Centenas de milhares de pessoas em condições precárias com as cheias no Sudão do Sul

Já passaram oito meses desde o início das cheias e as necessidades são imensas, incluindo de abrigos, água limpa e infraestruturas de saneamento, cuidados de saúde, segurança alimentar e apoio aos meios de sustento

© Sean Sutton

Quando os níveis das águas das cheias começaram a subir na aldeia onde Nyabeel* vive, esta jovem mulher de 21 anos e o marido ficaram sem saber o que fazer. Partir das suas terras, de que dependiam para se alimentarem, era uma decisão difícil. “Passámos três dias a deslocar-nos. Foi um desafio, com quatro crianças e um rebanho de cabras”, recorda.

Oito meses passados desde o início das cheias, os habitantes do estado de Unity, na região Norte do Sudão do Sul, continuam a sofrer, forçados a viver em condições precárias e em risco de surtos de doenças infecciosas e de doenças relacionadas com a água. Espalhados por diversos campos improvisados, enfrentam também insegurança alimentar, perda de rendimentos, desnutrição e falta de água potável segura. Estima-se que 835 000 pessoas tenham sido afetadas pelas cheias.

Na aldeia, Nyabeel dependia do cultivo da terra e do leite das cabras para a alimentação: “Tínhamos uma vida mais estável do que temos aqui, agora comemos uma refeição de milho por dia”, explica. Nyabeel levou o seu bebé de um ano à clínica móvel da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no campo de Kuermendoke, na vila de Rubkona, a fim de receber tratamento para desnutrição grave e vacinas essenciais.

Kuermendoke é um dos três campos que registam elevadas percentagens de crianças com menos de cinco anos a sofrerem de desnutrição aguda grave. “A nossa pesquisa nutricional demonstrou que a prevalência de desnutrição aguda grave nos campos está muito acima do limiar de emergência firmado em dois por cento pela Organização Mundial de Saúde”, frisa o líder da equipa médica da MSF para a resposta de emergência às cheias, Reza Eshaghian.

O impacto das cheias é palpável, acrescenta: “Quando andamos pelos campos, vemos crianças desnutridas, pessoas a recolherem água suja das cheias para beber, gado a morrer e as carcaças dos animais por todo o lado. Condições precárias como estas são danosas para a saúde das pessoas.”

Estudos iniciais da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês desta agência das Nações Unidas) sugerem que cerca de 65 000 hectares de terras de cultivo foram danificados pelas cheias e que mais de 800 000 cabeças de gado morreram em oito dos dez estados do Sudão do Sul. Tendo perdido tão grande parte dos animais, muitas das mulheres deslocadas estão a recorrer à recolha de lenha para conseguirem algum rendimento. Mas o aumento nos preços das mercadorias alimentares estão a fazer com que seja mais difícil para as pessoas deslocadas obterem comida.

Dado o incremento em 80 por cento nas admissões no Centro de Internamento de Alimentação Terapêutica, a MSF abriu uma terceira ala deste tipo no hospital que gere no campo de deslocados internos de Bentiu (antes, um local de Proteção de Civis e o maior campo para pessoas deslocadas internamente devido às recentes guerras civis no Sudão do Sul). As equipas da MSF estão também a operar clínicas móveis que visitam os campos na região de Mayom e arredores e em Bentiu e Rubkona, dando resposta a casos de malária, desnutrição e diarreias aquosas agudas.

Para a maioria das pessoas deslocadas, tornou-se quase impossível encontrar água potável segura. “A única água que temos disponível para beber, cozinhar e lavar é água das cheias”, diz Nyapa, mãe de quatro crianças.

Antes de as cheias assolarem as áreas em volta de Bentiu, as estruturas de saneamento no campo de pessoas deslocadas estavam já em estado crítico e raramente lhes era feita manutenção. “Durante algum tempo, as cheias fizeram com  que fosse impossível aceder às zonas de tratamento de resíduos. E isto resultou na acumulação de resíduos nas latrinas do campo, que depois transbordaram para os canais de esgoto a céu aberto, onde as crianças brincam frequentemente”, descreve a líder da equipa de água e saneamento da MSF para a resposta de emergência às cheias, Cawo Yassin Ali. Para reduzir os riscos de surtos, a MSF montou uma estação de tratamento de esgotos dentro do campo para conter e tratar os resíduos fecais.

Com os níveis das águas a começarem agora a retroceder em volta de Bentiu, ainda não está claro porém se Nyabeel, Nyapal e milhares de outras pessoas deslocadas vão poder regressar a casa. “Não temos nada aqui, viemos de mãos vazias, a aldeia está coberta de água e não sabemos quando irá secar”, avança Nyabeel.

Até que as pessoas possam voltar às suas casas, ver-se-ão forçadas a continuar a viver nestas condições precárias. Isto coloca um desafio adicional às entidades humanitárias, uma vez que requer que se continue a dar resposta às necessidades imediatas e, simultaneamente, se reconheça a natureza prolongada desta crise e se atenda aos padrões correspondentes, que vão além dos limites iniciais de emergência.

“As necessidades existentes são imensas, incluindo a necessidade de abrigos adequados, água limpa e infraestruturas de saneamento, cuidados de saúde de qualidade, segurança alimentar e apoio aos meios de sustento. As entidades humanitárias, doadores e o Governo do Sudão do Sul têm de agir já, antes que seja tarde demais. Não podem dar-se ao luxo de esperar mais”, insta o médico Reza Eshaghian.

*nome alterado para proteção de identidade

A MSF trabalha no Sudão do Sul desde 1983, tendo atualmente a funcionar 14 projetos em todo o país, providenciando serviços médicos que salvam vidas a comunidades que mais deles precisam. As equipas da MSF trabalham em hospitais e clínicas, levando a cabo neste país alguns dos maiores programas da organização no mundo. A MSF presta no Sudão do Sul cuidados de saúde básicos e especializados e dá resposta a emergências e surtos que afetam comunidades isoladas, pessoas deslocadas internamente e refugiados oriundos do Sudão. As equipas continuam também preparadas para a pandemia da COVID-19 e trabalham em colaboração com o Ministério da Saúde.

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