Milhares de pessoas desesperadas por ajuda em Marib

O conflito intensifica-se e o governorado já não é o sítio mais seguro no Iémen, para onde se deslocaram dezenas de milhares de pessoas apenas nos últimos meses e também onde a assistência é escassa e falta mesmo o mais básico e essencial

© Hesham Al Hilali

“Não temos cobertores para nos taparmos”, conta Aafia, uma das milhares de pessoas deslocadas internamente no Iémen que se abrigam no governorado de Marib. “Os meus filhos não têm roupas quentes e eu não tenho comida suficiente para os alimentar. Não tenho uma casa feita de tijolos, é só uma tenda, que não trava nem sequer o vento nas noites frias de inverno. Mas não me queixo. Uma queixa feita a alguém que não Deus é uma humilhação.”

O que se vê em Marib é um retrato sombrio de como milhões de iemenitas estão a sofrer em resultado do conflito que dura há sete anos. Cerca de 150 locais formais e informais, uns grandes e outros pequenos, acolhem milhares de famílias que procuraram segurança em Marib, vindas de todas as partes do país. Um número ainda maior de pessoas deslocadas internas abrigaram-se nas casas de habitantes locais.

À medida que o conflito se propagava, iemenitas de todo o país rumaram em direção a Marib, antes considerado o sítio mais seguro no Iémen. O desenvolvimento de infraestruturas e a expansão das oportunidades económicas nos anos mais recentes fizeram também com que Marib se tornasse num local atrativo para as pessoas se mudarem. Atualmente, porém, com a escalada no conflito, a situação em Marib alterou-se, segundo contam muitas pessoas deslocadas.

A violência no governorado de Marib está a intensificar-se, com as partes em conflito a lutarem para reivindicar o controlo de uma área que é importante devido à sua localização geográfica, aos recursos de petróleo e gás e ao peso militar. A cidade de Marib, antes com uma população de menos de meio milhão de pessoas, de acordo com as autoridades locais, tem agora quase três milhões de habitantes. Para muitos, Marib não pode oferecer mais do que uma vida com condições muito precárias. A maioria das pessoas deslocadas é totalmente dependente de assistência humanitária, apesar de esta nem sempre lhes chegar.

Abdu Sabit é uma das muitas pessoas à espera da chegada de assistência humanitária. Este iemenita não tem forma nenhuma de ganhar dinheiro para sustentar a extensa família de 31 pessoas, todas a partilharem duas pequenas tendas em Al-Khuseif, um dos locais onde acampam os deslocados internos em Marib.

“Só comemos pão e chá o dia todo”, explica Abdu, oriundo de Taiz e que foi já deslocado duas vezes. “Faz um mês que eu e a minha família tivemos uma refeição como deve ser. Aceitaríamos qualquer coisa que nos fosse dada para nos ajudar.”

Conseguir obter o suficiente para comer não é o único problema que as pessoas deslocadas enfrentam. Muitos dos que vivem nos campos montados dentro e em volta da cidade não têm o mais essencial, incluindo materiais para abrigos, cobertores, água potável e latrinas. Muitos dos abrigos temporários foram construídos com arbustos e ramos arrancados do deserto ou com telas plásticas ou outros materiais frágeis apanhados nas lixeiras. Água segura para beber é escassa ou disponível apenas em quantidades muito limitadas. Neste ambiente arenoso e cheio de pó, muitas pessoas vivem sem latrinas nem chuveiros.

O inverno no deserto de Marib é impiedoso, com fortes ventos frios e temperaturas que baixam dos 10º centígrados. Sem colchões onde dormir nem cobertores para se cobrirem, muitas pessoas debatem-se para conseguirem manter-se quentes. Algumas construiram paredes de sacos de areia para tentar que o vento frio não entre nos abrigos. As condições em que vivem, precárias e insalubres, e a falta de água segura são um grande risco para a saúde.

Resposta de ajuda desajustada

Equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) têm vindo a providenciar serviços médicos básicos através de oito clínicas móveis e um centro de saúde de cuidados primários. O número de pacientes atendidos está a aumentar, especialmente crianças, sofrendo de doenças ligadas ao deficiente saneamento e às duras condições de vida. Em três meses, entre outubro e dezembro passados, as equipas MSF registaram um acréscimo de 44% de pacientes em relação ao trimestre anterior – 66% eram crianças. Observou-se ainda um aumento de 11% nos casos de desnutrição.

“A crise humanitária em Marib pode levar a uma crise de saúde”, avança o coordenador médico da MSF Muhammad Shoaib. “As consequências das condições de vida em que as pessoas se encontram no seu bem-estar físico e psicológico são já alarmantes. Há um risco elevado de surtos de doenças, incluindo sarampo, cólera e COVID-19. As organizações de saúde e humanitárias têm de agir de forma proativa para prevenir uma situação de saúde catastrófica. As organizações que trabalham em Marib têm de ampliar as atividades no que toca a alimentos, água e saneamento, a abrigos e a cuidados médicos”, defende.

Múltiplos ataques violentos tiveram lugar em Marib, em 2021, e causaram maciças perdas de vidas e deslocações populacionais. Mais de 78 mil pessoas foram deslocadas dentro do governorado ou em direção a Marib no ano passado, das quais cerca de 60 mil se deslocaram desde setembro, de acordo com estimativas da Organização Internacional para as Migrações. Combates intensos continuam a ocorrer na periferia da cidade, resultanto em que mais pessoas ainda têm de se deslocar das suas casas e constituindo uma ameaça constante para quem chega à zona em busca de segurança.

“Sentimos mesmo muito medo, noite e dia”, diz Abdu, cuja família se abriga a apenas alguns quilómetros de distância da linha da frente dos combates. “Habitualmente há uma pausa durante mais ou menos uma hora e depois começamos a ouvir os disparos outra vez. Não estou preocupado comigo, mas sim pelas crianças na minha família. Se acontecer sentirmos que as explosões se estão a aproximar, vamos apenas pegar em alguma água e fugir a correr. Não sei para onde – simplesmente desataremos a fugir daqui.”

Conflito traz mais miséria a pessoas já em vulnerabilidade

Os efeitos do conflito estão a ter um impacto particular em dois dos grupos mais vulneráveis nesta região: nos migrantes africanos e na comunidade Al-Muhamasheen (“os marginalizados”, grupo étnico minoritário que frequentemente enfrenta discriminação e vive em probreza profunda). Até quando as linhas da frente dos combates mudam, pondo em risco a vida destas pessoas, elas não têm amiúde a capacidade nem os recursos necessários para se deslocarem para um lugar seguro.

A chegada de novas pessoas deslocadas à área está a pôr Marib sob acrescida pressão no que toca a dar resposta às necessidades de comida, abrigo, água, saneamento e outras necessidades básicas. A assistência humanitária disponível é insuficiente e muitas pessoas migrantes têm visto a ajuda reduzida ou partilhada com outros grupos vulneráveis.

“Somos 40 mulheres a viver numa tenda”, frisa Arkani, de 20 anos, uma das centenas de pessoas migrantes da Etiópia que se encontram atualmente sem conseguir sair do Iémen e prosseguir na tentativa de cruzar a fronteira para a Arábia Saudita. “Precisamos de ter o que comer, algo para beber e algo para vestir. Não temos roupas quentes, nem cobertores ou lençóis para sobrevivermos ao tempo frio. Somos muitas pessoas e a comida não chega para todas.”

O conflito e as suas consequências trouxeram mais miséria também para a comunidade Al-Muhamasheen, da qual um largo número de pessoas vive agora em Marib, depois de se terem deslocado de outras partes do país para fugir do conflito e procurar oportunidades económicas.

“Alimentos, abrigos e água – é isso”, aponta Ahmad, membro dos Muhamasheen. “Não queremos uma casa grande ou comprar terra. Tudo o que precisamos é comida, abrigos e cobertores no inverno.”

“Marib está numa situação de emergência. A população – especialmente os grupos vulneráveis como deslocados, migrantes e Al-Muhamasheen – é gravemente afetada pelas múltiplas deslocações populacionais pelas quais as pessoas tiveram de passar, sobrevivendo sem terem asseguradas nem mesmo as necessidades básicas”, avalia a chefe de operações da MSF, Elisabeth Bijtelaar. “As organizações não estavam preparadas para deslocações nesta escala. E as autoridades também, apesar dos esforços feitos, têm dificuldades para lidar com um tão largo fluxo de pessoas deslocadas internamente. O conflito em Marib não irá provavelmente acabar tão cedo. Tememos que haja mais deslocações, o que resultará em mais necessidades. Como comunidade humanitária, temos de agir para dar resposta às necessidades existentes agora, ao mesmo tempo que pensamos no que surgirá e nos preparamos para um possível aumento das necessidades no futuro próximo”, explica Elisabeth Bijtelaar.

A chefe de operações da MSF sublinha ainda que “Marib é um exemplo clássico daquilo por que as pessoas no Iémen estão a passar”. “O governorado está nos títulos das notícias por causa dos incidentes de segurança e das linhas das frentes, mas não nos podemos esquecer que todo o país sofre com as consequências da longa guerra”, remata.

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