Leste de Aleppo, Síria: “Tentamos dormir por meia hora para ganhar forças e fazer outra cirurgia”

Cirurgião descreve situação dramática enfrentada por pacientes e profissionais de saúde

Leste de Aleppo, Síria: “Tentamos dormir por meia hora para ganhar forças e fazer outra cirurgia”

Com as unidades de terapia intensiva lotadas e os suprimentos médicos chegando ao fim, os sete hospitais que restam no leste de Aleppo não devem aguentar muito tempo, diz o cirurgião Abu Huthaifa.

“Nos acostumamos às cenas diárias que sucedem os bombardeios massivos, quando os hospitais ficam tão cheios de pessoas feridas que temos que passar com cuidado por elas para chegar aos pacientes mais necessitados”, diz o dr. Abu Huthaifa, um dos poucos cirurgiões remanescentes na região leste de Aleppo. “Nesses momentos, pedimos ajuda na emergência a todos que estiverem disponíveis – acompanhantes e faxineiros, além de profissionais de saúde – para pressionar ferimentos hemorrágicos dos pacientes, aplicar curativos básicos, levar pacientes até as salas de emergência, fazer a triagem de acordo com a gravidade dos ferimentos e levar os que podem ser salvos até o centro cirúrgico.”

O cerco de três meses imposto ao leste de Aleppo e os bombardeios implacáveis à cidade ao longo das últimas três semanas estão tendo um impacto mortal na população de aproximadamente 250 mil pessoas que estão encurraladas na área sitiada. Cuidados médicos também vêm sendo vítima dos bloqueios e bombardeios: restam apenas 35 médicos e sete hospitais em funcionamento nessa região da cidade. Há três semanas, eram oito hospitais, mas um deles foi fechado após ser atingido diversas vezes durante uma campanha de bombardeios aéreos.

“Há uma escassez de profissionais médicos”, diz dr. Abu Huthaifa. “Muitos deles estavam visitando famílias e parentes fora de Aleppo quando o cerco teve início, então ficaram presos fora da cidade. Também falta combustível, que é necessário para que os geradores dos hospitais continuem funcionando o tempo todo, já que não há abastecimento de eletricidade no leste de Aleppo. Também há escassez de suprimentos médicos, além de medicamentos e leitos para a ala de cuidados intensivos.”

Antes do cerco, de acordo com o dr. Abu Huthaifa, muitos pacientes que precisavam de cuidados intensivos de longo prazo foram transferidos para outras cidades da Síria, ou até mesmo para a Turquia. “Agora, sitiados, não podemos fazer isso”, diz ele. “Às vezes, somos obrigados a desligar aparelhos vitais de um paciente em estado terminal para admitir outro que tenha mais chances de sobreviver.”

Nas últimas três semanas, a situação dos hospitais da cidade ficou desesperadora, com serviços e profissionais sobrecarregados com o grande número de feridos. “Recebemos um paciente ferido por um ataque aéreo que precisava de laparotomia”, diz Abu Huthaifa, “mas todos os centros cirúrgicos em Aleppo estavam lotados. Tivemos que colocá-lo na espera até que algum estivesse disponível. Ele morreu, porque não havia espaço em nenhum centro cirúrgico para fazermos a cirurgia. ”

Nessas circunstâncias, a simples tarefa de encontrar tempo para comer ou dormir pode ser uma luta, de acordo com o dr. Abu Huthaifa. “Quando um paciente sai do centro cirúrgico e outro chega, fazemos coisas como rezar ou comer”, ele mencionou. “Estamos trabalhando quase sem parar e temos recebido pessoas feridas o tempo todo. Às vezes, tentamos tirar um cochilo entre duas cirurgias – tentamos dormir por meia hora para ganhar forças e fazer outra cirurgia.”

Ainda que os hospitais tenham se preparado para a eventualidade de um cerco com estoques de suprimentos médicos, eles já estão acabando, de acordo com o dr. Abu Huthaifa.

Ele descreve o que pode vir a acontecer caso nenhum tipo de ajuda seja autorizado a entrar na área sitiada. “Podemos fracassar em salvar muitos dos nossos pacientes, devido à falta de combustível para manter os geradores, ou pela falta de espaço na unidade de cuidados intensivos. Alguns pacientes precisam de leitos de cuidados intensivos por um ou dois meses, dependendo dos ferimentos; pacientes com danos cerebrais precisam de cuidados intensivos por um longo período. Quanto aos pacientes que perderam muito sangue, podemos não encontrar o tipo sanguíneo compatível, porque a maioria das pessoas do leste de Aleppo já doou sangue, algumas delas muitas vezes. Pode ser, também, que não tenhamos suprimentos médicos ou suturas para realizar cirurgias.” O dr. Abu Huthaifa também se preocupa com as crianças que não são vacinadas, e com a indisponibilidade de leite para bebês, assim como a falta de vegetais frescos e alimentos em geral.

O serviço de ambulância também foi gravemente impactado pelo cerco e pelos bombardeios indiscriminados à cidade, com consequências terríveis. “Recebemos um paciente às quatro da manhã”, diz o dr. Abu. “Uma bomba explodiu próximo à casa dele enquanto ele dormia e ele foi atingido por estilhaços no peito. A família tentou levá-lo ao hospital o mais rápido possível, mas por causa da falta de ambulâncias e de combustível para que eles pudessem se locomover, o homem chegou morto, uma hora e meia depois de ser ferido. Tudo isso porque não havia veículos disponíveis para trazê-lo ao hospital.”

Para se proteger dos bombardeios, os hospitais estão usando os porões ou andares mais baixos dos prédios, diz o dr. Abu Huthaifa.

Para resumir a situação dos hospitais remanescentes no leste de Aleppo, o dr. Abu Huthaifa diz: “De forma geral, o cenário envolve feridos por toda parte. Não tenho certeza se isso é normal ou não, mas temos de nos acostumar a essa cena, porque ela é frequente. Devemos lidar com essas vítimas e tratá-las o mais rápido possível com o que temos e com aquilo que o nosso hospital pode oferecer, não importa o quão modesto isso seja.”

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