MSF presta primeiros-socorros psicológicos às famílias das vítimas do naufrágio em Nampula

Trágico acidente causou a morte a cerca de cem pessoas, incluindo 55 crianças

Naufrágio Nampula
© Claudia Colcerniani/MSF

Uma equipa da Médicos Sem Fronteiras (MSF) esteve a providenciar primeiros cuidados psicológicos às famílias das vítimas do naufrágio que levou à morte de cerca de cem pessoas, a 7 de abril, na província de Nampula, no Norte de Moçambique. Nesta resposta, foram também realizadas atividades de promoção da saúde com 15 líderes comunitários.

Foi reportado que as vítimas do naufrágio estavam a tentar fugir em pânico para uma ilha em Nampula devido a rumores de um surto de cólera nas suas comunidades. Segundo as autoridades locais o barco estava sobrelotado, com cerca de 130 pessoas a bordo. Pelo menos 55 crianças morreram neste trágico acidente. E o número de mortos pode ser ainda maior, uma vez que há pessoas desaparecidas.

A equipa da MSF visitou três comunidades onde vivem as famílias das vítimas: Quivulane, Muanangome e Necotia, localizadas numa área de difícil acesso em Lunga. Estas comunidades estão isoladas do resto da província de Nampula em resultado dos danos causados pelo ciclone Gombe, que destruiu várias estradas de ligação a Lunga. Nas comunidades não há transportes públicos e a população usa o barco como principal meio de locomoção. A unidade de saúde mais próxima fica a 14km de distância.

Para apoiar as pessoas afetadas pela tragédia, a equipa da MSF realizou ao longo de cinco dias mais de 20 sessões de atendimento, tanto individuais como em grupo.

A responsável de atividades de enfermagem da MSF Ana Mafalda Chissano conta que algumas pessoas perderam quase todos os familiares nesta tragédia. Uma família visitada relatou ter perdido 14 das 17 crianças do agregado familiar. Outra mulher contou que perdeu a filha e seis netos, e outras pessoas afirmaram ter perdido todos os amigos. A presença de pouquíssimas mulheres e crianças nas comunidades era patente, tendo sido estes dois grupos as maiores vítimas do naufrágio.

Muitas pessoas nas comunidades afetadas estão traumatizadas com a tragédia e ainda a tentar encontrar formas de lidar com a perda sofrida. Algumas têm pesadelos, e outras relataram ter dificuldades para conseguir comer ou dormir, contando que, sempre que tentam adormecer, se recordam repetidas vezes das ondas e do pôr do sol no momento do acidente, dos corpos e das caras dos familiares que morreram.

A enfermeira Ana Mafalda Chissano lembra-se vividamente de um rapaz que levou a equipa da MSF até às casas das pessoas que perderam entes queridos, para que elas pudessem obter apoio da MSF. “Ele sabia bem quantos amigos e irmãos tinha perdido”, recorda.

“Quando chegámos, os adultos na comunidade disseram-nos que apenas três famílias tinham sido afetadas e foram muito reservados. Mas depois um rapaz, de uns 6 ou 7 anos, veio ter connosco e levou-nos de casa em casa, mostrando onde viviam as famílias das pessoas que morreram”, descreve a responsável de atividades de enfermagem da MSF. “Imaginei o que poderia estar a passar-se na mente daquela criança… É algo muito traumático. Ele sabia quantos amigos, quantos primos, quantos irmãos tinha perdido. Por isso, sabia dizer: ‘naquela casa morreu uma pessoa, naquela casa morreu outra pessoa’”, recorda ainda.

A responsável da MSF pelas atividades de saúde mental Claudia Colcerniani expressa orgulho no trabalho realizado em poucos dias pela equipa e destaca a capacidade de superação demonstrada pelas comunidades em Lunga. “Só poder expressar os sentimentos que se tem e haver ali alguém para ouvir foi um primeiro e crucial passo”, sublinha. Para algumas pessoas nestas comunidades ainda será preciso tempo até que consigam partilhar o que sentem e aquilo por que estão a passar, uma vez que os traumas são muito recentes.

Durante esta resposta, a equipa da MSF constatou que as comunidades afetadas pelo trágico acidente precisam de mais apoios. Foi identificado também que é necessário fornecer informação à população sobre a cólera e outras doenças, de forma a dissipar rumores e mitos e, assim, evitar uma situação semelhante no futuro.

A cólera é endémica em Moçambique e continua a persistir, com 15 145 casos da doença registados entre outubro de 2023 e 7 de abril de 2024, de acordo com os dados do Ministério da Saúde moçambicano. A província de Nampula é a região mais afetada, reportando um terço dos casos no país (5 112 casos).

A MSF urge outras organizações e entidades a apoiar as comunidades de Lunga com cuidados de saúde, saúde mental e outros serviços básicos de saúde.

 

A MSF presta assistência médica-humanitária em Moçambique há 40 anos. As equipas da MSF desenvolvem respostas a emergências, incluindo em surtos de doenças. Em Nampula, em colaboração com o Ministério da Saúde de Moçambique, a organização médica-humanitária realiza atividades para melhorar a prevenção e tratamento de doenças tropicais negligenciadas e transmitidas por vetores, e mantém vigilância e preparação para emergências como surtos de cólera e desastres naturais. A MSF também providencia cuidados a pessoas com VIH avançado em Moçambique, e presta assistência na província de Cabo Delgado, afetada por conflito.

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