Médicos e enfermeiros estão colapsando dado que a resposta médica em Ghouta Oriental atinge seus limites

MSF exige um cessar-fogo imediato para permitir o básico ato humano de ajudar os doentes e feridos

 

Atualização em 06/03/2018:

Uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que foi debatida calorosamente por algumas semanas foi unanimemente aprovada (muito tardiamente) no sábado (24/02). MSF tinha acabado de emitir uma declaração pedindo um cessar-fogo, por isso, a resolução para impor tal cessar-fogo foi muito bem-vinda. Entretanto, palavras políticas não significam nada até serem efetivamente implementadas no terreno – então esperamos ver evidências concretas disso.

Os números dessa tragédia já chegam a 770 mortos e 4.050 feridos desde o dia 18 até 27 de fevereiro. Esses são os números mais atualizados reportados pelas instalações médicas apoiadas por MSF em Ghouta Oriental, na Síria.

Matéria publicada em 24/02/2018:

O número de baixas na área sitiada de Ghouta Oriental, na Síria, está crescendo além do imaginável, visto que a capacidade de fornecer cuidados de saúde está em seu último suspiro, disse hoje a organização médico-humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Hospitais e clínicas apoiados por MSF receberam mais de 2.500 feridos e mais de 520 mortos após apenas cinco dias de bombardeios intensos – da noite de domingo, 18, à noite de sexta-feira, 23 de fevereiro. Certamente um número subestimado, pois o número de instalações que conseguem relatar os casos está diminuindo e muitas instalações na área onde MSF não dá apoio também receberam feridos e mortos. Muitos são mulheres e crianças. Ontem, sexta-feira, 23 de fevereiro, mulheres e crianças representavam 58% dos feridos e 48% dos mortos registrados pelas nove instituições apoiadas por MSF que conseguiam reportar casos.

Durante o mesmo período, 13 instalações médicas apoiadas total ou parcialmente por MSF foram atingidas por bombas ou projéteis. Médicos em Ghouta Oriental, que já foram empurrados ao limite, estão trabalhando agora há seis dias, sem pausa e sem esperança real de poder tratar adequadamente seus pacientes em circunstâncias tão extremas. MSF exige um cessar-fogo imediato para permitir o básico ato humano de ajudar os doentes e feridos.

"Como uma enfermeira que trabalhou em conflitos extremamente sombrios, estou devastada por ouvir médicos e enfermeiras em Ghouta Oriental dizendo que têm 100 pacientes feridos e nenhum hospital, porque ele acabou de ser reduzido a escombros pelos bombardeios" diz Meinie Nicolai, diretora-geral de MSF.

"Há um nível de desespero e exaustão que vem de trabalhar sem parar, não encontrando tempo para dormir, sem tempo para comer, permanentemente cercado por bombardeios, e simplesmente por estar no meio da angústia absoluta. Apenas a adrenalina pode mantê-lo por tanto tempo. Se os médicos e as enfermeiras colapsarem, a humanidade colapsa. Devemos estar determinados a não deixar que isso aconteça."

No terceiro dia dessa ofensiva, os profissionais médicos que apoiam MSF pediram mais suprimentos médicos. Agora, depois de seis dias de bombardeio incessante, eles estão dizendo que, mesmo com suprimentos, não teriam capacidade física para continuar tratando os feridos. Por isso, pedem outra coisa : que os bombardeios apenas cessem.

À medida que a intensidade da guerra na Síria aumentou, os frequentes pedidos de MSF e outros para que o Direito Internacional Humanitário (DIH) – as regras da guerra – seja respeitado têm sido ignorados. Não vamos abandonar nossos pedidos para que o DIH seja respeitado, mas adicionamos agora um pedido específico: que os médicos possam fazer seu trabalho, os bombardeios do governo da Síria e dos grupos de oposição armados em Ghouta Oriental pausem imediatamente. Pedimos aos apoiadores dessas partes do conflito que usem sua influência para aliviar esta situação extrema. Com um grande número de instalações médicas atingidas e danificadas ou destruídas, com estradas para transferência de pacientes intransitáveis por causa de escombros de bombas ou por medo de bombardeios, com provisões médicas limitadas ou totalmente inexistentes e com um número extraordinário de pacientes e médicos extraordinariamente exaustos, uma resposta humanitária é urgentemente necessária. MSF insiste que o seguinte deve ser incluído na resposta:
•    pausar o bombardeio para permitir uma reorganização da resposta médica;
•    permitir a evacuação médica dos pacientes mais críticos;
•    permitir que organizações médico-humanitárias independentes entrem na área para prestar assistência direta;
•    fornecer um reabastecimento maciço de medicamentos e suprimentos médicos vitais; e
•    assegurar antes, durante e após qualquer pausa na luta que as áreas civis de ambos os lados, incluindo instalações médicas, não são atingidas.

Chamamos individualmente os Estados-membros da ONU que estão envolvidos militarmente na Síria ou estão apoiando partes em guerra na Síria a reconhecerem sua cumplicidade na catástrofe médica em andamento e exercer urgentemente sua influência para aliviar esta crise.

No início da recente escalada de combates, MSF estava fornecendo um pacote completo de apoio regular a 10 instalações de saúde em Ghouta Oriental e havia sido cada vez mais ativa no fornecimento a outras instalações com doações médicas de emergência. Mesmo as instalações que não solicitaram o apoio de MSF durante anos pediram ajuda e MSF estava fornecendo doações de emergência para a maioria dos hospitais e clínicas na área, mesmo com seus estoques locais se esvaziamento rapidamente. Porém, não conseguiu fornecer alguns itens importantes para cirurgia que simplesmente não estavam disponíveis para ninguém em Ghouta Oriental. Nenhum profissional de MSF está presente nas instalações apoiadas.

MSF mantém diretamente cinco instalações de saúde e três equipes de clínicas móveis no norte da Síria e tem parcerias com cinco instalações. MSF também oferece apoio à distância para cerca de 50 instalações de saúde em áreas da Síria, onde as equipes não podem estar diretamente presentes, inclusive em Ghouta Oriental. Algumas delas são regularmente apoiadas e outras recebem doações médicas de emergência em momentos de extrema necessidade.

As atividades de MSF na Síria não incluem áreas controladas pelo grupo Estado Islâmico, uma vez que nenhuma garantia sobre segurança e imparcialidade foi obtida de sua liderança. MSF tampouco trabalha em áreas controladas pelo governo, uma vez que os pedidos de permissão de MSF até o momento não resultaram em nenhum acesso. Para garantir independência de pressões políticas, MSF não recebe financiamento de qualquer governo para o seu trabalho na Síria.

 

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