Família em primeiro lugar: soluções sustentáveis para crianças e adolescentes expostas à TB-DR

MSF faz um apelo pelo aumento do acesso a modelos de tratamento eficazes contra a TB-DR para crianças e adolescentes

Família em primeiro lugar: soluções sustentáveis para crianças e adolescentes expostas à TB-DR

Eles caminharam em fila única pelos becos estreitos que saíam de seu barracão de chapas na Cidade do Cabo em direção ao centro de saúde. Keitu – de apenas 11 anos – carregava seu irmãozinho nas costas, já que sua mãe estava muito frágil e mal conseguia se virar sozinha. Keitu também ficou de olho em seus outros dois irmãos mais novos. Eles estavam se comportando mal desde que seu pai morreu de tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR) há alguns meses, e estavam mal-humorados por não terem comido nada além de mingau nos últimos três dias.

A enfermeira que trabalhava no centro de saúde implorou para que eles entrassem. A mãe de Keitu também tinha sido diagnosticada com TB-DR e, como a família respirava o mesmo ar em sua casa que tinha apenas um cômodo, havia uma chance de que as crianças também tivessem infectadas. Os meninos – de quatro e seis anos – e o bebê eram pequenos demais para entender, mas Keitu sabia o suficiente para ter medo. Ela tinha visto seu pai perdendo as forças durante sete meses, embora ele tenha tomado todos os medicamentos antes de morrer. Sua pele tinha ficado laranja; no final, ele estava fraco demais para responder às suas canções bobas ou sussurros de “eu te amo” enquanto se esforçava para respirar em cima de seu fino colchão. Keitu cantava baixinho para as crianças durante sua difícil caminhada: “Sejam corajosos, sejam corajosos, sejam corajosos.”

Keitu estava certa em ter medo. Meio milhão de pessoas adoecem com TB-DR a cada ano e a doença costuma ser prejudicial para as famílias. A TB-DR não é apenas potencialmente fatal, mas as famílias muitas vezes precisam arcar com custos catastróficos quando um membro adoece. Infelizmente, a abordagem global atual da TB-DR faz muito pouco para lidar com a doença de uma forma adequada para a família. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomende que todos os contatos domiciliares de pessoas que vivem com TB-DR sejam avaliados o mais rápido possível depois que alguém da família é diagnosticado com a doença, programas com poucos recursos não têm muito o que fazer além de listas de contatos que possam ter sido expostos.

Métodos desatualizados e ineficazes de triagem para TB-DR significam que muitas pessoas que estão doentes simplesmente são ignoradas. Este problema é especialmente significativo para as crianças, uma vez que muitas não conseguem produzir a expectoração necessária para diagnosticar a TB-DR. Em vez disso, as crianças são submetidas a lavagem gástrica, um procedimento intrusivo e doloroso, em que um longo tubo é colocado no nariz da criança até o estômago para tentar sugar qualquer escarro que ela possa ter engolido, para confirmar se ela tem tuberculose.

No mundo todo, poucos contatos domiciliares têm acesso a tratamentos preventivos após a exposição, embora isso seja recomendado pela OMS e reduza o risco de desenvolver TB-DR em 90 por cento. Se uma criança doente é encontrada, geralmente ela é retirada de sua família e mantida em um hospital por meses para receber tratamento, rompendo os laços familiares e as atividades escolares e sociais comuns.

Em muitos lugares, as crianças não conseguem obter os medicamentos mais eficazes, incluindo medicamentos mais novos como bedaquilina e delamanida, porque eles não foram incluídos nos estudos desses tratamentos vitais. Em vez disso, elas recebem medicamentos antigos, muitas vezes nocivos, que vêm como comprimidos para adultos que devem ser cortados, triturados e misturados antes de serem dados às crianças. Nos piores casos, as crianças ainda são tratadas com uma injeção diária, embora existam opções orais mais eficazes. Essas injeções não são apenas extremamente dolorosas, mas também colocam sua audição em risco, uma complicação devastadora para uma criança em desenvolvimento.

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está lidando com essas questões familiares em nossos projetos na África do Sul e na Índia. Por meio de nossos “protocolos de pós-exposição”, estamos procurando ativamente pessoas que podem ter contraído TB-DR e fazendo a triagem de todas as crianças e adolescentes de uma casa onde alguém foi diagnosticado recentemente. Estamos testando o uso de amostras de fezes, em vez de lavagem gástrica, para testar se as crianças têm TB tanto em hospitais quanto na comunidade. MSF sempre oferece tratamento gratuito e responde às necessidades socioeconômicas das famílias que atendemos por meio de transporte e cestas básicas, além de trabalhar com organizações parceiras para atender a outras necessidades sociais.

Em um projeto na África do Sul, MSF está dando a crianças e adolescentes, que foram expostos à TB-DR, mas ainda não estão doentes, tratamentos preventivos para diminuir drasticamente suas chances de desenvolver TB-DR. Ao procurar ativamente pela doença em crianças expostas, estamos encontrando aquelas que são infectadas muito mais cedo, o que nos permite tratar a maioria delas em um ambiente comunitário.

Na África do Sul, todas as crianças recebem tratamentos sem injeção e, tanto lá como na Índia, MSF introduziu formulações adequadas para crianças de alguns dos medicamentos mais usados. Também garantimos que as crianças nos locais onde trabalhamos tenham acesso a novos medicamentos para tuberculose altamente eficazes, incluindo bedaquilina e delamanida, e que possam ser tratadas com regimes mais curtos. Também fornecemos apoio nutricional e desenvolvemos programas de aconselhamento familiar para garantir que seu bem-estar mental seja mantido durante o tratamento.

Felizmente, para Keitu, uma abordagem centrada na família foi oferecida a eles na clínica. Ela e seus irmãos estavam bem e começaram a terapia preventiva. Seu irmão de quatro anos estava perdendo peso e sua radiografia de tórax não estava normal. Ele iniciou o tratamento para TB-DR depois que uma amostra de fezes foi coletada e a doença foi confirmada. Ele conseguiu um tratamento totalmente oral com comprimidos dispersíveis, que sua mãe lhe dava todos os dias com iogurte. Apesar dos desafios, a família começou a se curar e a esperança voltou para casa.

Embora o trabalho de MSF tenha beneficiado centenas de crianças e famílias, dezenas de milhares ainda precisam dessas abordagens inovadoras. Keitu e sua família enfrentaram uma jornada desafiadora, assim como milhares de famílias que lutam contra a TB-DR todos os dias. O compromisso das partes interessadas e recursos muito maiores são extremamente necessários para aumentar rapidamente o alcance dessas iniciativas adequadas às crianças. Essa é a única maneira de garantir que famílias, como a de Keitu, enfrentem um futuro menos assustador quando um deles adoecer com TB-DR.

 

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