Grávidas e crianças estão a morrer em números aterradores no Darfur Sul

Novo relatório da Médicos Sem Fronteiras documenta números chocantes de mortes maternas e de recém-nascidos em circunstâncias evitáveis e condições de saúde tratáveis

Anhar Hassan Mohammed Omar, 29 years old, lives in the Jir South neighborhood of Nyala. She faced many challenges, including not having enough money to reach the hospital. She worked 16-hour shifts continuously to cover the costs of treatment and nutrition from the beginning of her pregnancy until her ninth month. She arrived at Nyala Teaching Hospital, underwent a C-section, and received all the necessary medical services. She mentioned that many pregnant women in this critical period lack proper healthcare and expressed her deep gratitude to all the staff.
© Abdoalsalam Abdallah/MSF

Uma das maiores emergências mundiais de saúde materna e infantil está a ocorrer em Darfur Sul, no Sudão, alerta a Médicos Sem Fronteiras (MSF) em novo relatório. As mulheres durante a gravidez, no parto e no pós-parto, assim como os bebés, estão a morrer devido a condições que são evitáveis, com as necessidades de cuidados de saúde a excederem em muito aquilo a que a organização médica-humanitária pode dar resposta.

Este relatório – intitulado “Driven into oblivion: The toll of conflict and neglect on the health of mothers and children in South Darfur” (Remetidas ao esquecimento: os custos do conflito e da negligência na saúde de mães e crianças no Darfur Sul) – revela que o número de casos de morte materna em apenas dois hospitais onde a MSF presta apoio no Darfur Sul, entre janeiro e agosto deste ano, ultrapassaram em mais de 7 por cento o número total de mortes maternas em todas as instalações da organização no mundo inteiro em 2023. Um rastreio de desnutrição nas crianças também mostrou taxas muito superiores aos limiares de emergência.

Para resolver estas crises, as Nações Unidas têm de agir de forma decisiva para evitar a perda de mais vidas no Darfur. A ONU tem de acelerar o regresso dos trabalhadores e das agências a esta região do Sudão, e usar todos os recursos que lhe estão disponíveis e influência política para garantir que a ajuda chega a quem dela necessita. Só uma resposta internacional coordenada, apoiada por um financiamento robusto e uma pressão inflexível sobre as partes envolvidas no conflito, pode evitar a fome em larga escala e aliviar o sofrimento de milhões de pessoas.

“Esta crise é algo que jamais tinha visto na minha carreira”, avança a médica Gillian Burkhardt, responsável pelas atividades da MSF de saúde sexual e reprodutiva, em Nyala, no Darfur Sul. “Há múltiplas emergências de saúde a acontecer em simultâneo, com quase nenhuma resposta internacional por parte da ONU e de outras entidades. Recém-nascidos, grávidas e novas mães estão a morrer em números que são chocantes. São tantas as mortes que se devem a condições preveníveis, mas tudo ruiu”, explica.

Desde janeiro e até agosto de 2024, houve 46 mortes maternas no Hospital Universitário de Nyala e no Hospital Rural de Kas, onde equipas da MSF prestam cuidados obstétricos e outros serviços. A escassez de instalações de saúde funcionais e os custos incomportáveis dos transportes traduzem-se em que muitas mulheres chegam aos hospitais já em estado crítico. Cerca de 78 por cento destas 46 mortes ocorreram nas primeiras 24 horas após o internamento.

A sépsis foi a causa mais comum de morte materna em todas as estruturas de saúde apoiadas pela MSF no Darfur Sul. A falta de instalações funcionais obriga as mulheres a terem os partos em ambientes insalubres onde não há sequer o mais básico como sabão, resguardos para camas de parto limpos e instrumentos esterilizados. Sem estes materiais essenciais, as mulheres apanham infeções. E com a insuficiência de antibióticos, as gestantes podem chegar a um hospital e não encontrar nenhuma opção de tratamento disponível.

“Uma paciente grávida, vinda de uma zona rural, passou dois dias a tentar obter o dinheiro preciso para os cuidados médicos”, conta a responsável médica da MSF no Darfur Sul, Maria Fix. “Quando finalmente foi a um centro de saúde, não tinham lá nenhum medicamento para lhe dar, por isso voltou para casa. Passados três dias, o estado dela deteriorou-se, mas, de novo, teve de esperar – foram cinco horas até conseguir um transporte. Já estava em coma quando nos chegou. Ela morreu de uma infeção que podia ser prevenida.”

A crise no Darfur Sul estende-se às crianças, com milhares à beira da morte e da fome, e outras a morrer de condições evitáveis. De janeiro a junho de 2024, 48 recém-nascidos morreram de sépsis no Hospital Universitário de Nyala e no Hospital Rural de Kas – o que significa que um em cada cinco recém-nascidos com sépsis não sobreviveu.

Em agosto passado, 30 000 crianças com menos de 2 anos foram rastreadas para a desnutrição no Darfur Sul. Delas, 32,5 por cento estavam com desnutrição aguda, muito além do limiar de emergência referido pela Organização Mundial da Saúde, que é de 15%. Além disso, 8,1% das crianças estavam com desnutrição aguda grave.

Nyala, a cidade capital do estado sudanês de Darfur Sul, era um ponto central para as organizações humanitárias antes da guerra. Porém, desde o eclodir do conflito, a maior parte das organizações partiram e não voltaram. A ONU não tem trabalhadores internacionais na cidade e a MSF é uma das pouquíssima organizações internacionais que ali permanece. Entre janeiro e agosto, as equipas da MSF em Darfur Sul providenciaram 12 600 consultas pré e pós-natais e prestaram assistência em 4 330 partos normais e com complicações.

Por todo o Sudão, crises inter-relacionadas estão a agravar-se e a causar um sofrimento imenso, com muito pouca ajuda disponível para o aliviar. Algo que a médica da MSF Gillian Burkhardt tem vindo a testemunhar, tendo estado a trabalhar no Darfur Norte antes do destacamento para o Darfur Sul. “A disparidade entre as enormes necessidades de cuidados de saúde, de alimentos, de serviços básicos, e a falta consistente de resposta internacional é vergonhosa”, sustenta. “Instamos os doadores, a ONU e as organizações internacionais a aumentarem urgentemente o financiamento para os programas de saúde materna e de nutrição, assim como a ampliá-los e abastecê-los”, frisa.

“Sabemos que o Sudão é um país com desafios para nele trabalhar, mas ficar à espera que os desafios desapareçam por si mesmos não nos está a levar a lado nenhum”, avalia ainda a responsável pelas atividades da MSF de saúde sexual e reprodutiva no Darfur Sul. “Para muitas mães e crianças é já demasiado tarde. É imperativo gerir os riscos e encontrar soluções antes que se percam mais vidas”, urge ainda.

O conflito no Sudão está também a impulsionar a crise de saúde materno-infantil, na medida que as pessoas se veem forçadas a deslocar-se e são sujeitas a violência. A falta de abastecimentos é agravada pelas partes em conflito, as quais – junto com grupos armados que lhes estão afiliados – continuam a bloquear ou a restringir o acesso a assistência que é vital para salvar vidas.

Esta crise acarreta o risco de prender famílias inteiras em ciclos prolongados de desnutrição, de doença e deterioração da saúde que se podem estender durante gerações.

A cuidadora de um paciente da MSF descreve como a mortalidade materna e a desnutrição estão inter-relacionadas na família dela: “A mãe dos gémeos morreu de hemorragia grave, e deixa oito outros filhos. O meu marido e eu tentamos cuidar deles… mas não ganhamos o suficiente para os alimentar. Agora somos 13 na nossa casa. Estamos a passar por grandes dificuldades, a comer papas e molho com um pouco de sal, pouco ou nenhum óleo e verduras.”

 

Desde o regresso a Darfur Sul em janeiro de 2024, a MSF tem vindo a prestar apoio em serviços de saúde materna em hospitais do Ministério da Saúde e centros de cuidados primários de saúde, através da reabilitação de infraestruturas críticas, incentivos ao staff, assistência logística e técnica, supervisão clínica, abastecimentos médicos e suporte de custos de funcionamento.

No Hospital Universitário de Nyala, a unidade de maternidade, que é apoiada pela MSF, providencia partos normais e por cesariana e serviços de contracepção. Também presta cuidados a sobreviventes de violência sexual e com base no género, incluindo a prevenção de infeções sexualmente transmissíveis, a provisão de profilaxia pós-exposição ao VIH e contracetivos de emergência.

No Hospital Al-Wahda, as equipas da MSF fornecem apoio a serviços de contracepção e cuidados a sobreviventes de violência sexual e com base no género, mediante a prestação de incentivos e apoio técnico a um “canto de confidencialidade” dentro da clínica.

No Centro de Saúde Primária de Bileil, em Nyala, a MSF apoia a prestação de cuidados pré e pós-natais, a assistência a partos normais e consultas de contracepção.

No Hospital Rural de Kas, as equipas da organização médica-humanitária apoiam a prestação de cuidados secundários de saúde e de cuidados abrangentes em casos de emergências obstétricas e neonatais.

Na região de Jebel Marra, a MSF está a providenciar assistência em três estruturas primárias de saúde (Kalokitting, Torun Tonga e Dili) que fornecem consultas pré e pós-natais, serviços de contracepção e encaminhamentos de urgência para os hospitais de Kas e de Golo.

Além do apoio a estas estruturas, a MSF presta ainda assistência em clínicas de saúde da mulher no campo para pessoas deslocadas internamente em Kalma e em outros locais onde os deslocados internos se instalaram, como Dreij e Otash, nos arredores de Nyala. A organização médica-humanitária vai também, nas próximas semanas, iniciar apoio a serviços similares centrados na saúde da mulher, para dar resposta ao aumento da mortalidade materna e às necessidades crescentes em todo o estado sudanês de Darfur Sul.

Entre janeiro e agosto de 2024, as equipas da MSF em Darfur Sul:

  • providenciaram 12 600 consultas de cuidados pré e pós-natais,
  • forneceram 1 260 consultas de cuidados neonatais,
  • prestaram assistência em 4 330 partos normais e com complicações,
  • fizeram 2 470 partos por cesariana.
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