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O ano de 2016 passará aos livros como um dos períodos mais difíceis para os direitos humanos da breve história democrática brasileira. Retrocessos foram sentidos em quase todos os âmbitos, com algumas importantes exceções – e uma delas é a área de migrações.
Em dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que, se confirmada pelo Senado e sancionada pela Presidência, substituirá, por fim, o retrógrado e inconstitucional Estatuto do Estrangeiro, criado durante a ditadura.
A aprovação da nova lei chega em um momento crucial. O número de migrantes no Brasil aumentou significativamente nos últimos anos, principalmente por conta do afluxo de haitianos que buscavam saída para o agravamento da crise humanitária no país depois do terremoto de 2010.
Mesmo assim, os migrantes ainda representam menos de 1% da população brasileira – índice bastante inferior aos verificados em outros países da região. O mesmo acontece se analisamos apenas o universo de refugiados: apesar do aumento de 2.868% no número de refúgios concedidos nos últimos seis anos, esse grupo totalizava pouco mais de 8,8 mil pessoas em abril de 2016, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça.
Nos últimos quatro anos, a entrada de haitianos no Brasil impulsionou diversos debates e evidenciou a ausência de políticas públicas para essa população, além dos entraves burocráticos para a obtenção de documentos e a discriminação imbricada na nossa sociedade.
Várias dessas questões foram levadas à 1º Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, realizada em São Paulo em 2013, à Conferência sobre Migrações e Refúgio (Comigrar), organizada pelo Ministério da Justiça em 2014, ao Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM), em 2016, e ao I Diálogo de Participação Social, promovido pelo Conselho Nacional de Imigração em novembro de 2016.
Esses encontros diversos tiveram em comum a conclusão de que o Brasil precisa, de maneira urgente, de um novo marco legal para as migrações que esteja em sintonia com os princípios internacionais de direitos humanos. Nesse sentido, o texto aprovado pela Câmara – e agora em revisão no Senado – traz grandes avanços.
A nova lei acaba, por exemplo, com previsão legal de deportação coletiva de migrantes em situação irregular, como a tentativa de expulsão de 450 venezuelanos que estavam em Roraima (entre eles, inclusive, havia solicitantes de refúgio).
Por outro lado, o texto do projeto reforça a garantia constitucional do devido processo legal para os migrantes. Essa mudança deve impactar diretamente o “Espaço Conector” no aeroporto de Guarulhos, uma sala na área de desembarque onde permanecem, por tempo indeterminado e de maneira arbitrária, com precária assistência social ou jurídica, migrantes impedidos de entrar no Brasil por falta de visto.
De janeiro de 2015 a abril de 2016, 1.814 migrantes ficaram retidos no Conector. Desses, 494 eram solicitantes de refúgio – pessoas, portanto, protegidas pelo princípio internacional de “non-refoulement” (não devolução), contido também na lei brasileira que trata do refúgio.
Outro importante princípio expresso no texto da nova lei de migração é o do combate à xenofobia, que cresce de maneira preocupante no país. De acordo com dados do Disque 100 da Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, as denúncias de violência contra migrantes aumentaram 633% em 2015. A existência de um marco legal positivo, portanto, é fundamental para proteger essas pessoas.
Embora se reconheçam todos os avanços que o projeto de lei aprovado na Câmara propõe, há pontos que precisar ser aperfeiçoados ou retirados para garantir que, de fato, os direitos humanos dos migrantes sejam respeitados. Caberá aos Senadores acolher as propostas positivas que vieram da Câmara, corrigir arestas que possam dar margem à discriminação e não recuar em pontos fundamentais, como a previsão de acesso à Justiça e garantia do devido processo legal.
Os parlamentares não podem sucumbir às pressões que pedem a relativização dessas garantias constitucionais. Por isso, é fundamental que a sociedade civil una esforços para impedir retrocessos, e a população pode se juntar a esse esforço participando da petição on-line que pede o respeito aos direitos humanos na nova lei. Só assim, com uma legislação coerente, avançada e exemplar, asseguraremos o reconhecimento dos migrantes que vivem no Brasil como sujeitos de direito.
Alex André Vargem é consultor para migração da Conectas Direitos Humanos e Camila Asano é coordenadora do programa de política externa da Conectas Direitos Humanos. Artigo publicado originalmente no blog do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais da revista Carta Capital
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