MSF repudia assassinato de profissionais do sexo na Beira e apela por segurança

Duas profissionais do sexo que faziam parte dos programas da MSF foram mortas, aumentando o medo e as barreiras em aceder a cuidados de saúde

MSF repudia assassinato de profissionais do sexo na Beira e apela por segurança
© Giuseppe La Rosa/MSF

No seguimento de uma série de assassinatos brutais que aparentemente visavam mulheres na cidade da Beira, em Moçambique, a organização médico-humanitária Médicos Sem Fronteiras expressa choque e alarme perante a morte de duas profissionais do sexo que faziam parte do programa comunitário da MSF com populações-chave[1], que incluem profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em risco, frequentemente isolados, criminalizados ou sujeitos a estigma, discriminação e violência.

“Estamos indignados com os assassinatos que parecem ter como alvo mulheres altamente vulneráveis na Beira. Duas profissionais do sexo que frequentavam os nossos serviços foram assassinadas numa questão de semanas. Os seus pares identificaram-nas como uma profissional do sexo migrante do Zimbabwe, de 32 anos, que deixa para trás uma filha de 4 anos, e uma profissional do sexo moçambicana, de 22 anos, que deixa para trás três filhas e um filho. À luz da iniciativa 16 Dias de Ativismo Contra a Violência Sexual e com Base no Género e do Dia Mundial da Luta Contra a Violência Contra Trabalhadores do Sexo, apelamos pelo fim da violência e por maior segurança para profissionais do sexo“, frisa a coordenadora do projeto da MSF na Beira, Jessie Ashay Kurnurkar.

A polícia moçambicana está a investigar a série de assassinatos em várias zonas da Beira desde setembro de 2022, mas o medo ainda assola as comunidades de profissionais do sexo na cidade portuária.

“Não estamos a viver livremente”, explica Maria*, uma profissional do sexo que vive na Beira. “Já não saímos de casa. Quando saímos, tentamos andar em grupos. À noite, não estamos a abrir a porta aos clientes porque temos medo, por isso estamos a perder trabalho. Como é que vamos fazer face às despesas? Como é que vamos pagar as contas? Estamos traumatizadas. A minha colega que foi assassinada deixou três filhas para trás.”

Após as mortes, além das atividades regulares do projeto na Beira, as equipas da MSF, que incluem profissionais do sexo, intensificaram as atividades de promoção de saúde e de formação em prevenção e cuidados contra a violência sexual e com base no género para profissionais do sexo. A MSF também está a trabalhar com as autoridades locais, nomeadamente a polícia, e organizações sem fins lucrativos e da sociedade civil na Beira. Os esforços reforçados incluem igualmente atividades de sensibilização em parceria com empresários locais e empresas de radiodifusão.

Através do trabalho médico-humanitário em VIH/TB (vírus da imunodeficiência humana/tuberculose), em violência sexual e com base no género e em migrações que é desenvolvido pela MSF na África Austral, as nossas equipas testemunham a vulnerabilidade intensa e crónica de mulheres, homens e pessoas transgénero envolvidas em trabalho sexual. Em Moçambique, na África do Sul, no Malawi e no Zimbabwe, as equipas da MSF veem como as pessoas enfrentam violência extrema e exploração precisamente porque sobrevivem na sombra, especialmente se forem migrantes. Enquanto o trabalho sexual permanecer criminalizado e estigmatizado, a saúde física e mental de centenas de milhares de profissionais do sexo e raparigas e mulheres vulneráveis na África Austral permanecerão em grande risco.

“Tal como outros grupos altamente estigmatizados na sociedade, profissionais do sexo evitam, na sua maioria, tornar-se visíveis para as autoridades e muitas vezes atrasam a ida ou evitam os serviços de saúde devido ao medo de serem detectados, visados e rejeitados”, explica a enfermeira de saúde sexual e reprodutiva e assessora para populações-chave na Unidade Médica da MSF na África Austral, Lucy O’Connell. “Vemos como doenças preveníveis e tratáveis correm o risco de se tornarem mais complexas e perigosas devido a esta realidade cruel. Sabemos que profissionais do sexo não denunciam ou procuram tratamento após sofrerem violência sexual e com base no género devido ao medo de serem novamente vitimizados”.

Pacientes que vivem incidentes de violência sexual e com base no género precisam de cuidados médicos dentro de 72 horas após a sua ocorrência, de forma a evitar gravidezes indesejadas, possível infeção pelo VIH e para obter aconselhamento em saúde mental. Além disso, pessoas que vivem com o VIH e não procuram cuidados de saúde correm o risco de deterioração do seu estado de saúde com o passar do tempo e apresentam um maior risco para a transmissão comunitária. Profissionais do sexo e mulheres vulneráveis precisam de espaços seguros para procurar cuidados de saúde, denunciar casos de violência sexual e com base no género, e ficarem livres de mais violência estrutural.

A MSF apela por maior segurança para as pessoas envolvidas em trabalho sexual na Beira e noutros locais da África Austral, bem como à mobilização das autoridades, da sociedade civil e de organizações não-governamentais na região para defender a saúde e o bem-estar de profissionais do sexo.

 

A MSF trabalha na Beira desde 2014 e presta cuidados de saúde sexual e reprodutiva, incluindo testes e tratamento do VIH e cuidados de aborto seguro, a pessoas vulneráveis e estigmatizadas, como profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em situação de risco. Na África do Sul, a MSF transferiu o projeto de violência sexual e com base no género em Rustemburgo, no cinturão da platina na África do Sul, para o Departamento Provincial de Saúde em junho de 2021. Reconhecendo a necessidade de uma melhor resposta médica e psicológica para a violência sexual, as equipas da MSF desenvolveram centros de saúde comunitários, que prestaram cuidados a milhares de sobreviventes de violência sexual e com base no género. O projecto também providenciou cuidados de aborto seguro no distrito de Bojanala, entre 2018 e 2021.

 

[1] De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as populações-chave são grupos altamente estigmatizados devido a comportamentos específicos de maior risco de contrair o VIH, independentemente do tipo de epidemia ou contexto local. Além disso, apresentam-se frequentemente questões legais e sociais relacionadas com os seus comportamentos, que por sua vez aumentam a vulnerabilidade ao VIH. Estes incluem profissionais do sexo, homens que fazem sexo com homens e jovens em risco.

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