África do Sul: Vítimas da violência ainda enfrentam insegurança e ameaças

Em entrevista, Luís Encinas, coordenador médico da Unidade de Emergência de MSF, fala sobre os conflitos registrados em Johanesburgo

Você poderia descrever o que você viu na África do Sul?
Cheguei em Johanesburgo duas semanas após o início da onda de violência e não vi diretamente pessoas feridas. No entanto, tive a oportunidade de visitar os acampamentos de deslocados, onde as pessoas estavam aglomeradas, vivendo sob condições precárias. Pude confirmar que a situação é movida a xenofobia e que a percentagem de vítimas indiretas da violência recente é alta. Muitos de nossos pacientes contaram que vivem uma situação insustentável e de constante ameaça. O futuro é incerto e a falta de informação aumenta o nível de estresse.

Por que a violência estourou agora?
São muitas as causas e o problema é bastante complexo. Basicamente, nós podemos dizer que de um lado temos os países que fazem fronteira com a África do Sul e passam por uma situação econômica, política ou social bem delicada, uma situação de crise. Por outro, temos a África do Sul, uma poderosa fortaleza econômica, mesmo com o nível de desemprego crescendo a cada dia. A necessidade de ter mão-de-obra barata criou um grande fluxo de deslocados, a maioria deles em situação ilegal e forçado a aceitar condições ruins de trabalho e salários ridiculamente baixos. Esses elementos provocaram essa tensão na África do Sul, principalmente nos bairros mais pobres, uma vez que são neles que se concentram os maiores índices de desemprego.

Quem os ataca? E por quê?
Essa crise pode ser dividida em duas partes: violência física, que inclui ataques diretos a pessoas e seus familiares e saque dos bens delas; e a fase de intimidação que inclui ameaças e provocação injustificada. Ambas têm como objetivo criar uma atmosfera insustentável para forçar o retorno desses "outros", "aqueles que atrapalham e que vieram e invadiram o país, tomando todo o trabalho". Eu imagino que a falta de conhecimento com relação a esse outro e o medo de perder sua própria identidade levaram a esses ataques. Panfletos com mensagens xenofóbicas foram mencionados e alguns foram vistos no terreno.

A violência física não é mais o pior problema. A ameaça psicológica, que inclui ameaças tangíveis e uma clara mensagem de "vá embora ou você será morto", ainda é presente e aumenta a cada dia.

O que está acontecendo agora com os imigrantes, aqueles que foram levados para os acampamentos?
Existem entre 40 mil e 80 mil deslocados internos, vítimas diretas da violência. Alguns ônibus foram disponibilizados para repatriá-los para seus países de origem, a maioria para Moçambique e para o Malauí. Cerca de 4 mil deslocados internos foram ou estão prestes a ser levados para os quatro principais acampamentos de Johanesburgo e em seus arredores. Esses números são apenas a ponta do iceberg se você levar em conta os entre 3 milhões e 4 milhões de imigrantes vivendo no país.

Como são as condições de vida nesses acampamentos?
As condições estão mudando, mas estão longe de atenderem ao padrão internacional. Há pouco ou nenhum acesso à água e saneamento adequado, não há acesso a saúde devido à falta de equipes médicas nacionais, não há garantia de proteção ou informação. Dentre os quatro acampamentos, um fica em uma área especialmente perigosa em Johanesburgo, então os imigrantes não estão em segurança. Nós estamos visitando esses acampamentos através das nossas clínicas móveis para checar se há acesso a saúde ou não e para oferecer nosso serviço, caso seja necessário.

O processo de relocação é feito à força?
Depende de como você define "à força". Eu presenciei o processo de relocação e não vi o uso da força. No entanto, o fato de propor a alguém que já está traumatizado e vulnerável apenas duas opções (voltar para seu país de origem ou ser enviado para um acampamento) quando uma dessas opções não é viável, uma vez que muitos não podem voltar para seu país natal devido à situação política, então é como se os obrigassem a ir para os acampamentos. Além disso, nós poderíamos dizer que não é forçado, mas induzido, uma vez que eles não têm nenhuma outra alternativa. É um processo involuntário e falta aos afetados pela violência informação para que possam fazer uma escolha livre. Eles estão encurralados.

Quais são as doenças que eles sofrem?
Até hoje, não foi detectado nenhum surto de doença. Os indicadores não ultrapassaram o índice que caracteriza uma emergência, então não há razão para alarme. No entanto, infecções respiratórias têm aumentado significantemente e têm sido a principal causa de morte. Altos índices de estresse entre os deslocados também são registrados.

O que MSF está fazendo lá?
MSF está trabalhando em três eixos: oferecendo atendimento médico noite e dia através das clínicas móveis; acompanhando pacientes crônicos; realizando pesquisas; oferecendo apoio psicológico para as vítimas; e implementando um sistema de acompanhamento médico e transferência. Estamos ainda oferecendo apoio logístico através da distribuição de cobertores, kits de higiene e lâminas de plástico para abrigos e, finalmente, realizando atividades de lobby para que a Acnur e o governo assumam suas responsabilidades com relação aos beneficiários.

Com relação ao apoio psicológico, você poderia nos dizer qual é a principal preocupação desses imigrantes?
Nós realizamos um rápido levantamento que revelou um alto índice de estresse pós-traumático. Estamos montando uma rede para trabalhar com grupos de pessoas afetadas e com os que ainda apresentam sintomas de traumas. Eles se preocupam com a falta de certeza com relação a seu futuro, com as ameaças constantes, falta de acesso à saúde, a impossibilidade de reintegração, como se locomover, o fato de que perderam o emprego e tudo o que tinham, entre outras coisas.

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