MSF em Gao, no Mali: “Não vamos abandonar os pacientes agora”

Para médico de MSF, é preciso continuar no país garantindo o acesso de toda a população a cuidados de saúde

O Dr. Jose Bafoa lidera uma equipe médica da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Gao há cinco meses. A situação volátil que se apresentou nos últimos dias ao redor da cidade causou uma redução no número de pacientes nas instalações de MSF, mas o Dr. Bafoa diz que a prioridade dele e de sua equipe é continuar a levar cuidados às pessoas.

No norte do Mali, na cidade de Gao, uma média de 120 pacientes chega aos centros de saúde administrados por Médicos Sem Fronteiras em Wabaria e Sossokoira todos os dias. Ainda que a estação chuvosa tenha chegado ao fim, 70% das pessoas atendidas têm malária, uma doença parasitária que leva à exaustão como consequência de febres altas e arrepios incontroláveis. Apesar da guerra, a batalha das equipes médicas é mesmo contra a malária. A doença continua sendo a principal causa de morte no país e é particularmente perigosa entre crianças com menos de cinco anos; muitas estão adoecendo.

“Desde que começamos a trabalhar nos centros de saúde, em setembro do ano passado, temos visto um número razoavelmente constate de pacientes. Em janeiro, houve uma queda durante os bombardeios aéreos e, novamente nesta semana, recebemos pouco mais de dez pacientes por dia em um de nossos centros de saúde após novos conflitos. Mas o número geralmente volta ao normal quando a situação se acalma e as pessoas perdem o medo de deixar suas casas. Naquele centro de saúde, por exemplo, estamos recebendo atualmente uma média de 60 pacientes novamente”, diz o Dr. Bafoa. “Embora haja um hospital e dez centros de saúde em Gao e nas redondezas, as estruturas devem atender uma população de 400 mil pessoas e percebemos que algumas pessoas ainda não tinham acesso a cuidados médicos. E diante da insegurança atual, na qual as pessoas estão em constante deslocamento e têm cada vez menos recursos, oferecer acesso a serviços gratuitos e de qualidade é ainda mais essencial. Até o momento, atendemos 16 mil pessoas.”
 
Desde 11 de janeiro, os exércitos malinês e francês lançaram uma ofensiva contra diversos grupos armados no norte do país. Em Gao, o grupo de mais relevância é o Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental (Mujao), um grupo dissidente da conhecida Al-Qaeda do Maghreb Islâmico (AQMI).

“As pessoas fugiram com medo das bombas aéreas e ataques em represália. Alguns foram para países vizinhos e outros encontraram abrigo em pequenos vilarejos ou na floresta, onde as condições de vida são severas. Além da malária, observamos um aumento no número de pacientes com diarreia e infecções de pele devido à falta de higiene. Houve também um aumento dos casos de infecções respiratórias agudas causadas pela poeira e pelo vento”, adiciona ele. “Estamos recebendo, também, mais pacientes com pressão alta e gastrite, possivelmente devido ao alto nível de estresse que enfrentaram recentemente.”

Desde seu início, o principal objetivo do projeto é reduzir a taxa de mortalidade com o aumento do acesso a cuidados de saúde e respostas de emergência. E, de fato, Dr. Bafoa explica que, antes do lançamento do projeto, havia ao menos uma ou duas mortes por semana nas três estruturas de saúde apoiadas por MSF em Gao*. Desde outubro, apenas cinco casos foram registrados. A 100 quilômetros para o sul, na cidade de Ansongo, onde MSF presta suporte ao hospital de referência, as taxas de mortalidade no centro de saúde também foram reduzidas de 8%, há três meses, para 1,2% atualmente.

“Por meio de nossas clínicas móveis, oferecemos, obviamente, cuidados de saúde primária, mas também tentamos garantir que gestantes tivessem acesso a consultas de pré-natal de rotina. Não sabemos quando poderemos retomar essas atividades, mas esperamos que seja em breve.”

MSF também presta suporte a outros centros de saúde comunitários, fornecendo medicamentos e materiais essenciais, como explica o Dr. Bafoa: “O principal problema que enfrentamos em Gao e em Ansongo é a falta de materiais e boas condições de trabalho. Por isso, além de treinar e dar suporte à equipe local, nós também trabalhamos bastante na reabilitação das estruturas existentes. No hospital de referência de Ansongo, por exemplo, nós restabelecemos a eletricidade e a água. Estamos, agora, reabilitando o centro cirúrgico”.

O monitoramento epidemiológico é outro eixo fundamental do projeto, para garantir que as equipes possam responder rapidamente a surtos de doenças.

“Precisamos estar prontos para responder a quaisquer eventualidades médicas, sejam elas surtos de doenças, feridos de guerra ou pessoas em deslocamento. Em Ansongo, nossas equipes foram até o hospital prestar suporte em dezembro e, atualmente, a instalação recebe 100 pacientes por dia. E embora tenhamos dois colegas malineses que realizam cesáreas e oferecem cuidados obstétricos aos pacientes, enviamos para a cidade um cirurgião especializado em traumas relacionados à guerra. Nossos pacientes nos disseram que tudo o que desejam é paz. E nós estamos com eles. Ficamos aqui durante os bombardeios aéreos e não vamos abandoná-los agora. Esperamos que o sistema de saúde progrida e, eventualmente, possa nos substituir. Mas, até lá, permaneceremos aqui para garantir que as populações de Gao e Ansongo continuem a ter acesso a cuidados de saúde gratuitos e de qualidade.”

Dr. Jose Bafoa trabalha para MSF desde 1999. Antes do Mali, participou de projetos em Uganda, no Chade, na República Centro-Africana e em seu país de origem, a República Democrática do Congo.

No norte do Mali, as equipes de MSF atuam em Gao, Ansongo, Konna, Mopti, Douentza e Timbuktu oferecendo cuidados de saúde primária e secundária, cirurgia e respostas de emergência. MSF também está atuando no sul do país, administrando um programa pediátrico integral (primário e secundário preventivo e cuidado curativo) na região de Sikasso. A organização também oferece cuidados a refugiados malineses nos países vizinhos de Burkina Faso, Mauritânia e Níger.

*As atividades no terceiro centro de saúde apoiado por MSF em Chabaria (a 140 km de Gao) foram suspensas temporariamente devido a riscos de segurança, mas a organização continua a enviar suprimentos médicos para o local.

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