O fim de uma jornada com a tuberculose ultrarresistente

Jovem sul-africana supera a doença após completar o árduo tratamento

Elas estão ali, em um pequeno pires: cinco cápsulas amarelas, um enorme comprimido branco e uma cápsula marrom. E, com um último e corajoso movimento, Phumeza Tisile, de 23 anos, encerra o ritual diário dos dois últimos anos e engole a última das 20 pílulas diárias que ela teve de tomar para curar uma das mais graves formas de tuberculose resistente a medicamentos: a tuberculose extensivamente resistente (TB-XDR). Quando estava tudo terminado, ela derramou lágrimas de felicidade.

Uma exceção à estatística
 “Nunca pensei que esse dia pudesse chegar”, diz Phumeza, radiante. “Eu venci a TB-XDR! Estar curada é uma alegria imensa. Foi aterrorizante no início, mas você vive com a esperança de que um dia será curado. Eu não queria ser parte das estatísticas de tuberculose e isso me motivou a continuar.”
 
Phumeza venceu a TB-XDR contrariando todas as possibilidades, após um tratamento árduo de dois anos. A doença tem menos de 20% de chance de cura, mas como o diagnóstico adequado demorou muito para ser obtido, suas chances de sobrevivência eram ainda menores.

Atrasos perigosos
Antes de ser tratada por MSF, o diagnóstico de Phumeza atestando a TB-XDR demorou a ser obtido devido ao lento processo para confirmar a infecção, que se utiliza dos testes disponíveis no sistema público de saúde. Diante disso, Phumeza recebeu do governo um tratamento sem qualquer efetividade para a TB sensível a medicamentos antes de saber que tinha TB-XDR. Além disso, ela também sofreu com graves efeitos colaterais, que afetam muitas pessoas que fazem o tratamento para a tuberculose resistente a medicamentos (TB-DR), incluindo a surdez permanente.

Dois obstáculos
Quando a Dra. Jennifer Hughes, especialista de MSF em TB em Khayelitsha, começou a tratar Phumeza, em maio de 2011, nove meses haviam se passado desde que ela havia sido submetida ao tratamento fracassado para a TB sensível a medicamentos no setor público. A Dra. Jennifer conta que a história de Phumeza ilustra os dois maiores obstáculos enfrentados para que a TB-DR seja tratada de forma efetiva: a falta de ferramentas para diagnóstico precoce de TB-XDR e as poucas alternativas em termos de medicamentos para tratá-la.
 
“O atraso no tratamento de Phumeza foi causado por dificuldades reais acerca do diagnóstico disponível atualmente para os médicos, o que prejudica pacientes como ela. Nós realmente precisamos de melhores diagnósticos se queremos salvar vidas e combater a TB-DR”, afirma a Dra. Jennifer. “Considerando as chances limitadas de sucesso com o uso dos medicamentos atuais, é também essencial que encontremos melhores drogas para pacientes como Phumeza.”
 
Difícil de engolir
Para pacientes tentando vencer as estirpes resistentes a medicamentos da TB, os dois anos de tratamento são um desafio árduo e doloroso. “Tive de tomar ao menos três medicamentos, mais de 20 comprimidos por dia, suplementos e injeções. É simplesmente coisa demais. Muitos outros pacientes concordarão comigo”, diz Phumeza, que passou a se referir às pílulas como “pequenas malvadas” por causa dos efeitos colaterais que a faziam sentir-se tão mal.
 
Esperança renovada
Uma das drogas que a Dra. Jennifer atribui à cura de Phumeza é um antibiótico de alta resistência chamado linezolid, que Phumeza recebeu como parte do programa de MSF, com regime reforçado, em Khayelitsha. O programa oferece aos pacientes de TB-XDR combinações feitas para cada indivíduo de novas e mais efetivas drogas para melhorar o padrão do regime atual para TB-XDR.
 
Enquanto as informações de MSF apontaram resultados promissores com base no uso do linezolid como parte do regime para TB-XDR, a droga não está amplamente disponível como medicamento para TB na África do Sul por dois motivos: é extremamente cara porque está patenteada; e o produto disponível não está registrado como tratamento para TB-DR no país, o que dificulta o acesso por meio dos estabelecimentos públicos para tratamento de TB.
 
A farmacêutica Pfizer é a única fornecedora de linezolid na África do Sul, porque detém múltiplas patentes sobre a droga. Com os preços cobrados pela Pfizer, um curso de longos dois anos de tratamento para um paciente com TB-DR, como Phumeza, custa mais de 35.862 euros por paciente, quando feito por meio do setor privado.
 
Versões genéricas do linezolid com preços mais acessíveis e de qualidade garantida estão disponíveis em outras partes do mundo, mas, apesar dos pedidos de MSF por ações, o Departamento de Saúde ainda não tentou fazer uso das flexibilidades legais referentes a acordos de comércio internacional para superar as barreiras impostas pelas patentes para ter acesso a preços mais baratos do linezolid.
 
Suporte pelo blog
Durante sua jornada de dois anos, Phumeza publicou textos no blog de MSF sobre suas frustrações diárias e os diversos percalços enfrentados no período. “O apoio de pessoas que acompanharam meu blog me deu forças para continuar. Elas leram meus textos, rezaram por mim, me encorajaram com comentários motivadores. Isso manteve minhas esperanças de me ficar livre da XDR”, conta Phumeza.
 
Pensando no futuro
Agora que está curada da TB-XDR, Phumeza pode retomar seus sonhos de estudar mais, embora sua batalha contra a doença a tenha feito alterar seus rumos. “Ter passado por essa experiência com a TB-XDR me fez mudar. Não sou a mesma pessoa que uma vez fui. Quero entrar na universidade novamente. Sei que vai ser difícil por causa da minha surdez. O mundo dos negócios não vai me aceitar, mas, talvez, eu possa seguir um caminho na área da saúde.”

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