“Achei que o HIV fosse o fim da minha vida. Agora, quero ajudar meus colegas.”

Projeto de MSF no Malauí, Clubes de Adolescentes ajuda jovens a superar o preconceito em relação ao vírus

“Achei que o HIV fosse o fim da minha vida. Agora, quero ajudar meus colegas.”

Nesta terça-feira, 1º de dezembro, é celebrado o Dia Mundial de Luta contra a Aids. Crianças e adolescentes que vivem com o vírus HIV são particularmente vulneráveis à estigmatização e à carga psicológica que a doença produz. Muitas vezes, isso resulta em resistência para seguir o tratamento antirretroviral.

No Malauí, Médicos Sem Fronteiras (MSF) oferece um espaço seguro, onde os pacientes mais jovens têm acesso a cuidados e acompanhamento, testes laboratoriais e apoio psicológico. São os “Clubes de Adolescentes”, onde eles também podem compartilhar suas experiências com colegas, com alguns assumindo o papel de mentores do grupo.

Quando soube de seu status sorológico, ainda criança, Chilungamo ficou assustado e confuso. “Eu descobri que possuo HIV em 2011, quando tinha 12 anos. Eu pensei que era o fim da minha vida, que a única coisa que me esperava era a morte e nada mais”. Nove anos depois, Chilungamo não morreu: em vez disso, assumiu o papel de ajudar outros meninos e meninas com a mesma condição no distrito de Chiradzulu, se tornando mentor de pares nos “Clubes de Adolescentes” organizados por MSF.

O Malauí tem uma das taxas de prevalência de HIV mais altas do mundo: cerca de uma em cada dez pessoas no país é positiva para o vírus. Por mais de 20 anos, MSF trabalhou em Chiradzulu para fornecer cuidados em uma área onde o acesso a tratamento eficaz e testes eficientes é um desafio. Enquanto as pessoas que vivem com HIV enfrentam muitos dos mesmos problemas, independentemente de suas idades, ao longo do tempo ficou claro para as equipes de MSF que crianças e adolescentes enfrentam desafios específicos, necessitando de atenção extra e cuidado dedicado.

Com pacientes às vezes com menos de 10 anos de idade, mesmo a simples explicação do que é HIV positivo e o que isso significa para a vida pode ser difícil. Outros pacientes podem estar se aproximando da maturidade sexual e lutando para chegar a um acordo com o fato de conviverem com uma doença sexualmente transmissível. “Deixar alguém tão jovem saber que eles estão infectados com o HIV é um processo, às vezes, longo”, diz Miriam Harry, coordenadora do projeto de MSF. “Esta ‘divulgação’ precisa ser acompanhada de aconselhamento, devemos levar em conta a idade e a maturidade da pessoa. Com as crianças mais novas, você muitas vezes simplesmente fala sobre uma “geleia” no sangue que precisa ser tratada. À medida que crescem, eles aprendem sobre o HIV e tornam-se capazes de educar e apoiar outras pessoas na mesma situação: seus colegas.”

Além dessas questões relativas à esfera mais íntima, os pacientes mais jovens são particularmente suscetíveis às implicações sociais da doença. “Ser aceito por seus pares e na sua comunidade é uma situação crítica para eles, em uma idade tão vulnerável”, continua Harry. “Igualmente importante para eles é poder ver um futuro, ter educação e oportunidades na vida, apesar de sua condição”.

Todos esses problemas tornam difícil – e às vezes bastante desconfortável – para crianças e adolescentes estar perto de pacientes adultos com HIV ao discutir sua condição. “Na companhia de pacientes mais velhos me sentia desconfortável, tímido”, confirma Chilungamo. “Quando entrei no Clubes de Adolescentes, percebi que somos muitos – crianças e adolescentes como eu, vivendo com HIV. Comecei a compartilhar ideias sobre como levar uma vida saudável. Fui encorajado de várias maneiras, levado a adquirir um melhor conhecimento da doença.” Uma vez que ele se sentiu parte de uma comunidade receptora, Chilungamo deixou de ser apenas participante dos Clubes de Adolescentes para se tornar mentor de seus pares, função para a qual ele foi preparado e treinado por equipes de MSF.

Os Clubes de Adolescentes geralmente acontecem aos sábados para evitar a interrupção da frequência escolar. As atividades contemplam sessões de apoio, discussões sobre educação para a saúde e algum tempo livre para atividades lúdicas. Os pacientes também participam de consultas clínicas e têm sua carga viral medida, para que seu progresso seja monitorado e se uma linha ou o tipo de tratamento antirretroviral está falhando, eles podem ser imediatamente movidos para a próxima linha, antes que suas condições se deteriorem.

Em um sábado quente e ensolarado no início de março, antes da pandemia de COVID-19 se espalhar pela África, 172 crianças e adolescentes frequentavam o Clube de Adolescentes realizado no centro de saúde Namitambo, a 40 minutos de carro da cidade de Chiradzulu. Tamika Munyenyembe, assistente social de MSF, os observava enquanto se moviam em torno do amplo pátio. “A discriminação de pessoas vivendo com HIV é um problema real e para os pacientes mais jovens, começa na família”, afirma. “As crianças podem parar de tomar seus medicamentos porque eles se sentem culpados por terem HIV. Eles se sentem como se estivessem fazendo algo errado e associam os medicamentos para HIV com o problema – eles podem pensar que se pararem de tomar os medicamentos, o problema desaparece. Infelizmente, isso só significa que eles ficarão mais doentes e eventualmente vão morrer.”

Inevitavelmente, a pandemia de COVID-19 forçou uma redução temporária das atividades, incluindo a suspensão de atendimento físico nos clubes. O acompanhamento médico estava disponível apenas por telefone e o fornecimento de medicamentos antirretrovirais foi aumentado para que os adolescentes pudessem reduzir o número de visitas às clínicas.

MSF reiniciou algumas atividades dos Clubes de Adolescentes, embora com algumas limitações (por exemplo, atividades recreativas ainda estão em espera). “A presença hoje é impressionante. Eu temia que pudéssemos perder contato com parte de nossos pacientes, mas não foi o caso. Ainda estamos passando pelo processo de analisar as cargas virais para entender se esses poucos meses de atividade reduzida resultaram em uma piora da condição de nossos pacientes, mas até agora as coisas parecem estar bem.”     

Em 2019, cerca de 9.200 pacientes compareceram aos Clubes de Adolescentes de MSF.  Muitos encontram significado e motivação na oportunidade de ajudar os outros. “O resultado final é que os Clubes de Adolescentes ajudaram muitos jovens a se tornarem responsáveis por si próprios”, diz Chilungamo. “Agora, eles são capazes de gerenciar sua forma de viver, assim como eu.”

 

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