Níger: 15 anos tratando a desnutrição e a malária 24 horas por dia

MSF aumentou sua capacidade de hospitalização nas regiões mais afetadas antes do pico sazonal da malária

Níger: 15 anos tratando a desnutrição e a malária 24 horas por dia

Todos os anos, a combinação do “período da fome” e da estação chuvosa desencadeia um aumento nas taxas de desnutrição e malária no sul do Níger – particularmente de julho a outubro. Desde a crise alimentar em larga escala de 2005, a prevenção e o tratamento de doenças da infância avançaram bastante: de refeições terapêuticas prontas para uso a abordagens mais descentralizadas, abrangentes e centradas no paciente. Porém, centenas de milhares de crianças continuam sendo afetadas por essa emergência crônica e precisam de assistência médica oportuna, gratuita e de boa qualidade, especialmente durante o pico sazonal.

Quando Mohammed Sani, de 3 anos de idade, chegou ao hospital do distrito de Magaria, na região de Zinder, ele mal conseguia abrir os olhos devido a edemas. Ele sofria de kwashiorkor, uma forma de desnutrição aguda grave caracterizada por deixar o rosto e os membros inchados. Sem tratamento, as complicações são frequentes e potencialmente fatais, com altas taxas de mortalidade. Mohammed Sani foi atendido pela equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) e se recuperou. Pouco antes de estar saudável o suficiente para ir para casa, ele estava se alimentando, olhando em volta com curiosidade. Depois que recebeu alta, seu tratamento precisa continuar em casa; sua mãe precisaria lhe dar sachês de alimentos prontos para consumo e levá-lo ao centro nutricional mais próximo a cada semana para exames.

Nos últimos 15 anos, MSF tem trabalhado com o Ministério da Saúde Pública para oferecer a crianças como Mohammed Sani os melhores tratamentos possíveis. O primeiro marco histórico para essa parceria foi o alimento terapêutico pronto para uso (RUTF), lançado em 2005, seguido por outras inovações de sucesso.

Julho de 2005

A pobreza generalizada e as questões estruturais, compostas por secas e uma invasão de gafanhotos, resultaram em uma crise alimentar em larga escala. A situação nutricional tornou-se crítica e medidas radicais tiveram que ser tomadas. Foi aprovado um protocolo nacional que introduziu o RUTF, o que levou a uma expansão maciça do tratamento ambulatorial para crianças com desnutrição aguda grave. Quase 70 mil crianças foram tratadas em todo o país em 2005; 60% delas com apoio de equipes de MSF.

Avanço rápido para 2019

Hospitais com equipe qualificada e medicamentos, além de equipamentos e infraestrutura adequados, desempenham um papel fundamental na luta contra doenças potencialmente letais. Mas, para muitos nigerianos, eles continuam sendo a opção de último recurso. Muitas das crianças internadas nas salas de emergência do hospital são levadas para lá quando suas condições já pioraram drasticamente e correm mais risco de morte ou efeitos negativos duradouros. A distância entre as comunidades rurais e os hospitais, o custo do transporte e outros fatores socioculturais, como a procura por curandeiros tradicionais, geralmente estão por trás dessa demora.

Mohammed Sani é uma das mais de 300 mil crianças tratadas por MSF no Níger, em parceria com o Ministério da Saúde Pública, entre janeiro e outubro de 2019. Como em outros países da região do Sahel, as principais causas de morte de crianças com menos de 5 anos de idade no Níger são malária, infecções do trato respiratório e diarreia. No entanto, estima-se que a desnutrição é um fator contribuinte subjacente em quase metade dessas mortes – e pode dificultar gravemente o desenvolvimento entre os que sobrevivem.

Uma abordagem de saúde pública

Em 2018, o governo do Níger registrou mais de 2,75 milhões de casos de malária, principalmente durante o pico sazonal entre julho e outubro, com 3.331 deles sendo fatais. Crianças com menos de 5 anos de idade foram as mais afetadas, representando metade das mortes. Uma pesquisa realizada pelas autoridades nacionais em outubro e novembro de 2018 revelou que a prevalência de desnutrição aguda grave atingiu um nível preocupante, 3,2%, quando o limiar de emergência é de 2%.

Segundo a coordenadora médica de MSF no Níger, Rilia Bazil, “a boa notícia é que conhecemos as soluções médicas para melhorar essa situação. Os cuidados de saúde nigerinos tomaram várias medidas positivas desde a introdução de alimentos terapêuticos prontos para consumo. Isso inclui critérios mais inclusivos para definir desnutrição; progresso nas práticas de alimentação infantil; triagem domiciliar de crianças potencialmente desnutridas, medida com a fita de circunferência do braço superior (MUAC); testes de diagnóstico simples e rápidos para malária; quimioprevenção sazonal da malária; e melhorias nos tratamentos ambulatoriais e nas instalações”. Por fim, uma abordagem de saúde pública aumentada, com um forte componente comunitário, está ajudando a reduzir a prevalência e as taxas de mortalidade relacionadas à malária e à desnutrição.

No Níger, a promoção da saúde e o programa nacional para gerenciamento integrado de casos de doenças da infância na comunidade (iCCM) tornaram-se instrumentos cruciais para lidar com as doenças da infância, especialmente nas áreas rurais. O iCCM estabelece uma rede de agentes comunitários de saúde escolhidos por suas próprias comunidades, treinados e equipados para diagnosticar e tratar doenças não complicadas, melhorando assim as chances de sobrevivência e recuperação total dos pacientes.

Uma grande árvore, uma barraca ou uma pequena cabana pode desempenhar um papel fundamental, uma vez que são designadas como “mini-unidades de saúde” e mantidas por esses profissionais. Eles representam o primeiro posto para crianças doentes, oferecendo diagnóstico e tratamento imediatos ou encaminhando-as para um centro de saúde, salvando mais vidas no processo. No distrito de Magaria, de Zinder, e no distrito de Madarounfa, de Maradi, por exemplo, 172 agentes comunitários de saúde realizaram 39.015 consultas entre julho e setembro de 2019.

Esperando o melhor, mas se planejando para o pior

“A prevenção salva vidas, assim como tornar as opções de tratamento adequadas mais próximas de quem precisa. As doenças da infância precisam ser combatidas de maneira multidisciplinar. Para esse fim, é imperativo garantir que as meninas e meninos mais vulneráveis tenham acesso oportuno a cuidados de saúde gratuitos e de boa qualidade, seja em suas próprias comunidades por condições simples ou nas unidades de saúde em casos complicados”, diz o coordenador-geral de MSF no Níger, Dalil Mahamat Adji. “Precisamos esperar o melhor, mas sempre nos planejar para o pior, aumentando nosso apoio para evitar sofrimento e mortes relacionadas à malária e desnutrição”.

Antes do pico sazonal de malária e desnutrição que normalmente ocorre durante o segundo semestre do ano, MSF dobrou ou triplicou sua capacidade de hospitalização nas regiões mais afetadas e fortaleceu a prevenção e o tratamento comunitário de doenças infantis. Isso inclui uma ampla gama de atividades, incluindo conscientização sobre questões de saúde e higiene, iniciativas comunitárias, apoio à quimioprevenção sazonal da malária e campanhas de vacinação para melhorar a proteção das crianças contra doenças que podem danificar seu sistema imunológico.

Reduzir a prevalência e a mortalidade de doenças da infância é uma responsabilidade compartilhada que exige esforços contínuos das partes interessadas no setor da saúde e dos envolvidos com segurança alimentar, educação e meios de subsistência nas regiões mais vulneráveis. Em uma situação com outras necessidades humanitárias em ascensão devido a conflitos e insegurança, é da maior importância continuar trabalhando para que a malária e a desnutrição não tire vidas e todas as crianças possam crescer saudáveis.  

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MSF começou a trabalhar no Níger em 1985. Guiados pela ética médica e pelos princípios humanitários de neutralidade e imparcialidade, agora executamos projetos nas regiões de Zinder, Maradi, Diffa, Tillabéry, Agadez e Tahoua, com mais de 1.660 profissionais durante todo o ano e mais 360 profissionais durante o pico sazonal de desnutrição e malária.

Nossos principais objetivos são reduzir a mortalidade infantil, melhorar a qualidade dos cuidados pediátricos e maternos, ajudar os sobreviventes de violência e deslocamento e ajudar as pessoas em movimento e as comunidades locais. Também respondemos a surtos de doenças e apoiamos o Ministério da Saúde Pública para melhorar a cobertura de imunização contra doenças como cólera, sarampo e meningite. Em 2018, nossas equipes trataram mais de 443 mil crianças afetadas por malária, desnutrição e outras doenças.

Além disso, o centro de pesquisa realiza estudos e pesquisas de campo no país desde 2005, para melhorar a resposta geral a crises e epidemias nutricionais.
 

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