Atualização da UNAIDS: alta mortalidade em decorrência da Aids lembra que a luta não acabou

Atraso no diagnóstico e interrupção do tratamento causam a morte de pessoas que vivem com HIV

Atualização da UNAIDS: alta mortalidade em decorrência da Aids lembra que a luta não acabou

Setecentas e setenta mil pessoas morreram em consequência da Aids em todo o mundo em 2018. Estes são números preocupantes, divulgados hoje pelo programa das Nações Unidas para HIV/Aids em Eshowe, África do Sul. O uso em tempo hábil de ferramentas eficazes de diagnóstico e medicamentos para o tratamento de HIV/Aids pode prevenir a maioria das mortes e, ainda assim, o número anual de mortes por Aids diminuiu muito pouco desde 2014, uma preocupação real para a organização médica internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Os números também indicam que aumentou em 2 milhões o número de pessoas submetidas a terapia antirretroviral (ART), mas é preciso fazer mais para enfrentar as infecções fatais que levam à morte pela Aids, começando com a tuberculose e a meningite criptocócica.

“Nos hospitais apoiados por MSF na República Democrática do Congo, Guiné, Malaui e outros lugares, muitas mortes ocorrem dentro de 48 horas após a internação”, explica o dr. Gilles Van Cutsem, líder do Grupo de Trabalho sobre HIV/Aids de MSF. Os pacientes já chegam muito doentes, muitas vezes com infecções oportunistas graves, como tuberculose, meningite criptocócica ou sarcoma de Kaposi. Quando eles chegam, às vezes é tarde demais para salvá-los. Eles podem não ter sido diagnosticados a tempo ou não terem tido acesso a um tratamento que poderia salvar suas vidas. “As mortes relacionadas à Aids são principalmente motivadas pelo atraso no diagnóstico, interrupções do tratamento e falha virológica e imunológica entre pessoas já submetidas anteriormente a tratamento contra o HIV.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 30% das pessoas que iniciam o tratamento para o HIV em todo o mundo já apresentam uma forma avançada da doença, com supressão imunológica severa, o que as coloca sob um risco muito alto de infecções oportunistas e morte. Uma em cada três mortes relacionadas à Aids no mundo é causada por tuberculose, enquanto a meningite criptocócica afeta centenas de milhares de pessoas infectadas com HIV a cada ano e é responsável por 15% a 20% de todas as mortes relacionadas à Aids.

Outras infecções oportunistas graves contribuem para a mortalidade relacionada à Aids, embora possam ser curadas, como pneumocistose e pneumonia bacteriana, sepse etc. No entanto, pouca atenção tem sido dada à detecção e ao tratamento de pessoas com HIV avançado, e o acesso a testes de diagnóstico e tratamento para muitas infecções oportunistas é muito limitado.

Nos países onde MSF atua, ferramentas diagnósticas, como a contagem de células CD4, necessária para diagnosticar HIV avançado, muitas vezes estão ausentes; TB-Lam e CrAg LFA, testes que fornecem diagnóstico rápido de tuberculose e meningite criptocócica, também permanecem indisponíveis, particularmente em ambientes onde só são oferecidos cuidados de saúde primária, onde a maioria das pessoas costuma buscar cuidados de saúde. “Muitos pacientes vão primeiro aos centros de saúde primária (como postos de saúde) quando se sentem doentes. Se as clínicas de cuidados primários não estiverem equipadas e com profissionais treinados para detectar o HIV avançado, os pacientes em risco permanecerão sem diagnóstico e tratamento; seu estado de saúde vai piorar até que se tornem pacientes terminais. Em seguida, alguns serão encaminhados para hospitais, onde muitas vezes faltam ferramentas básicas para lidar com eles”, explica Gilles Van Cutsem. 

Em 2016, os estados-membros da ONU endossaram a meta de reduzir as mortes por Aids em 50% até 2020, para menos de 500 mil por ano. A seis meses deste prazo, estamos longe de alcançar este objetivo. As mortes por Aids diminuíram em apenas 30 mil em relação ao ano passado; isso é, para 770 mil em 2018, em comparação com 800 mil em 2017 e 840 mil em 2016. A redução da mortalidade está estagnada.

Os estados-membros da ONU também concordaram com as metas de 90-90-90 da UNAIDS, onde 90% das pessoas que vivem com HIV sabem sua condição, 90% dessas pessoas estão em tratamento antirretroviral e 90% das pessoas em tratamento têm carga viral indetectável.

No início deste ano, MSF e o Departamento de Saúde da África do Sul demonstraram que é possível atingir as metas 90-90-90, com a redução da incidência em Eshowe, na província de KwaZulu-Natal, na África do Sul. O resultado foi obtido com serviços intensivos baseados na comunidade ligados a instalações de cuidados primários apoiadas através de treinamento, orientação e monitoramento. Apesar de encorajador, Eshowe continua sendo uma exceção e poucos outros distritos, províncias ou países atingirão as metas de 90-90-90 em 2020. Em muitos países, a cobertura do tratamento antirretroviral permanece baixa demais para impactar a mortalidade e a morbidade. Em particular, os países da região da África Ocidental e Central precisam de uma aceleração, mas estão enfrentando um déficit de financiamento internacional, incluindo recursos para o aumento do tratamento antirretroviral. É urgente que esses países/comunidades obtenham os recursos e apoio necessários para aplicar as lições das abordagens comunitárias de teste e tratamento do HIV – como em Eshowe. 

Governos, ministérios da saúde, agências internacionais, doadores e organizações parceiras devem intensificar esforços e se concentrar para reduzir a mortalidade de pessoas que vivem com o HIV, com atenção específica e aprimorada para prevenir, detectar e tratar HIV avançado e a Aids.

“Não podemos celebrar ou falar em sucesso, enquanto centenas de milhares de pessoas continuam morrendo de Aids todos os anos porque não têm acesso aos cuidados básicos de HIV, porque vivem em países que são negligenciados, porque fazem parte de grupos populacionais negligenciados ou por causa de políticas que optaram por ignorá-los. Prevenir, detectar e tratar o HIV avançado e a Aids exige mais atenção e financiamento, especialmente em contextos de baixa cobertura, como a África Ocidental e Central, e em populações negligenciadas.”, conclui Gilles Van Cutsem.

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