Metas a milhares de distância

Responsável da Campanha de Acesso a Medicamentos Essencias no Brasil, Gabriela Chaves comenta as dificuldades do tratamento contra a Aids

O dia mundial de combate a Aids coloca a todos aqueles que lutam no enfrentamento da epidemia a árdua tarefa de escolher um problema para discutir em meio a tantos que apresentam igual urgência de atenção. Na última XVII Conferência Internacional de Aids, realizada este ano na Cidade do México, equipes de diferentes frentes de ação de Médicos Sem Fronteiras (MSF) uniram esforços para evidenciar as experiências de atenção e cuidado às pessoas vivendo com HIV/Aids nos mais de 27 países onde a organização têm projetos nesta área.

Um dos elos dessas experiências foi o desafio de ampliar do acesso a medicamentos anti-retrovirais (ARV) em áreas em situação precária, uma vez que as barreiras abrangem diferentes dimensões: escassez de recursos humanos para garantir os cuidados adequados e com qualidade aos pacientes, garantia dos cuidados em áreas rurais ou áreas de instabilidade e/ou conflito, falta de ferramentas em saúde (diagnóstico e tratamento) adaptadas às realidades dos países em desenvolvimento e dificuldades em prevenir a transmissão do HIV da mãe para o seu bebê – razão pela qual há muitas crianças vivendo com HIV.

Muito embora o dia das crianças seja em outubro, precisaremos falar delas agora em dezembro também. Estima-se que 2.1 milhões estejam vivendo com HIV/Aids no mundo, sendo que 90% delas encontram-se na África Sub-Saariana e apenas 10% recebem algum tratamento para a doença .

MSF trata em seus projetos 140.000 pessoas com medicamentos ARV. Ao longo dos últimos cinco anos, cerca de 10.000 crianças com idade abaixo de 15 anos iniciaram a terapia ARV em nossos projetos, das quais 4.000 têm idade abaixo de cinco anos. Nossa experiência tem mostrado que elas respondem muito bem ao tratamento e podem melhorar rapidamente.

O Brasil possui uma política definida de prevenção da transmissão mãe-bebê do HIV, mas a dificuldade de acesso de muitas mães a um pré-natal adequado faz com que o contágio vertical ainda ocorra no país. Não se pode negar porém, a animadora vitalidade da primeira geração de bebês que nasceram com HIV e que hoje ajudam a formar a rede nacional de jovens vivendo com HIV/AIDS. Criada em maio de 2008 a rede busca influenciar políticas e levantar questões importantes para a juventude que vive com HIV. Uma juventude que traz em si a concretização da antiga esperança de que crianças soropositivas chegassem a idade adulta. Essa ainda não é a realidade de muitos países africanos onde MSF atua

A prevenção da transmissão da mãe para filho funciona bem nos países ricos, poucas crianças são infectadas pelo HIV, e o enfrentamento desta questão passa a ser um problema e um desafio exclusivamente nos países em desenvolvimento. Talvez seja esta a razão pela qual até o momento, dos 22 ARV aprovados e disponíveis no mercado, oito não estão aprovados para uso em crianças e nove não existem em formulações pediátricas.

Ainda assim, algumas limitações são encontradas nessas formulações pediátricas para a ampla utilização nos locais onde MSF atua: pó para reconstituição em água ou xaropes com sabor amargo e que requerem refrigeração. Absolutamente inviável em locais onde não há ampla disponibilidade de água potável ou eletricidade.

É urgente o desenvolvimento de novas formulações pediátricas de ARVs, assim como também é urgente a realização de estudos que evidenciem a possibilidade de uso dos atuais e futuros ARV em crianças.

A ampliação do acesso à atenção às crianças que vivem com HIV é um desafio de todos e não se limita apenas ao medicamento, mas também à necessidade de termos ferramentas para o diagnóstico precoce em crianças com menos de 18 meses que sejam adequadas às realidades onde elas se encontram.

Não se pode negar que, em nível mundial, muito se foi conquistado em termos de ampliação do acesso ao tratamento para o HIV/Aids nos diferentes países do mundo e que importantes compromissos foram anunciados. Mas as metas estão longe de serem alcançadas, e não o serão, caso as especificidades relacionadas à grupos como as crianças com o HIV não forem levadas em consideração nas ações e respostas internacionais e nacionais à epidemia.

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