Autoridades italianas apreendem navio de buscas e salvamento da MSF por 60 dias

É já a terceira vez que o Geo Barents é apreendido, e agora pelo mais longo período de tempo. Isto agrava as já insuficientes capacidades de buscas e salvamento no mar, tornando o Mediterrâneo Central ainda mais mortal

© Stefan Pejovic/MSF

As autoridades de Itália emitiram, a 26 de agosto, uma ordem de apresamento por 60 dias do Geo Barents, o navio de buscas e salvamento que a Médicos Sem Fronteiras (MSF) opera no Mediterrâneo Central, invocando alegadas violações dos regulamentos de segurança marítima.

A ordem de apreensão foi emitida após tererm sido efetuadas pela organização médica-humanitária várias operações de salvamento às primeiras horas da manhã de 23 de agosto na zona central do mar Mediterrâneo. É alegado que o Geo Barents terá falhado em fornecer informações atempadas ao Centro Italiano de Coordenação de Resgate Marítimo e terá posto em perigo as vidas de pessoas. A MSF refuta estas alegações, que têm por base informações prestadas pela Guarda Costeira da Líbia.

“A Guarda Costeira líbia, que é apoiada pela União Europeia e que as autoridades italianas consideram uma entidade credível, foi acusada de forma documentada pelas Nações Unidas de cumplicidade em graves violações de direitos humanos na Líbia, as quais equivalem a crimes contra a humanidade, conluio com contrabandistas e traficantes e de serem responsáveis por violentos retornos forçados no mar”, frisa o coordenador-geral das operações de resgate da MSF no Geo Barents, Juan Matías Gil. “Fomos sancionados por simplesmente cumprirmos o nosso dever legal de salvar vidas”, sustenta ainda.

Naquele dia, 23 de agosto, as equipas da MSF no Geo Barents levaram a cabo cinco operações de resgate. A terceira, sobre a qual a MSF é acusada de falha no fornecimento de informações atempadas, ocorreu após a equipa no navio ter observado um número significativo de pessoas a cair ao mar nas proximidades do Geo Barents.

“Foi a meio da noite. Vimos pessoas a saltar de um barco de fibra de vidro, a cairem ou serem empurradas para as águas. As nossas equipas não tiveram outra opção que não a de ir em socorro, estabilizar as pessoas e resgatá-las da água tão depressa quanto possível”, descreve o líder da equipa de buscas e salvamento da MSF, Riccardo Gatti. “Havia o perigo iminente de as pessoas se afogarem ou se perderem na escuridão da noite”, explica.

Esta ordem de apresamento é significativa não apenas porque é já a terceira vez que o Geo Barents é apreendido, mas também porque o é pelo mais longo período de tempo. Até à data, esta é 23ª ocasião em que um navio humanitário de resgate é apresado desde a entrada em vigor, no início de 2023, do Decreto-Lei italiano conhecido como “Decreto Piantedosi” – o qual visa especificamente impedir as atividades vitais de buscas e salvamento que organizações não-governamentais fazem no mar.

“Este é mais um exemplo de como o Decreto Piantedosi não só viola as leis internacionais e europeias, mas também contradiz as obrigações de agir face a um estado de necessidade quando estão em risco vidas humanas”, sublinha Juan Matías Gil. “As autoridades estão a forçar-nos a termos de escolher entre salvar as pessoas no mar ou a liberdade do nosso navio de salvamento. A preservação da vida humana está no cerne do mandato social da MSF e iremos, assim, contestar esta apreensão ilegal através dos canais legais adequados.”

O Geo Barents está atualmente impossibilitado de realizar resgates no Mediterrâneo devido ao apresamento decretado pelas autoridades italianas. Isto vai agravar as já insuficientes capacidades de buscas e salvamento no mar, tornando o Mediterrâneo Central – que é uma das mais perigosas rotas de migração no mundo – ainda mais mortal.

A MSF insta as autoridades italianas a libertarem o Geo Barents desta apreensão para cumprir o dever que tem de resgatar vidas, e a parar imediatamente de obstruir a assistência humanitária que salva vidas no mar. A organização médica-humanitária urge também a União Europeia e seus Estados-membros a suspenderem todo o apoio material e financeiro à Guarda Costeira e autoridades líbias com historial de violações de direitos humanos.

 

A 23 de agosto de 2024, as equipas da MSF fizeram cinco operações de resgate no Mediterrâneo Central. No total foram salvas 191 pessoas, incluindo mulheres e crianças. Após estes resgastes, o Centro Italiano de Coordenação de Resgate Marítimo indicou inicialmente Nápoles como local seguro para efetuar o desembarque das pessoas salvas e, mais tarde, mudou a designação de porto para Civitavecchia e, depois, para Salerno.

A MSF tem atividades de buscas e salvamento desde 2015, tendo operado oito navios de resgate (sob gestão única ou em parceria com outras ONG) e salvo mais de 91 000 pessoas. Desde o início das operações com o navio Geo Barents, em maio de 2021, as equipas da MSF resgataram mais de 12 300 pessoas, recuperaram os cadáveres de 24 pessoas, organizaram a transferência médica de quatro pessoas e prestaram a bordo assistência ao parto de um bebé.

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