Níger regista números excecionalmente elevados de crianças desnutridas e doentes

Na região de Maradi, os casos de internamento por desnutrição excederam todas as previsões em 2021, exigindo um reforço da resposta para a crise alimentar existente em ambos os lados da fronteira entre o Níger e a Nigéria

© Sarah Pierre/MSF

As estruturas de saúde onde a Médicos Sem Fronteiras (MSF) presta assistência registaram números excecionalmente elevados nos casos de crianças desnutridas em 2021 no Níger. Em resposta a esta crise, a organização abriu programas médico-nutricionais de emergência em vários distritos da região de Maradi e também do outro lado da fronteira, no vizinho estado nigeriano de Katsina, de onde são oriundos muitos pacientes.

“Quando aqui cheguei, os internamentos estavam já a um nível muito alto para a altura do ano”, frisa o médico Many Mashako, que trabalhou como pediatra com a MSF em Madarounfa, região de Maradi, entre fevereiro e dezembro de 2021.

Durante os picos sazonais anuais de desnutrição e de malária – que se estendem de junho a outubro –, os esforços combinados das equipas do Ministério da Saúde do Níger e da MSF aumentaram para o dobro a prestação de tratamento médico-nutricional. Nisto se inclui o acréscimo no número de camas para 260 no hospital distrital de Madarounfa, de forma a dispor de capacidade suficiente para tratar todas as crianças doentes. Mas mesmo isto não chegou em 2021, uma vez que as equipas médicas tiveram frequentemente até 450 crianças hospitalizadas ao seu cuidado num mesmo momento neste distrito.

“Ao longo de todo o ano em que estive no Níger, a quantidade de crianças admitidas no departamento de nutrição não seguiu a tendência verificada em anos anteriores. Os números excederam consistentemente as nossas previsões. Um dos nossos desafios iniciais foi treinar o pessoal que tinha sido contratado e organizar os reforços. Dada a escala do pico registado, foram postas em curso atividades médicas e nutricionais de emergência adicionais em hospitais e centros de saúde em Aguié e em Guidam Roumdji, para providenciar apoio ao Ministério da Saúde. E prestámos assistência também no hospital geral de Maradi”, explica o médico Many Mashako.

Quase 30 mil crianças foram admitidas em 2021 nos quatro hospitais que a MSF apoia na região de Maradi. “Houve dias em que tivemos mais de 70 crianças nas alas de cuidados intensivos do hospital de Madarounfa. Quase nunca tinha visto algo assim. Quero elogiar todos os profissionais de saúde que se disponibilizaram para ajudar”, sublinha ainda Many Mashako.

Foram também feitas mais de 115 mil consultas em centros de saúde e unidades ambulatórias de nutrição no distrito de Madarounfa.

 

Crise em ambos os lados da fronteira entre Níger e Nigéria

Por trás destes números excecionalmente elevados está uma crise nutricional particularmente grave no estado de Katsina, na Nigéria. Devido às trocas culturais e de comércio, famílias nigerianas deslocam-se com frequência à região de Maradi e não é raro ver algumas chegarem com uma criança doente.

Mas em 2021, o número de crianças nigerianas gravemente desnutridas que foram tratadas nos cinco centros de saúde onde a MSF providencia apoio em Madarounfa disparou em 58% por comparação com o ano precedente. As crianças oriundas da Nigéria representam também 61% de jovens pacientes com desnutrição aguda grave e complicações relacionadas atendidos no serviço de urgências do hospital de Madarounfa.

“O estado em que se encontrava a maioria dos pacientes chegados do Noroeste da Nigéria era especialmente crítico”, recorda o médico Many Mashako. “Algumas famílias nigerianas que têm de fazer deslocações longas enfrentam uma série de problemas de segurança, e a isso acresce a distância existente entre os centros de saúde localizados junto à fronteira e a vila de Madarounfa. Isto explica parcialmente porque é que crianças a sofrerem com numerosas complicações associadas com desnutrição aguda grave chegam ao hospital, frequentemente, exaustas e num estado avançado de septicemia”, prossegue.

Em parceira com as autoridades de saúde nigerianas, a MSF gere um hospital nutricional com 60 camas em regime de internamento em Katsina e cinco centros nutricionais em Jibyia, na fronteira com o Níger.

O Noroeste da Nigéria encontra-se imerso numa vaga de violência que está a ter impacto na segurança alimentar das famílias e na capacidade de resposta do sistema de saúde e organizações parceiras.

Os efeitos da situação de emergência em Katsina são visíveis igualmente através da fronteira, no Níger, onde se tem verificado, nos anos recentes, uma diminuição no financiamento de doações dedicadas aos programas nutricionais. De acordo com dados do Governo do Níger, a insegurança e choques climáticos em 2021 resultaram numa época agrícola medíocre, causando um défice estimado de 50 por cento, o que levou as autoridades a ativarem um programa de emergência para apoiar o sector.

Esta situação não está a dar sinais de melhoria no Noroeste da Nigéria, onde a amplitude da crise nutricional pode, mesmo atualmente, estar a ser subestimada.

“Os fatores que contribuíram para a situação excecional que vimos no hospital de Madarounfa em 2021 não desapareceram, e irão provavelmente ter um papel similar durante o pico de 2022”, alerta Many Mashako. O médico afirma estar preocupado também que a expansão das operações mineiras em Dan-Issa, na região de Maradi, em detrimento das atividades agrícolas, tenham o mesmo impacto negativo na segurança alimentar que testemunhou já acontecerem no seu país, a República Democrática do Congo.

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