Ciclone Chido: vozes de Moçambique

Encurralados entre conflitos e desastres naturais, as pessoas em Cabo Delgado lutam para recomeçar após a passagem da tempestade

A Médicos Sem Fronteiras está a prestar apoio psicológico aos sobreviventes da passagem do ciclone Chidoc parte da resposta de emergência no distrito de Mecúfi, em Cabo Delgado, Moçambique.
©️ Costantino Monteiro/MSF

A passagem do ciclone Chido em meados de dezembro de 2024 causou estragos em diversas áreas do Norte de Moçambique, resultando em cerca de 120 mortes e afetando mais de 687 000 pessoas. A tempestade trouxe outra camada de complexidade à população de Cabo Delgado, uma província já devastada por anos de conflito.

Como parte da resposta de emergência no distrito de Mecúfi, em Cabo Delgado, a Médicos Sem Fronteiras está a prestar apoio psicológico aos sobreviventes para lidarem com a angústia, e também aos profissionais de saúde que estão sobrecarregados.

Estas são as histórias de algumas das pessoas que sobreviveram ao ciclone Chido e de membros da nossa equipa.

 

Abudo Chuabo, morador de Mecúfi

 

Qualquer rajada de vento aterroriza-me. Temos medo de que isso aconteça novamente.”

 

Abudo Chuabo e a família sobreviveram à passagem do ciclone e agora vivem num abrigo improvisado.
Abudo Chuabo e a família sobreviveram à passagem do ciclone e agora vivem num abrigo improvisado. ©️ Costantino Monteiro/MSF

 

“Na maior parte do tempo, sinto-me triste. Não saber o que comer e viver com a incerteza do amanhã deixa-me impotente. Tenho pesadelos todas as noites, e qualquer rajada de vento aterroriza-me porque temo que outro ciclone possa acontecer novamente. Depois de perder a nossa casa, fiquei abrigado na escola com a minha família. Agora vivemos em um abrigo improvisado de palha e paus.

Nunca imaginei passar por algo assim. Ver que a maioria das pessoas aqui perdeu tudo deixa-me desconfortável. Estamos a enfrentar muita fome. Dormir neste abrigo é uma provação. Tento sorrir, mas as lágrimas rapidamente aparecem porque não sei por onde começar a reconstruir minha vida.

A minha esposa tem sido a minha fonte de conforto. Todas as manhãs, ela diz que é apenas uma questão de tempo para recuperarmos as coisas que o ciclone tirou de nós. Eu gostaria que as coisas fossem tão fáceis quanto ela diz, mas saber que não é tão simples deixa-me triste e deprimido.”

 

Jorge, morador de Mecúfi

 

 Quando olho para os meus filhos, não tenho escolha a não ser seguir em frente.”

 

Jorge teve a casa destruída pelo ciclone Chido.
Jorge teve a casa destruída pelo ciclone Chido. ©️ Costantino Monteiro/MSF

 

“Perdi a minha casa e todos os meus pertences. A minha família e eu dormimos ao relento. Tenho dores de cabeça constantes e penso todos os dias na incerteza do amanhã. As plantações da minha machamba [campo agricola] também foram destruídas, e a fome instalou-se na minha casa. Isso é muito frustrante. Quando a tempestade chegou, eu e a minha família estávamos em casa, mas, à medida que os ventos ficaram mais fortes, decidimos buscar abrigo em uma escola.

Pensámos que estaríamos seguros, mas o vento arrancou toda a estrutura do telhado da escola. Na sala onde estávamos, havia cerca de 10 famílias, e outras estavam outras salas de aula. Ficámos todos sem direção quando o telhado da escola se foi. Não sabíamos mais o que fazer, estávamos em desespero.

Tive de pedir abrigo na casa de um vizinho que não foi destruída. No dia seguinte, tivemos de voltar ao que restava da nossa casa, e o choque foi profundo. Ver anos de sacrifício reduzidos em escombros foi um golpe duro para mim. Tento encontrar forças para seguir em frente, mas a tristeza às vezes deixa-me sem energia para continuar. Quando olho para os meus filhos, não tenho escolha a não ser seguir em frente e encontrar estratégias, pelo menos para que não morramos de fome.”

 

Basílio Jamal, conselheiro de saúde mental da MSF

 

As pessoas estão a buscar forças para lidar com a situação.”

 

Basílio Jamal, conselheiro de saúde mental da MSF conversa com pessoas que sobreviveram ao ciclone Chido.
Basílio Jamal, conselheiro de saúde mental da MSF, conversa com pessoas que sobreviveram ao ciclone Chido. ©️ Costantino Monteiro/MSF

 

“Muitas pessoas nas comunidades estão traumatizadas pela tragédia e buscam forças para lidar com a situação. Algumas têm pesadelos, enquanto outras relatam dificuldades para comer ou dormir. Algumas pessoas dizem que, sempre que tentam dormir, as memórias do momento da destruição voltam à mente.

Para aqueles que perderam familiares, o trabalho de reconstruir as suas vidas é ainda mais desafiador. Com o apoio das sessões de saúde mental, as pessoas recebem ferramentas para enfrentar essa dura realidade.”

 

 Beatriz Cardoso, promotora de saúde mental

 

As pessoas perderam tudo.”

 

Beatriz Cardoso é promotora de saúde mental da MSF e tem prestado apoio emocional para as pessoas afetadas pelo ciclone Chido.
Beatriz Cardoso é promotora de saúde mental da MSF e tem prestado apoio emocional para as pessoas afetadas pelo ciclone Chido. ©️ Costantino Monteiro/MSF

 

“O ciclone trouxe desafios profundos para todos. O atendimento em saúde mental precisa ser disponibilizado imediatamente para questões específicas e urgentes. Como promotores de saúde mental, fornecer esse suporte faz parte da nossa resposta para prestar ajuda emocional e prática. As pessoas perderam tudo. Algumas lidam com essa dura realidade com mais facilidade do que outras. Tentamos entender as circunstâncias de cada pessoa para abordar as necessidades de saúde mental individualmente.”

 

Leia também: MSF lança resposta de emergência aos impactos do ciclone Chido

Veja no vídeo: 40 anos de trabalho médico e humanitário da MSF em Moçambique

 

Apoio no reparo de estruturas de saúde

Para além das atividades de saúde mental, a MSF está a apoiar a reabilitação do centro de saúde de Mecufi. A organização está a doar kits de emergência, a instalar sistemas de água potável e a realizar reparos elétricos para restaurar serviços essenciais, como a maternidade e a sala de partos, que são fundamentais, caso contrário, os pacientes precisariam ser encaminhados para estruturas de saúde distantes.

Entre 30 de dezembro a 5 de janeiro, foram realizadas 845 consultas ambulatórias – 145 pacientes foram tratados para diarreia aquosa aguda e 68 para malária, ambas doenças comuns após desastres climáticos devido à proliferação de mosquitos em águas estagnadas e à falta de acesso a água potável.

As nossas equipas estão também a realizar atividades de sensibilização para a prevenção destas doenças, em que participaram 367 pessoas. Também começámos a apoiar outro centro de saúde, na localidade de Nanlia, no distrito de Metuge, uma área que também foi fortemente afetada pelo ciclone.

 

A MSF trabalha em Cabo Delgado desde 2019, ajudando pessoas afetadas pelo conflito através de serviços comunitários e apoio a unidades de saúde. Atualmente, trabalhamos nos distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Mueda, Muidumbe e Nangade.

 

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