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Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto de COVID-19 uma emergência de saúde pública de interesse internacional. Mesmo antes desse marco, muitos países passaram a implementar medidas sanitárias e econômicas de forma independente para responder à ameaça dessa doença infecciosa emergente. Entretanto, rapidamente ficou claro o papel central dos esforços de cooperação internacional, sobretudo na pesquisa e desenvolvimento (P&D) de ferramentas para superar a pandemia de COVID-19. Hoje é bastante forte a visão de que a(s) vacina(s) para a COVID-19 deve ser desenvolvida “por todos e para todos” e tratada especialmente como um bem público global.
À medida que iniciativas multilaterias como a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (Cepi)1, a Access to COVID-19 Tools (ACT) Accelerator2 e a Coalizão de Pesquisa Clínica para COVID-193 se multiplicam, a transparência e a coordenação na P&D ressurgem como elementoschave na discussão sobre a promoção das tecnologias em saúde. São conceitos amplos e que estão diretamente ligados à eficiência e à divulgação dos custos de P&D e produção. Envolvem desde a gestão democrática dos investimentos públicos, passando pelo compartilhamento de resultados, protocolos e custos, até estímulos regulatórios e mecanismos legais que garantam a produção, disponibilização e precificação justa de vacinas, tratamentos e testes diagnósticos.
De fato, a crise gerada pela COVID-19 alavancou o financiamento para P&D de novas ferramentas de saúde em todas as regiões do mundo, com grande protagonismo da esfera pública. Porém, os dados até agora parecem mostrar que boa parte dos esforços, particularmente no caso dos medicamentos, foi desorganizada, resultando na condução de inúmeros pequenos estudos desconectados, que sozinhos não foram capazes de gerar a informação de qualidade necessária para guiar a tomada de decisão.
Se olharmos para o caso do Brasil, o montante investido pelo governo em pesquisa para COVID19, por volta de US$ 100 milhões, segundo relatório técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ficou bastante aquém dos países desenvolvidos e da demanda da comunidade científica local. Além disso, este investimento público ocorre justamente em um momento em que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) está em seu patamar mais baixo nos últimos anos. E embora o país tenha expertise histórica no desenvolvimento e na produção de vacinas, ainda carece de uma estratégia consistente e cientificamente embasada de enfrentamento à pandemia de COVID-19.
Diante deste cenário, é fundamental reivindicar maior coordenação estratégica, incluindo a gestão apropriada da origem e do destino dos investimentos públicos, e sobretudo transparência acerca dos custos envolvidos no processo de P&D e produção, pois vacinas e medicamentos produzidos com dinheiro público, ainda que em parceria com a iniciativa privada, devem ser eficazes, seguros e disponibilizados à sociedade de maneira acessível, equitativa e universal.
Trabalho há diversos anos com P&D farmacêutico, e mais recentemente me juntei ao time da DNDi (Drugs for Neglected Diseases initiative, pela sigla em inglês), organização que adota um modelo alternativo de P&D sem fins lucrativos e baseado nas necessidades dos pacientes. Os recentes sucessos dessa organização mostram que a colaboração aberta e a coordenação entre governos, academia e indústria – que inclui no seu molde a participação ativa dos países endêmicos e a desvinculação do custo de pesquisa do preço final do medicamento – acelera a pesquisa e amplia o acesso aos tratamentos pelas populações mais negligenciadas. Ademais, esse modelo colaborativo de inovação promove impacto positivo no ecossistema, uma vez que incentiva a formação de redes de pesquisa internacionais, a ampla divulgação de resultados e dos custos de P&D, e a construção coletiva de “perfis de produto-alvo”4, com o intuito de evitar a duplicação de esforços e maximizar o progresso da ciência.
O mundo agiu com rapidez impressionante e obteve considerável sucesso no desenvolvimento de ferramentas necessárias para tentar conter a pandemia e promover a retomada econômica e social. Nesse âmbito, a explosão da ciência aberta, manifestada pela rápida publicação de resultados via preprints e mídias sociais, trouxe uma nova e intrigante dinâmica para o setor. Por outro lado, a clara desorganização das iniciativas de P&D e a forma desproporcional com que a COVID-19 tem impactado a saúde, o bem-estar e a economia das comunidades mais pobres deveriam ser preocupações especiais e sobretudo um alerta. Esses aspectos da pandemia não são algo novo, e o longevo impacto das doenças tropicais negligenciadas na saúde das populações mais desassistidas são o grande exemplo disso.
A COVID-19, aquela que será conhecida como a primeira pandemia moderna, deixará marcas profundas na sociedade global. Nenhum ser humano vivo nesse momento será capaz de esquecê-la. É um evento que definirá a nossa era e moldará de forma significativa as futuras gerações. É, portanto, fundamental que nos certifiquemos que uma lição seja aprendida nesse momento: conduzir P&D robusto, colaborativo, transparente e focado nas necessidades dos pacientes não é apenas possível, mas é provavelmente a melhor estrutura de P&D para garantir que os resultados sejam gerados de forma rápida e eficiente, e que os produtos sejam amplamente acessíveis a todos aqueles impactados pela pandemia.
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