As necessidades médico-humanitárias na Ucrânia mantêm-se urgentes

Diana Bilonozhko, trabalhadora MSF, ajuda uma paciente a acomodar-se na ambulância depois de um procedimento de diálise.
©️ Olexandr Glyadyelov

Após a escalada da guerra na Ucrânia, que intensificou um conflito armado internacional iniciado em 2014, a população continua a sofrer as consequências devastadoras dos combates, visíveis nas vidas perdidas, amputações e destruição de infraestruturas civis. As necessidades médico-humanitárias são mais evidentes do que nunca. Os serviços de saúde da Ucrânia enfrentam uma pressão crescente, agravada por ataques frequentes a hospitais, ambulâncias e outras instalações médicas.

Desde 2022, a Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem testemunhado um aumento no número de pacientes com ferimentos relacionados com a guerra que necessitam de reabilitação, incluindo fisioterapia pós-amputação. O impacto psicológico da guerra agravou-se, com um crescimento acentuado de casos de perturbação de stress pós-traumático. Nas áreas próximas das linhas da frente, os bombardeamentos contínuos dificultam o acesso a cuidados essenciais para aqueles que enfrentam maior risco, incluindo idosos e pessoas com doenças crónicas.

 

O Sr. Yurii, paciente da MSF, pratica exercícios de equilíbrio. Yurii recebeu atendimento hospitalar na sequência de um ferimento causado pela explosão de uma mina, que resultou numa amputação. Outubro de 2024.
O Sr. Yurii, paciente da MSF, pratica exercícios de equilíbrio. Yurii recebeu atendimento hospitalar na sequência de um ferimento causado pela explosão de uma mina, que resultou numa amputação. Outubro de 2024. ©️ Yuliia Trofimova/MSF

 

A MSF mantém um projeto de reabilitação precoce em Cherkasi e Odesa, onde pacientes que sobreviveram a ferimentos causados por traumas violentos têm acesso a fisioterapia pós-operatória, apoio à saúde mental e cuidados de enfermagem.  Em 2023 e 2024, a organização prestou tratamento a 755 pacientes. Em relação ao ano anterior, os casos de amputação de membros inferiores aumentaram dez por cento.

 

Mesmo que a guerra terminasse amanhã, centenas de milhares de pessoas continuariam a precisar de fisioterapia e apoio psicológico durante anos.

 

No último ano, metade dos pacientes deste projeto foi diagnosticada com perturbação de stress pós-traumático ou depressão. Em resposta a esta crise crescente, a Médicos Sem Fronteiras assegura um projeto dedicado à saúde mental em Vinnitsia, focado na recuperação psicológica e no acompanhamento a longo prazo.

“A guerra mantém-se intensa e as necessidades médico-humanitárias tornaram-se ainda mais complexas. Mesmo que a guerra terminasse amanhã, centenas de milhares de pessoas continuariam a precisar de fisioterapia e apoio psicológico durante anos. Garantir esses cuidados exige um compromisso humanitário duradouro”, sublinhou o responsável pelos programas da MSF na Ucrânia, Thomas Marchese.

 

Sistema de saúde sob pressão crescente

As unidades de saúde na Ucrânia enfrentam desafios extremos ao tentar equilibrar a resposta a emergências com a prestação contínua de cuidados médicos. Nos últimos três anos, ataques de drones e mísseis tornaram-se uma ocorrência diária, atingindo até cidades a mais de mil quilómetros da linha da frente. As unidades médicas e os profissionais de saúde foram forçados a adaptar-se, tratando pacientes em abrigos subterrâneos e caves, muitas vezes sob apagões devido aos ataques à infraestrutura energética.

Para aliviar a sobrecarga dos hospitais nas zonas mais afetadas, a MSF assegura  a transferência de pacientes de unidades sobrelotadas para hospitais em regiões centrais e ocidentais da Ucrânia, onde há maior capacidade de resposta. Desde 2022, mais de 25.000 pacientes foram transferidos, tendo a maioria ferimentos graves e sofrimento psicológico.

Em 2024, as equipas da MSF em clínicas móveis e ambulâncias próximas da linha da frente observaram um aumento significativo nos casos de doenças crónicas, como problemas cardiovasculares, diabetes e cancro. Estes casos representavam 24 por cento de todas as referências médicas em 2023, atingindo 33 por cento em 2024. No entanto, os bombardeamentos contínuos impedem frequentemente a MSF de alcançar certas zonas, deixando muitas pessoas sem acesso a cuidados médicos. A maioria dos doentes crónicos são idosos com mobilidade reduzida, e, em algumas regiões, passaram a viver permanentemente em abrigos subterrâneos devido à intensidade dos ataques.

“Para muitas pessoas em situação de vulnerabilidade, partir não é uma opção. Nem todos podem abandonar as casas e recomeçar a vida noutro lugar. A continuação dos combates mantém estas comunidades frequentemente isoladas dos cuidados médicos, impedindo muitas vezes as nossas equipas de chegar às áreas mais afetadas, devido aos bombardeamentos”, destacou Thomas Marchese.

 

Hospital na cidade de Visokopilla, Oblast de Kherson. 31 de janeiro de 2023.
Hospital na cidade de Visokopilla, Oblast de Kherson. 31 de janeiro de 2023. ©️ Colin Delfosse

 

Com a guerra na Ucrânia a entrar no quarto ano, as equipas da MSF constatam diariamente o agravamento da crise médico-humanitária. Apesar da notável resiliência do sistema de saúde ucraniano face à violência extrema, as necessidades médicas e psicológicas são cada vez maiores. Mesmo que os combates terminassem amanhã, os efeitos a longo prazo, tanto físicos como psicológicos, prolongar-se-iam por anos. Além disso, a infraestrutura do país sofreu danos graves, com hospitais diretamente atingidos por ataques. Centenas de milhares de pessoas necessitarão de acompanhamento médico, reabilitação e apoio psicológico muito depois do fim da guerra.

A MSF continua a prestar assistência na Ucrânia, tanto nas zonas próximas da linha da frente como noutras regiões do país. No entanto, é necessário mais apoio para garantir a continuidade dos cuidados essenciais às pessoas afetadas pela guerra.

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