MSF insta as autoridades polacas a revogarem a suspensão anunciada do direito de pedir asilo

A suspensão dos pedidos de asilo na Polónia pode levar a práticas fronteiriças mais prejudiciais e expôr ainda mais pessoas em vulnerabilidade a condições de risco de vida

Asilo Polónia
© Jakub Jasiukiewicz/MSF, 2024

A Médico Sem Fronteiras (MSF) demonstra-se profundamente preocupada com a decisão tomada pelo governo polaco de suspender os pedidos de asilo no país – um direito das pessoas.

A medida terá previsíveis consequências dramáticas, que serão sofridas por indivíduos que procuram segurança na Europa. Assim, a MSF apela às autoridades polacas para alterarem drasticamente este rumo e tomarem as medidas necessárias para garantir os direitos de refugiados e migrantes.

Nos últimos dias, o governo polaco anunciou uma estratégia para reformar a política de migrações do país, que contava com a possibilidade de uma suspensão temporária do direito de pedir asilo na Polónia, com o intuito de “recuperar o controlo” das fronteiras e “garantir a segurança” do país.

Embora os detalhes completos do plano não tenham ainda sido divulgados, a MSF alerta que tais medidas restritivas e punitivas contra as pessoas que procuram segurança, estreitarão as vias legais para obterem proteção, e apenas levarão a práticas mais prejudiciais na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia.

“A disposição do governo polaco para restringir e suspender ainda mais o direito de pedir asilo é extremamente preocupante e aumenta os riscos de deportação forçada não controlada e de violência contra as pessoas que atravessam a fronteira”, avança o coordenador-geral  da MSF na Polónia, Uriel Mazzoli.

“O novo governo polaco teve a oportunidade de reformar o sistema de asilo e receção do país, mas, em vez disso, aprofundou a retórica política existente e perigosa, enraizada numa narrativa de ‘crise’, que normaliza ainda mais uma resposta militarizada, práticas violentas e a negação de humanidade às pessoas que procuram segurança na União Europeia”, acrescenta Mazzoli.

Desde novembro de 2022, as equipas da MSF trataram mais de 400 pessoas, muitas delas retidas durante semanas em florestas inabitáveis e expostas a práticas violentas na fronteira. Dadas as condições extremas de privação que as pessoas enfrentam nessas áreas, os pacientes da MSF sofrem de uma vasta gama de condições médicas graves, desde exaustão, hipotermia, desidratação, pé de trincheira (um tipo de lesão nos pés causada pela humidade) e até transtornos de saúde mental.

Em 2024, as nossas equipas também testemunharam um aumento acentuado do número de pessoas com marcas de agressões físicas, como hematomas e mordidas de cães. Em julho de 2024, as equipas da MSF trataram pela primeira vez lesões relacionadas com o uso de balas de borracha. Além disso, metade das pessoas atendidas pela MSF em 2024 relataram ter sido forçadas a recuar, algumas delas várias vezes.

Esta última medida representa uma escalada adicional de um ambiente já extremamente hostil para as pessoas em movimento e para quem lhes presta assistência humanitária. Em junho de 2024, as autoridades polacas impuseram uma proibição de acesso à zona fronteiriça, o que impediu as organizações humanitárias de aceder às pessoas necessitadas nestas áreas.

Apesar dos pedidos oficiais de acesso irrestrito e independente a toda a região fronteiriça, a MSF tem tido acesso a apenas uma porção limitada da zona de exclusão, que abrange 60 quilómetros da fronteira com a Bielorrússia e inclui locais-chave por onde a maioria das pessoas em deslocação têm atravessado desde 2021.

Esta proibição não só impede a prestação de assistência essencial, como também permite que grande parte da violência relatada pelas pessoas que tratamos ocorra de forma oculta.

“As restrições à ajuda médica e humanitária  na fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia já são alarmantes, com zonas inteiras onde os trabalhadores humanitários são impedidos de aceder e uma legislação que pode favorecer o uso de violência pelas autoridades estatais”, alerta Mazzoli.

“Atrasar a assistência e os cuidados médicos às pessoas na fronteira pode ter consequências fatais, já que muitos dos pacientes que atendemos enfrentam problemas de saúde que podem piorar rapidamente”, frisa.

A suspensão do asilo territorial terá largas consequências no acesso de migrantes a cuidados médicos e proteção.

Preocupa-nos que tais medidas extraordinárias estejam a tornar-se, deploravelmente, no novo normal na União Europeia, onde governos e instituições têm recorrido, cada vez mais, ao conceito de ‘crise’ como justificação para derrogar condições mínimas e os direitos das pessoas.

Nos últimos anos, as equipas da MSF testemunharam muitos exemplos das consequências prejudiciais de políticas que colocam o controlo das fronteiras acima da vida humana em vários dos nossos projetos na Grécia, Líbia, Mar Mediterrâneo Central e Bélgica. Há demasiado tempo que os Estados-membros da UE têm travado uma guerra contra algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo, “instrumentalizando” países terceiros.

A MSF insta as autoridades polacas a revogarem a suspensão anunciada do direito de pedir asilo e a cessarem esta desumanização de refugiados e migrantes e a crescente militarização das respostas contra eles.

 

Atividades da MSF na Polónia:

Após uma breve intervenção na região fronteiriça entre a Polónia e a Bielorrússia em 2021, as equipas da MSF regressaram à área de Podlasie, em novembro de 2022. Desde então, a nossa equipa presta cuidados médicos primários através de equipas móveis em locais remotos e organiza encaminhamentos de emergência, em estreita cooperação com outras organizações e grupos da sociedade civil. Além disso, desde 2022, a MSF apoia o Ministério da Saúde polaco no fornecimento de cuidados médicos e psicossociais a pacientes afetados pela tuberculose.

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