Entrega e expansão das atividades da MSF em Cabo Delgado: flexibilidade e capacidade de resposta num conflito em curso

Leia a entrevista com Irene Huertas, coordenadora de projeto de emergência da MSF em Cabo Delgado, Moçambique

© MSF/Amanda Bergman

Irene Huertas, coordenadora de projeto de emergência da MSF em Cabo Delgado, Moçambique, fala sobre as realizações do projeto em Metuge e sua entrega bem sucedida ao Ministério da Saúde de Moçambique, bem como sobre a estratégia da MSF de expandir as atividades em Macomia, a fim de responder de forma eficaz às necessidades médico-humanitárias urgentes na província.

 

Porque a MSF iniciou o projeto em Metuge?

O conflito aqui em Cabo Delgado desencadeou uma grande crise humanitária. De acordo com a Organização Internacional para Migrações (OIM), cerca de 800 000 pessoas foram deslocadas nesta crise e Metuge é um dos distritos que acolhe a maior parte delas[1]. Quando as equipas da MSF foram evacuadas de Macomia em março de 2020 devido à insegurança, a MSF começou a realizar algumas atividades de água e saneamento em Pemba.  Pouco tempo depois, houve um fluxo maciço de pessoas deslocadas pelo conflito e que chegaram a Pemba e Metuge em condições muito precárias. A MSF sentiu que precisava apoiar essas pessoas de alguma forma, especialmente devido à aproximação da estação das chuvas, quando doenças endémicas como a cólera podiam aparecer.

Encontrámos uma população vítima do conflito, que testemunhou muita violência e viu as casas destruídas. Muitas pessoas foram separadas das famílias e as comunidades não tinham acesso a cuidados de saúde primários e a água potável segura, entre outras necessidades. Em setembro de 2021, demos início às atividades de água e saneamento em Metuge e realizamos clínicas móveis para ajudar os recém-chegados.

Até hoje, Metuge continua a ser o distrito com a maior população deslocada de toda a província, com excepção de Pemba. Para o colocar em perspectiva, também de acordo com a OIM, mais de 120 000 pessoas deslocadas chegaram ao distrito, que tinha uma população antes da crise de apenas 70 000 pessoas[2].

O que a MSF conseguiu alcançar para as comunidades em Metuge?

Eu diria que o nosso maior sucesso foi responder rapidamente a esta crise humanitária, facilitando o acesso aos cuidados de saúde primários para as pessoas deslocadas devido ao conflito. Realizámos clínicas móveis e fixas nos principais campos de deslocados e providenciámos acesso a água potável e saneamento.

A MSF apoiou adultos e crianças, mulheres através de consultas pré-natais e de planeamento familiar, bem como cuidados de saúde mental, um componente muito importante tendo em conta o trauma que as pessoas tinham sofrido. Tentámos melhorar, tanto quanto possível, o sistema de encaminhamento e fizemos enormes esforços para fornecer água segura através de perfurações, a reabilitação de poços e a extensão das redes de água já existentes. Também melhorámos as instalações de saúde e trabalhámos em estreita colaboração com outras organizações que mais tarde chegaram ao distrito. Isto foi essencial para garantir a sustentabilidade para estas comunidades.

Desde janeiro de 2021, atendemos mais de 100 000 pacientes, dos quais mais de 20 000 foram confirmados para a malária, quase 30 000 tinham doenças respiratórias e cerca de 10 000 tinham diarreia. Apoiámos também mais de 5 000 mulheres com consultas de saúde sexual e reprodutiva, planeamento familiar e cuidados pré-natais. No mesmo período, os nossos psicólogos realizaram 1 000 sessões de saúde mental com pessoas que foram forçadas a abandonar as suas casas, tiveram as suas propriedades destruídas e foram separadas de membros da família. A ansiedade foi o principal sintoma relatado pelas nossas equipas de saúde mental. Agora, à medida que encerramos o projeto, estamos a doar medicamentos, bem como uma ambulância.

Porque a MSF está agora a entregar as suas atividades em Metuge?

No final de 2021, Metuge começou a receber mais apoio de outras organizações. Estavam presentes pelo menos seis organizações relacionadas com a saúde, algumas das quais se concentraram em projetos de desenvolvimento. Por isso, a MSF permaneceu lá até ao final de março a fim de preparar centros de saúde para possíveis surtos de diarreia, que é endémica na região, e está agora a entregar as suas atividades ao Ministério da Saúde de Moçambique. Isto permitirá a sustentabilidade e a continuidade dos serviços às comunidades de deslocados em Metuge.

Agora vamos utilizar os nossos recursos onde as necessidades são mais elevadas. Em particular, estamos no processo de expansão urgente das nossas atividades em Macomia, onde as pessoas não têm acesso a cuidados médicos ou a água potável segura.

Porque Macomia?

A MSF está presente em Macomia desde que o ciclone Kenneth atingiu a área em março de 2019. Infelizmente, no final de março de 2020, as equipas da MSF foram evacuadas devido a um ataque iminente, que de facto ocorreu no final de maio do mesmo ano. Desde então, a MSF tem vindo a trabalhar “dentro e fora” de Macomia, com visitas curtas para apoiar os trabalhadores contratados localmente, que continuam a prestar cuidados de saúde à população, apesar da insegurança.

Embora Macomia tenha sido e continue a ser um dos distritos mais atingidos pelo conflito em Cabo Delgado, na cidade de Macomia ainda vivem muitas pessoas que não fugiram. Muitos deslocados de aldeias afetadas também chegaram à região em busca de refúgio. Em Macomia há uma grave falta de acesso humanitário devido à insegurança, o que significa que milhares de pessoas têm estado escondidas no mato ou reunidas em povoações informais, sozinhas e sem serviços de saúde, água potável e outras necessidades básicas de vida disponíveis. Em outras palavras, o nível de assistência humanitária que chega à população no distrito de Macomia não corresponde de todo às necessidades básicas da população.

Hoje, a segurança na cidade de Macomia melhorou o suficiente para permitir que a equipa completa da MSF regresse. Estamos a expandir as atividades. A nossa estratégia agora é aumentar os serviços que estamos a prestar, concentrando-nos em duas instalações de saúde, atividades de água e saneamento, bem como uma clínica móvel que possa chegar às pessoas mais vulneráveis. Isto é necessário não só para evitar um desastre humanitário, mas também para levar humanidade e esperança a milhares de pessoas que lutam para sobreviver em meio a uma crise esquecida.

 

A MSF trabalha em Moçambique desde 1984. Ao longo de mais de 30 anos, as equipas MSF têm dado resposta a emergências médicas e humanitárias em todo o país, incluindo a TB/VIH, desnutrição, malária, cólera, desastres naturais, COVID-19 e pessoas deslocadas das suas casas por conflito. Na província de Cabo Delgado, as equipas MSF também realizam projetos em Metuge, Macomia e Palma, dando resposta a emergências e ajudando a colmatar lacunas existentes nos cuidados de saúde, tanto para a população anfitriã como para o cada vez maior número de pessoas deslocadas, trabalhando frequentemente junto com as autoridades de saúde e outras entidades parceiras.

 

[1] Displacement Tracking Matrix, IOM

[2] Northern Mozambique Crisis – Baseline Assessment District Profile Round 12 (April 2021)

 

 

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