Moçambique: três novos desenvolvimentos na crise em Cabo Delgado

A província de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, é uma das regiões mais voláteis no país, cenário de um conflito intenso desde outubro de 2017, que levou já a que umas 800 000 pessoas tenham fugido das suas casas. Estes são os acontecimentos mais recentes

Uma equipa da MSF distribui kits com artigos essenciais como tendas e mosquiteiras no distrito de Montepuez, província de Cabo Delgado, em Moçambique.
© MSF
  1. A violência moveu-se para sul e provocou novas deslocações maciças

Ao longo do mês de junho, o medo da violência seguido de ataques confirmados geraram o pânico e movimentos em larga escala de pessoas de áreas próximas da capital provincial, Pemba, que eram anteriormente consideradas relativamente estáveis, como os distritos de Ancuabe e de Chiure. Estima-se que mais de 30 000 pessoas estejam em movimento em resultado da vaga de violência em curso.

Este é o mais vasto movimento de pessoas deslocadas ocorrido este ano. Muitas pessoas fugiram múltiplas vezes, em cada vez forçadas a deixar para trás os seus poucos pertences e meios de subsistência.

Pessoas deslocadas pelo conflito em Cabo Delgado, Moçambique, esperam ao lado de um camião em Mueda. Anteriormente tinham sido reinstalados noutras zonas da província, mas agora têm como objetivo chegar a Palma, cidade que foi atacada no início de 2021 e para onde algumas pessoas já regressaram.
© Igor Barbero/MSF

Durante o último ano, as forças armadas moçambicanas e aliadas regionais aumentaram a sua presença em algumas zonas. Os focos de violência mudaram geograficamente, e as pessoas começaram a regressar a locais que tinham sido atacados antes ou que tinham estado sob o controlo de grupos armados não estatais.

A situação permanece muito fluida. As equipas da MSF estão a distribuir artigos de ajuda em diversos locais onde as pessoas se abrigaram na sequência de ataques recentes, como em Ntele, no distrito de Montepuez, localidade à qual chegaram mais de mil famílias nos finais de junho. A maioria chegou com muito poucos ou nenhuns pertences e num estado de grande stress psicológico. Até à data, equipas da MSF distribuíram 701 kits contendo artigos essenciais de ajuda como tendas, vasilhames, panelas e redes mosquiteiras. As equipas da MSF continuam a providenciar assistência em áreas onde estão já estabelecidos projetos, como em Macomia, Mueda e Palma.

Equipas da MSF distribuem kits contendo artigos essenciais, incluindo tendas, vasilhames e redes mosquiteiras em Ntele, distrito de Montepuez.
Equipas da MSF distribuem kits contendo artigos essenciais, incluindo tendas, vasilhames e redes mosquiteiras em Ntele, distrito de Montepuez. © MSF

 

  1. As necessidades humanitárias das pessoas são enormes mas a ajuda é escassa

Algumas áreas na província de Cabo Delgado acolhiam já vastos números de pessoas deslocadas e estão agora a ter de se adaptar a um novo fluxo de chegadas. Isto tem impacto nas comunidades locais. Na maior parte dos locais, a ajuda humanitária disponível é largamente insuficiente para as necessidades das pessoas.

De forma geral, há um largo número de pessoas vulneráveis com necessidades humanitárias substanciais, incluindo de cuidados de saúde, de água e saneamento e de alimentos. Em algumas das zonas de mais difícil acesso, especialmente nas partes a norte e centro da província, a assistência é muito limitada.

Pessoas deslocadas retiram água de um furo em Xinavane, distrito de Macomia.
Pessoas deslocadas retiram água de um furo em Xinavane, distrito de Macomia. © MSF

Equipas da MSF estão a trabalhar em distritos onde as pessoas ficaram com as vidas dominadas pelo medo de ataques, de contra-ataques e pelo eclodir imprevisível de violência. Em alguns casos, a MSF é a única organização humanitária internacional que está atualmente a trabalhar nesses locais de forma permanente, mesmo sendo claro que é precisa uma muito maior assistência.

Muitas pessoas temem passar as noites nas vilas, porque sentem que estarão mais seguras nos campos de cultivo ou nas zonas de mato. Mas aí enfrentam outros perigos, como a malária, que constitui um grande problema. Em Macomia, por exemplo, quatro em cada dez adultos que tiveram consultas nas nossas clínicas em maio, e oito em cada dez crianças, testaram positivo para esta doença mortal.

Em toda a província, os cuidados especializados para estados médicos crónicos, como o VIH, frequentemente não estão disponíveis, apesar da prevalência dessas doenças na região. Em Mueda, uma vila montanhosa no Norte da província de Cabo Delgado, onde equipas da MSF trabalham no hospital local e operam clínicas móveis, temos observado o estado de saúde de alguns pacientes a agravar-se após os seus tratamentos terem sido interrompidos.

Equipas da MSF operam uma clínica móvel na aldeia de Chai, distrito de Macomia.
Equipas da MSF operam uma clínica móvel na aldeia de Chai, distrito de Macomia. © MSF

 

  1. A crise está a afetar profundamente a saúde mental das pessoas

A crise em Cabo Delgado está longe de terminar. Com a violência a prosseguir sem decrescimento, centenas de milhares de pessoas continuam a sofrer com os efeitos do medo, da violência e das deslocações – tanto na saúde física como na saúde mental. Praticamente todas as pessoas na região passaram por eventos traumáticos de algum tipo durante este conflito, em resultado de terem testemunhado ou vivido violência ou a perda de entes queridos ou das suas casas.

Enquanto conseguirmos continuar a garantir a segurança das nossas equipas, continuaremos a esforçar-nos para chegar às pessoas mais vulneráveis na província de Cabo Delgado. Face às enormes necessidades humanitárias, é vital que as pessoas consigam aceder a assistência.

 

Atija Bacar tem 66 anos e vive no campo de deslocados internos Eduardo Mondlane em Mueda, em Cabo Delgado, Moçambique. Ela é oriunda de Mocímboa da Praia e trabalha agora com a Médicos Sem Fronteiras como parteira tradicional e auxilia mais de 100 mulheres no campo.
© Mariana Abdalla/MSF
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