Nenhuma responsabilização de fato três anos após o bombardeio de hospital apoiado por MSF

Em janeiro de 2016, o Hospital Shiara, apoiado por MSF em Razeh, foi atingido por um projétil

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As descobertas recém-divulgadas pela Equipe Conjunta de Avaliação de Incidentes (JIAT) – o órgão apoiado pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, nomeado pela Coalizão Saudita e dos Emirados Árabes Unidos (SELC) para investigar incidentes no Iêmen – falhou mais uma vez em prestar contas verdadeiramente às vítimas de ataques em instalações médicas no país.
  
As últimas descobertas da JIAT, divulgadas em uma entrevista coletiva em 23 de outubro de 2019, referem-se a um incidente ocorrido em 10 de janeiro de 2016, no qual o Hospital Shiara, apoiado por MSF em Razeh, norte do Iêmen, foi atingido por um projétil. O ataque matou seis pessoas e feriu oito. Em suas conclusões, das quais não há relatório escrito disponível, a JIAT justificou o incidente por “um defeito no projétil que levou a um desvio do alvo” e recomenda “assistência voluntária em baixas e danos materiais”.  A investigação de MSF sobre o incidente, concluída em março de 2016, concluiu que não havia motivo justificável ou legítimo para o ataque, já que o hospital estaria protegido de acordo com o Direito Internacional Humanitário, inclusive em casos de erro e negligência. 
 
Tal constatação da JIAT destaca o fracasso das partes em conflito no Iêmen em tomar as medidas necessárias para garantir que as instalações médicas protegidas não sejam atingidas. Também segue um padrão deprimente e previsível, no qual a responsabilização é desviada, culpando as vítimas de um ataque ou falhas de funcionamento que aliviam a SELC de qualquer culpabilidade. Em outra coletiva de imprensa realizada em janeiro de 2019, a JIAT tentou transferir a responsabilidade por um ataque de junho de 2018 da SELC para MSF, acusando falsamente a organização de não tomar as medidas adequadas para evitar se tornar um alvo. O ataque resultou na destruição quase total de um recém-criado Centro de Tratamento de Cólera em Abs, que deveria servir uma população de mais de 1 milhão de pessoas. 
 
Apesar das repetidas solicitações dos atores humanitários por investigações credíveis sobre esses eventos, a JIAT falhou consistentemente em relatar de maneira rápida e transparente suas descobertas, deixando agências humanitárias e vítimas individuais de ataques da SELC sem recurso à justiça ou prestação de contas. Sua recomendação, neste caso, para a prestação de “assistência voluntária” equivale a uma promessa vaga e inadequada que chega com um atraso de três anos.
 
Os ataques que violam o direito internacional humanitário – como aqueles que visam instalações médicas protegidas e locais civis (como o bombardeio de um ônibus escolar em 2018 e o ataque de 2019 em uma prisão em Dhamar) – são rotineiramente perpetrados com impunidade por todas as partes em conflito no Iêmen e resultam em ferimentos, morte e deslocamento para a população civil. Tais ataques não apenas têm consequências diretas para quem perde a vida ou se machuca neles: eles também impactam a população ao impedir que atores humanitários façam seu trabalho e, assim, reduzem a disponibilidade de ajuda humanitária, mesmo quando as necessidades continuam aumentando. 
 
As instalações de MSF foram atingidas cinco vezes por ataques aéreos da SELC desde março de 2015. Com apenas metade das instalações de saúde no Iêmen totalmente funcionais, mais de 11 milhões de pessoas em necessidade aguda e surtos de cólera e outras doenças facilmente evitáveis que ocorrem regularmente em todo o país, o acesso a instalações médicas é crucial para a população civil. 
 
MSF reitera mais uma vez a necessidade urgente de investigações verdadeiramente independentes, conduzidas de maneira transparente e rápida, que  produzam relatórios escritos compartilhados que permitem uma prestação de conta real. MSF também pede a todas as partes envolvidas no conflito que tomem urgentemente as medidas necessárias para respeitar a neutralidade e a natureza protegida da missão médica humanitária e para evitar danificar ou destruir instalações médicas e a perda de vidas civis. 
 
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