Médico mineiro fala sobre projeto pioneiro no Camboja

Programa de MSF provou ser possível tratar HIV/Aids em países em desenvolvimento e tornou-se um marco histórico para a organização

Em sua segunda missão trabalhando com Médicos Sem Fronteiras (MSF), o médico mineiro Sérgio Henrique de Castro Cabral foi para o Camboja. Especializado em Pediatria e Cardiologia infantil, ele trabalhou em missões de duas cidades diferentes, ao mesmo tempo, integrando um projeto de HIV/Aids.

MSF tem projetos no país desde 1979, e há 12 anos implementou o projeto para tratamento de pacientes com HIV/Aids. Nesta entrevista, o pediatra fala sobre suas atividades no terreno e explica por que este projeto é considerado um marco histórico dentro da organização.

Como era o trabalho no Camboja? Quais eram as suas tarefas lá?
Sérgio Cabral – Lá a gente trabalhava com um projeto de HIV/Aids, mais para detectar os problemas, as "falhas" do processo e propôr soluções. Também revia histórico dos pacientes. O atendimento de pacientes em si, na prática, era mínimo. Nos concentrávamos em acompanhar os médicos, os exames, e acompanhar os resultados para poder propôr mudanças.

No dia-a-dia, você diz que era um trabalho mais burocrático. Em que sentido?
Cabral – No sentido em que o atendimento era mínimo, nós apenas acompanhávamos os médicos e analisávamos o avanço dos pacientes. No Sudão, por exemplo, trabalhávamos mais no campo, o trabalho era bem mais prático.

No Camboja você trabalhou em dois projetos ao mesmo tempo, 15 dias mais ou menos em cada. Como é se dividir entre duas cidades, e que apresentam realidades tão diferentes?
Cabral – Em Takeo, no norte, a gente trabalhava mais com o governo, enquanto em Siem Reap o trabalho era feito junto a uma organização japonesa, "Friends Without a Border", onde tinha o melhor hospital público do Camboja. Tem que ter uma dinâmica grande para lidar com profissionais, pacientes, negociações e modos de trabalhar diferentes. Temos curto espaço de tempo para nos adaptar. O que dificulta um pouco porque quando finalmente o projeto está em andamento, é preciso parar e ir para outra cidade. Mas com o tempo a gente se acostuma e aprende a lidar com essa situação.

O seu trabalho era o mesmo nas duas cidades?
Cabral – Sim, era o mesmo trabalho.

Quão mais difícil, emocionalmente falando, é trabalhar com crianças, em vez de adultos?
Cabral – Sou pediatra, o meu foco é e sempre foi criança. A gente se dedica, se envolve o máximo possível, mas não chega ao ponto de afetar o trabalho. Não se pode deixar isso acontecer porque senão você deixa de ajudar. Não se pode morrer com eles. O pior não são as crianças sendo afetadas, é ver pessoas com problemas de saúde que poderiam ser evitados sem muito esforço e isso não acontece. Isso sim, é doloroso. Quanto mais jovem, mais penosa é a morte porque eles não viveram muito ainda. Por isso é mais difícil para as pessoas, em geral, aceitar o que acontece com as crianças mais do que com os adultos.

As campanhas realizadas por MSF sobre HIV/Aids são efetivas? Como os habitantes lidam com a questão?
Cabral – O programa foi para o Camboja para provar ao mundo que é possível tratar HIV/Aids em países pobres. O objetivo foi alcançado. Agora já existem organizações em vários países pobres do mundo. MSF hoje tem o maior número de tratamentos de HIV em países do terceiro mundo, o número de pacientes é muito grande e os resultados são muito bons, principalmente no Camboja.O maior impacto social foi o programa criado pelo governo para continuar o que MSF começou e a disseminação do programa em outros países no mundo. Além disso, a resposta foi muito boa para MSF. O projeto foi muito bem aceito pela sociedade, os pacientes agradeceram e buscaram a organização querendo que nós continuássemos o tratamento.

Agora MSF está substituindo os seus profissionais pelo pessoal local. Você acredita que após essa fase de transição o trabalho realizado vai se manter efetivo?
Cabral – Nós fazemos um treinamento com a equipe do governo e o Ministério da Saúde para melhorar o máximo possível o atendimento, a estrutura, enfim, para prepará-los o melhor possível. No caso do Camboja, isso deve acontecer até julho. È claro que vão surgir dificuldades com o tempo, é um país pobre, com diversos problemas, mas estamos fazendo o possível para não decair o atendimento, ou pelo menos decair o mínimo possível. Mas sabemos que alguma coisa vai piorar, porque a estrutura deles, o "know-how" dos médicos, é menor do que o de MSF.

A missão Camboja é um marco dentro da história de MSF. Por quê?
Cabral – Como eu já disse antes, por ter sido um sucesso, por ter inovado ao provar que é possível fazer tratamento de HIV/Aids em países pobres, sem muitas condições. É um marco por ter dado certo lá no Camboja e o lobby também ter funcionado. Agora, por exemplo, já existem programas como esse em outros lugares, funcionando.

A previsão de que esta fase de transição seja concluída no período de Março/Abril de 2009, se mantém?
Cabral – Em Março/Abril todos os pacientes já terão sido transferidos para os cuidados do governo ou de ONGs locais. Daí em diante, até julho, MSF continua dando assistência e ajudando como puder para deixar o pessoal nacional o mais bem preparado possível, para que o projeto esteja o mais avançado e o melhor possível para o governo e para a organização japonesa.

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