Cheias no Rio Grande do Sul: MSF trabalha em abrigos com vítimas em situação de vulnerabilidade

Os efeitos devastadores das chuvas e das cheias que atingiram o Sul do Brasil transformaram o fenómeno na maior catástrofe socioambiental já ocorrida no país

MSF fornece cuidados médicos às vítimas das cheias no Rio Grande do Sul, Brasil.
©️ Diego Baravelli/MSF, 2024

O pequeno Joaquim corre inquieto entre os brinquedos espalhados pela sala de aula. Para chamar a atenção dele, a avó, Nair, pergunta: “És Grêmio ou Inter?”. “Guêmio!”, ele responde timidamente, mas já a cantar o hino do time de futebol.

Apesar das brincadeiras, dos cartazes coloridos nas paredes e dos carrinhos no chão, não é um dia de aula e o menino não é aluno da escola. As mesas desta escola, localizada na cidade de Canoas, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, foram empilhadas para abrir espaço para fileiras de colchões, que transformaram as salas de aula em quartos. As famílias substituíram os estudantes. São inúmeras, acolhidas em espaços improvisados devido às chuvas extremas que provocaram cheias em diversas cidades e desabrigaram centenas de milhares de pessoas.

 

Cerca de 400 pessoas estão abrigadas na Escola Municipal Paulo Freire, em Canoas, devido às cheias no Rio Grande do Sul.
Cerca de 400 pessoas estão abrigadas na Escola Municipal Paulo Freire, em Canoas, devido às cheias no Rio Grande do Sul. ©️ Diego Baravelli/MSF

 

Os efeitos devastadores das chuvas e das cheias que atingiram o Rio Grande do Sul a partir do final de abril transformaram o fenómeno na maior catástrofe socioambiental já ocorrida no Brasil. No final de maio, o número de mortos chegava a 169, com mais de 50 pessoas ainda desaparecidas. Mais de 600 mil foram desalojadas pelas cheias e 50 mil viram-se obrigadas a recorrer a abrigos improvisados.

As chuvas extremas e as cheias que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, isolaram e forçaram a evacuação de cidades inteiras.
As chuvas extremas e as cheias que atingiram o estado do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, isolaram e forçaram a evacuação de cidades inteiras. ©️ Marine Henrio/MSF, 2024

 

“Não fazíamos ideia da dimensão que esta tragédia teria. De repente, ficou tudo escuro, as luzes apagaram-se, e deu para perceber que não era uma cheia como as outras. Foi quando começámos a receber mensagens no telemóvel, avisando que tínhamos de fugir porque tudo ia ficar inundado”, recorda Ana Célia Alves, que foi resgatada com a gata, Aruna, por um vizinho num barco a remo.

Ana e o vizinho estão entre as cerca de 400 pessoas abrigadas na Escola Municipal Paulo Freire. O local vem recebendo pessoas de vários bairros da cidade de Canoas. Esta é a terceira cidade mais populosa do estado, com 350 mil habitantes, e 180 mil deles tiveram que deixar suas casas.

 

Começámos a receber mensagens no telemóvel, avisando-nos de que tínhamos de fugir porque tudo ia ficar inundado

 

Uma equipa da Médicos Sem Fronteiras (MSF), com profissionais médicos, de enfermagem, psicologia e de promoção de saúde, está a fornecer assistência médica e de saúde mental às pessoas no abrigo.

“Estamos a trabalhar para chegar às pessoas em situação de maior vulnerabilidade e aos sítios onde não há equipas de saúde disponíveis”, explica a coordenadora do projeto da MSF no Rio Grande do Sul, Alessandra Luz. “Sabemos que em emergências há diversas necessidades de cuidados de saúde que mudam rapidamente. Nestes contextos, é muito importante que consigamos entender onde podemos ser mais relevantes sem duplicar os esforços”, acrescenta. Alessandra ressalva a importância de coordenar o trabalho da MSF com as autoridades municipais, estaduais e federais.

A MSF está a trabalhar num abrigo na cidade de Canoas, com vítimas das cheias no Sul do Brasil.
A MSF está a trabalhar num abrigo na cidade de Canoas, com vítimas das cheias no Sul do Brasil. ©️ Diego Baravelli/MSF, 2024

 

Para uma das médicas da equipa da MSF no abrigo, Mônica Carvalho, uma parte importante do trabalho é o acompanhamento de pacientes com doenças crónicas, já que muitos interromperam o tratamento ou ficaram sem os medicamentos, perdidos nas chuvas. “A população abrigada é muito diversa, mas chama a atenção o grande número de idosos que faz uso de medicamentos controlados”, relata Mônica. “Outra prioridade tem sido a partilha de informação sobre os sintomas da leptospirose e a prevenção de doenças respiratórias, que podem tornar-se mais graves com a chegada do clima frio”, sublinha.

Pelo menos cinco pessoas morreram e mais de 120 foram infetadas com leptospirose, que é transmitida através da água contaminada. A doença pode ser letal se não for tratada rapidamente.

 

Estamos a trabalhar para chegar às pessoas em situação de maior vulnerabilidade e aos sítios onde não há equipas de saúde disponíveis”

 

 

Maria do Carmo de Andrade, 78 anos, conversa com uma profissional da Médicos Sem Fronteiras. Uma equipa da MSF está a fornecer assistência médica e de saúde mental às pessoas num abrigo da cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul.
Maria do Carmo de Andrade, 78 anos, conversa com uma profissional da Médicos Sem Fronteiras. Uma equipa da MSF está a fornecer assistência médica e de saúde mental às pessoas num abrigo da cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul. ©️ Diego Baravelli/MSF

 

Maria do Carmo de Andrade, 78 anos, e o filho, Alexsandro de Andrade, também foram atendidos pela equipa da MSF. Ele tem pneumonia, que piorou por causa do frio. Os dois foram resgatados depois de esperar por mais de dois dias na janela do segundo andar de casa. “Meu filho diz: ‘Mãe, cai na real. Perdemos tudo’. Mas sou muito forte. Tento descontrair-me um pouco, fazendo anedotas com ele. A verdade é que, e eu digo-o, vamos ter de nos reerguer novamente”, relata.

 

Sou muito forte. Tento descontrair-me um pouco, fazendo anedotas com ele. A verdade é que, e eu digo-o, vamos ter de nos reerguer novamente”

 

 

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