Em Chernigov, a MSF fez uma doação substancial de provisões médicas a um dos hospitais da região. Para além disso, preparou clínicas móveis na cidade e em comunidades vizinhas, para responder às necessidades de saúde.

As nossas equipas começaram também a prestar apoio psicológico às pessoas  que se reúnem em Kiev, Vinnytsia e Beregovo, ou que passam por Zaporizhzhia, porque fugiram das regiões onde decorrem combates. Em Dnipro e arredores, são fornecidos materiais essenciais de auxílio para as pessoas que conseguiram escapar de Mariupol e da região de Donetsk.

Onde as equipas não conseguem chegar

As maiores necessidades estão, sem dúvida, nas áreas onde decorrem combates, onde as equipas da MSF não conseguem aceder. Civis presos em cidades cercadas precisam de passagens seguras para onde se quiserem deslocar. Os suprimentos humanitários têm de chegar às regiões onde as pessoas enfrentam necessidades extremas. Em todos os sítios e em qualquer altura, a população tem de ser protegida de acordo com as regras de guerra e a lei humanitária internacional.

Nas fronteiras dos países vizinhos

De acordo com o ACNUR, mais de quatro milhões de refugiados já fugiram da Ucrânia para países vizinhos, onde são demonstradas gigantes ondas de solidariedade para receber e prestar assistência aos ucranianos que chegam – a Médicos Sem Fronteiras não pretende duplicar estas atividades.  Nestes países que recebem os refugiados, as nossas equipas implementaram clínicas para fornecer cuidados médicos e psicológicos nas travessias, por vezes, nos dois lados da fronteira. Fizemos também donativos de provisões médicas e estamos a prestar apoio a grupos locais da sociedade civil, treinando-os, por exemplo, em primeiros-socorros psicológicos.

Apesar de ser emocionante e reconfortante testemunhar toda esta solidariedade manifestada com os refugiados ucranianos, a Médicos Sem Fronteiras nota, com alguma consternação, que os Governos dos Estados membros da União Europeia continuam a aplicar uma abordagem fortemente repressiva para a passagem segura de refugiados de outras nacionalidades que tentam chegar à Europa. A MSF urge para que esta passagem segura e receção digna seja estendida para todas as pessoas que chegam como migrantes, requerentes de asilo ou refugiadas, quando e como quer que cheguem.

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