Enfermeira brasileira participa de projeto na Somália

Em seu segundo trabalho com Médicos Sem Fronteiras, a baiana Gilmara Nascimento atuará em Huddur

Dezesseis anos sem um governo central e freqüentes conflitos fizeram da Somália um país devastado, com centenas de milhares de deslocados internos. Como se já não bastasse a onda de violência, enchentes e secas agravam o sofrimento de uma população em que uma em cada quatro pessoas morre antes de completar cinco anos. A desnutrição é crônica e em vários locais superior ao nível que determina a necessidade de uma intervenção de emergência em outros países. A infecção por tuberculose está desenfreada. Doenças raras, mas fatais, como calazar são endêmicas em algumas áreas.

É neste complexo contexto que a baiana Gilmara Nascimento trabalha desde janeiro deste ano. Em seu segundo projeto com a organização, a enfermeira atuará no hospital da cidade de Huddur. Seu trabalho poderá ser acompanhado através do Diário de Bordo que estréia hoje. Em entrevista, ela fala sobre sua experiência com MSF.

Este é seu segundo projeto com Médicos Sem Fronteiras. Como foi sua primeira missão?
Parti para minha primeira missão 2005, rumo a Vardenis, na Armênia, e fiquei lá um ano. Foi muito interessante organizar oficinas e sessões informativas sobre direito à saúde e desenvolver este trabalho junto às comunidades rurais vulneráveis. A passividade da população me chamou a atenção, mas os primeiros sinais de indignação e da percepção de que era possível lutar por direitos eram como as primeiras flores da primavera.

O que mais te marcou durante essa experiência na Armênia?
O que mais me marcou foi a dificuldade burocrática e cultural para desenvolver a saúde reprodutiva. A Medicina baseada em evidências ainda não é a base das práticas por lá. Apesar de o povo ter um alto grau de instrução, muita gente freqüenta a universidade, alguns aspectos são difíceis de se fazerem entendidos. A tradição é muito forte, mas nem sempre de maneira positiva. Há muito investimento, mas os resultados são limitados.

Quando decidiu partir para a nova missão?
Estava trabalhando para uma ONG voltada para a saúde indígena Yanomami, um povo fantástico, quando recebi o convite da missão de Médicos Sem Fronteiras para ir para Darfur, no norte do Sudão. Decisão difícil, mas o perfil de posto era muito interessante. Mas acabou que não pude ir por vários motivos e MSF me ofereceu a mesma vaga para a Somália.

Como se prepara para uma missão?
Como o que não vou comer, bebo o que não vou beber, danço muito. Durmo na cama dos meus pais, para me dar uma overdose de familiaridade. Depois tem toda a parte burocrática e administrativa da vida, banco, plano de saúde, seguros, previdências. Chato, mas necessário. Por fim, um bom check up na saúde.

Como é a rotina de um profissional de enfermagem em Médicos Sem Fronteiras?
Poderia definir em duas palavras: autonomia e dinamismo. Há muito o que se fazer, MSF tem muitas ferramentas de trabalho, mas você precisa encontrar o caminho para implementá-las com qualidade. Reuniões, treinamentos, parte importantíssima, somos geralmente responsáveis por preparar e ministrar treinamentos, assistência direta, negociações. A rotina está bem relacionada com o perfil de posto e o projeto. Noites agradáveis com os colegas. Momentos de solidão. Muito parecido com o trabalho em áreas remotas no Brasil.

Ser brasileira facilita seu trabalho no exterior?
De alguma forma, sim. Novela e futebol estão espalhados mundo afora. Ajuda na convivência com muitas culturas. Também as burocracias de visto não são tão complicadas.

O que leva para a missão para matar a saudade do Brasil?
Fotos da família, cartas antigas, uma pequena estátua de uma sapinha vestida de enfermeira que minha irmã me deu e, quando posso, farinha. Na África eu sempre arranjo um jeito de fazer moqueca de peixe e vatapá.

O que pretende contar em seu diário de bordo?
Um tanto sobre o projeto, outro tanto sobre a região, sobre o meu trabalho e eu no meio de tudo isso.

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