MSF denuncia a União Europeia por impedir avanço na OMC de suspensão de monopólios durante a pandemia

Proposta da UE é manobra para adiar início formal de negociações sobre suspensão de direitos de propriedade intelectual de tecnologias médicas da COVID-19

MSF denuncia a União Europeia por impedir avanço na OMC de suspensão de monopólios durante a pandemia

Genebra, 7 de junho de 2021 – Na véspera de uma reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a proposta de suspensão de mecanismos de proteção de propriedade intelectual para tecnologias médicas durante a pandemia de COVID-19, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) denuncia a União Europeia (UE) e países como o Reino Unido, Suíça e Noruega por empregar táticas de adiamento, em vez de concordar em iniciar negociações formais urgentes sobre esta isenção. O encontro da OMC, previsto para amanhã e quarta-feira, acontece em um momento em que a COVID-19 já matou mais de 3,5 milhões de pessoas em todo o mundo e há grandes desigualdades no acesso às ferramentas médicas contra o vírus.

Se adotada, a isenção proporcionaria aos países um espaço político importante para lidar com as barreiras de propriedade intelectual e aumentar a colaboração em pesquisa e desenvolvimento, fabricação, expansão e fornecimento de medicamentos, vacinas e outras tecnologias de saúde da COVID-19. Renunciar aos monopólios ajudaria a nivelar o campo de jogo nesta pandemia e garantir o acesso às ferramentas médicas essenciais para todos que necessitam delas, independentemente do lugar onde vivem.

“Nos últimos meses, todos nós testemunhamos impotentemente como os profissionais de saúde em países como Índia, Peru e Brasil enfrentaram dificuldades para prestar cuidados às pessoas com COVID-19”, disse a dra. Maria Guevara, Secretária Médica Internacional de MSF. “Seus sistemas de saúde estavam à beira do colapso e foi muito desafiador fornecer qualquer apoio para pacientes com casos graves da COVID-19 nos hospitais, uma vez que os concentradores de oxigênio, ventiladores e medicamentos permanecem escassos. Além das vacinas, o mundo precisa urgentemente de acesso a novos tratamentos e diagnósticos para reduzir o número de hospitalizações e mortes nesta pandemia. Os governos devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para garantir que cada país tenha mais chance de salvar o maior número possível de vidas durante este momento crítico.”

Os governos que apoiam a isenção submeteram recentemente uma proposta revisada à OMC descrevendo seu alcance e duração, com o objetivo de avançar para negociações formais baseadas no texto sugerido. Um número crescente de países (63 até hoje) está patrocinando a isenção e mais de 100 nações já manifestaram seu apoio. O Brasil, no entanto, continua relutante em declarar total apoio à proposta de isenção, definindo sua posição como “aberta para discussão”, mas ao mesmo tempo pressionando por um cronograma de negociação mais longo.

Após um anúncio feito pelos EUA, no dia 5 de maio, apoiando a proposta e manifestando vontade de participar em negociações formais, um número crescente de países mostrou interesse em avançar com as discussões. No entanto, até o momento, a UE tem recusado envolver-se em discussões produtivas sobre a proposta e, em vez disso, continua a se mobilizar por medidas voluntárias por parte das empresas farmacêuticas, que até agora tiveram sucesso limitado. A UE também tem insistido que os países recorram ao uso de uma medida de saúde pública já existente – o chamado “licenciamento compulsório” para anular as patentes produto por produto – a fim de facilitar a produção de ferramentas médicas individuais da COVID-19, em vez de uma suspensão que afete diretamente todos os direitos de propriedade intelectual.

Embora MSF tenha defendido por muito tempo o uso de licenciamento compulsório para garantir que os países se beneficiem do efeito de redução de preços da competição entre produtores de genéricos para aumentar o acesso a medicamentos essenciais, esta via não é eficiente durante uma pandemia: obstáculos legais, pressão das corporações farmacêuticas e a burocracia tornam a tarefa muito incômoda, lenta e complicada para enfrentar os desafios ao nível da pandemia. Em contraste, a solicitação de suspensão das patentes em bloco proporcionaria aos países uma maneira rápida e eficaz de remover antecipadamente as principais barreiras de propriedade intelectual.

“A insistência contínua da UE no uso de licenciamento compulsório como pretexto para se opor à proposta de uma suspensão efetiva de certos direitos de propriedade intelectual é tendenciosa e ameaça a saúde pública em todo o mundo”, disse Dimitri Eynikel, consultor para assuntos políticos da UE para a Campanha de Acesso de MSF. “Ao se concentrar apenas no licenciamento compulsório, a UE está promovendo uma salvaguarda que só pode contornar as patentes, mas não todas as barreiras de propriedade intelectual, tornando-a menos eficaz do que a isenção proposta”, explicou ele. “Nesta pandemia devastadora, os países precisam ter todas as opções à sua disposição para incentivar a fabricação de ferramentas médicas contra a COVID-19 em todo o mundo. A UE e outras nações que se opõem a essa suspensão precisam parar de se opor aos esforços de outros países para proteger suas populações em uma emergência de saúde pública.”

Enquanto isso, muitos membros do Parlamento Europeu estão empenhados em angariar apoio para a proposta de isenção. No último mês, o parlamento aprovou uma resolução sobre o fim da epidemia de HIV/AIDS até 2030, na qual foi feito um apelo claro para apoiar a solicitação de suspensão das patentes. O órgão legislativo da UE deverá votar uma resolução específica de apoio à proposta de isenção entre os dias 7 e 10 de junho.

Vários países que continuam se opondo à proposta de isenção também fazem parte do Grupo dos 7 (G-7), cujos chefes de Estado se reunirão em uma cúpula na próxima semana. Os líderes do G-7 devem, neste momento crítico de uma pandemia, tomar medidas concretas para mostrar solidariedade global e apoiar esta importante renúncia aos monopólios para facilitar o acesso às ferramentas médicas contra a COVID-19.

“Com variantes novas e mais transmissíveis do vírus surgindo em muitos países, não podemos atrasar a adoção desta suspensão e de outras estratégias necessárias para acelerar uma solução global para aumento da escala de produção e diversificação da oferta, de modo que as ferramentas médicas da COVID-19 sejam acessíveis a todos”, disse Guevara.

 

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