MSF continua a combater desnutrição na Etiópia

Organização montou 51 centros de nutrição ambulatoriais e cinco para internação, por onde já passaram milhares de crianças

Mumishene ainda não tinha dois anos de idade. Os médicos no centro de nutrição intensivo em Shinshicho lutaram por muito tempo, tentando ressuscitá-lo inúmeras vezes. Mas no domingo de manhã, quando o dia clareou, esse menininho morreu. Uma triste canção invadiu o 4X4 branco de MSF, quando a equipe levou Mumishene e sua mãe de volta para seu vilarejo. A família chorou ao saber da notícia e logo receberam o apoio de todo o pequeno vilarejo. Seu corpo frágil, enrolado em alguns cobertores, foi carregado através de um campo de trigo e bananeiras.

Tragédias como a de Mumishene estão se tornando cada vez mais freqüentes em uma região aparentemente próspera. Por quê?

Integrante da equipe etíope de MSF em Tunto, Regiões Populares Nacionais e Nações do Sul (SNNPR, na sigla em inglês), Samuel explica: "Nas últimas semanas, estive falando com muitos dos pais das crianças desnutridas. Eles me contam que por entre cinco a seis meses não havia uma única gota de chuva. A fome começou a dar seus sinais. Alguns dos fazendeiros conseguiram plantar uma pequena colheita de gengibre para vender aos mercadores, mas eles não têm comida para consumir. Os produtos ficaram muito caros no mercado. Comparado com os preços do ano passado, 100 quilos de milho, por exemplo, passaram de 360 para 800 Borr da etiópia (27 e 61 euros). O mesmo ocorreu com fertilizante – é simplesmente muito caro para os fazendeiros. Agora que temos algumas chuvas decentes, o milho e outras culturas estão crescendo novamente. Mas nós temos que esperar até a próxima colheita, em setembro ou outubro, antes que consigamos ver qualquer tipo de melhora".

MSF deu início a uma intervenção de emergência nas regiões de Oromyia e SNNPR, no sul da Etiópia, no dia 13 de maio deste ano. Desde então, as equipes têm se interado constantemente das necessidades nessas áreas. Confrontada com um número cada vez maior de pacientes com desnutrição severa, MSF montou uma rede de 51 centros de nutrição ambulatoriais e cinco de internação. Para crianças sofrendo de desnutrição moderada, outros centros oferecendo "alimentação nutricional suplementar" foram rapidamente construídos. No início de agosto, mais de 20 mil pacientes com desnutrição aguda severa foram admitidos nesse programa nutricional e receberam atenção médica.

"Os pacientes nos centros de MSF são apenas a ponta do iceberg", explica Rosa Crestani, coordenadora de emergência de MSF. "Nós estamos tratando os pacientes mais doentes, mas muitos outros passam fome. Seus estoques de comida chegaram ao fim e agora eles dependem totalmente de ajuda alimetar trazida de outros lugares. Essa ajuda precisa chegar urgentemente a essas pessoas, para que eles também não se tornem desnutridos agudos".

No distrito de Siraro na região de Oromyia, MSF ajudou a diminuir a incidência de desnutrição severa através de uma abordagem compreensvia. A realização dos programas de alimentação terapêuticos e de distribuições de alimentos direcionadas fez com que o número de pacientes das clínicas de MSF caísse de 1.251 para 971 nos últimos quatro fins de semana.

"Uma organização como MSF não tem a capacidade, nem estoques suficientes para aplicar essa estratégia em todas as áreas afetadas", afirma Crestani. "Nós abrimos alguns programas nutricionais suplementares, onde as crianças moderadamente desnutridas têm acesso à farinha enriquecida, óleo e açúcar para que possam ter uma melhora nutricional. A cada duas semanas, suas famílias recebem óleo de cozinha e 14 quilos de farinha. É o mínimo para ajudá-los a evitar ficar ainda mais desnutridos, mas o que temos visto é que simplesmente não é o suficiente".

Muitos estão tão desesperados que fariam qualquer coisa

Os centros temporários rurais de MSF estão literalmente tomados pelos moradores. No vilarejo de Ajora, na SNNPR, dezenas de crianças esperam descalças na lama, passando frio na chuva. Várias entram no programa nutricional de MSF, mas muitas são rejeitadas. "É muito difícil mandar uma criança de volta para casa porque eles não estão gravemente desnutridos, quando você pode ver claramente que eles passam fome e que toda sua família precisa de ajuda", afirma o médico brasileiros David de Souza, que tenta controlar a multidão e identificar os pacientes de maior risco. "Alguns estão tão desesperados que fariam qualquer coisa para receber um pouco de comida. Você vê algumas crianças voltando para entrar na fila várias vezes durante o dia, cada vez com uma mãe diferente. Isso indica que as mãe emprestam ou até alugam suas crianças para as outras".

Alguns pacientes percorrem grandes distâncias para chegar aos centros de MSF. "Nós temos até pacientes que falam idiomas de regiões distantes como Wolayita ou Hadyia", continua Souza. "Essas são áreas onde as necessidades humanitária são comparáveis às daqui, mas nas quais a quantidade de ajuda ainda é insuficiente".

Para alcançar as pessoas que ainda não receberam assistência, as equipes de MSF ainda estão explorando novas áreas, como a região Amhara no norte ou a região somali no leste do país. MSF também estabeleceu novas programas de alimentação na região de Afatr no norte e nos arredores de Chencha, Dita, Duna e Bursa em SNNPR. Índices alarmantes de desnutrição severa foram registrados nessas áreas.

Do jeito que as coisas estão, as condições climáticas, econômicas e agriculturais indicam que pode haver uma melhora gradual em algumas áreas, enquanto em outras a situação contina a piorar. É o que está acontecendo nos planaltos da SNNPR, onde não vai haver colheita provavelmente até outubro. As equipes de MSF vão continuar a adaptar suas atividades à medida que as necessidades mudarem, fechando alguns centros e abrindo outros.

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