Profissional de MSF relata desafios e belezas de atuar em região remota do Sudão do Sul

Mamman Mustapha foi coordenador de projeto do hospital de MSF em Old Fangak

Profissional de MSF relata desafios e belezas de atuar em região remota do Sudão do Sul

Mamman Mustapha deveria trabalhar 9 meses como coordenador de projeto de MSF no hospital de Old Fangak, uma região remota no Sudão do Sul. Mas sua jornada acabou durando 17 meses. No relato abaixo, ele explica a relação especial que criou com o local e a comunidade e os motivos que o levaram a permanecer bem mais do que o planejado:

“Cheguei ao hospital em Old Fangak em abril de 2019, durante a estação de seca. Eu estava lá para trabalhar como coordenador do projeto – responsável por todos os aspectos não médicos, como suprimentos, segurança e pessoal.

Minha primeira impressão foi de que se tratava de uma área muito isolada, um enorme pântano.

Era comum que cerca de 5 mil pessoas vivessem lá, mas agora são mais de 20 mil, já que muitas famílias mudaram para escapar dos conflitos armados nos últimos anos. Ao ver o lugar pela primeira vez, lembro-me de pensar que era exatamente o tipo de local para fazer trabalho humanitário.

As notícias viajam rápido

Não há estradas ou carros, apenas barcos.

A água geralmente está na altura do peito, então amigos ou familiares às vezes têm que carregar pessoas com necessidades médicas dos vilarejos para o hospital. Ou nos avisam e nós mandamos um barco como ambulância. Isso acontece quase todos os dias, às vezes três vezes ao dia.

Não há rede telefônica, então as pessoas geralmente enviam o mais forte disponível para andar rápido e nos informar que alguém precisa de atendimento médico, ou pedem a pescadores ou barcos comerciais no rio que nos digam.

As pessoas são muito boas para passar informações – estão traumatizadas, presenciaram a guerra e foram deslocadas muitas vezes. Agora, quando algo está acontecendo, eles compartilham informações muito rapidamente.

Um tipo diferente de violência

Desde 2018, não há guerra ativa em torno de Old Fangak, mas há conflitos contínuos entre os vários clãs e famílias e, recentemente, temos visto um aumento da violência nas comunidades.

Antes, você veria menos pessoas com armas, mas agora quase todo mundo carrega uma arma. Agora, estamos tratando mais feridos violentos no hospital do que quando cheguei.

Old Fangak é um pequeno vilarejo, mas é um centro para a região porque tem o hospital e um mercado diário, que está se expandindo com alimentos locais e utensílios domésticos.

As pessoas em Old Fangak são muito amigáveis ​​e estão sempre oferecendo uma xícara de chá. Muitas vezes eu me sentava no mercado nos fins de semana para conversar e construir relacionamentos entre MSF e a comunidade.

Da malária à desnutrição

Atendemos todo tipo de necessidade médica no hospital, já que é o único na área.

A malária é muito comum. A época do ano entre o plantio das safras e a hora da colheita é conhecida como “lacuna da fome”, e a desnutrição é comum nessa época. Vemos emergências obstétricas, infecções do trato respiratório, tuberculose, HIV e outras doenças crônicas. Na época das chuvas, a gente atende alguns pacientes com picadas de cobra, porque tem muitas cobras venenosas e as pessoas ficam vulneráveis, dormindo ao ar livre, trabalhando na grama, andando descalças.

A vida é sempre precária nessas comunidades, mesmo quando não há crise humanitária.

As pessoas dependem fortemente da distribuição de alimentos humanitários várias vezes por ano. A maioria pratica agricultura de subsistência, mas muitas vezes não é suficiente e há poucos empregos remunerados.

Este ano, as chuvas foram menores do que nos anteriores e estamos preocupados com a falta de alimentos, mas, por outro lado, existe o risco de inundações porque todos vivem perto da água.

Minha motivação

Eu planejava ficar nove meses como coordenador do projeto de MSF, mas então me ofereci para ficar mais três meses, para ver todas as estações do ano.

Continuei trabalhando para entender a cultura, para entender melhor o contexto e as necessidades das pessoas que atendemos. Fiquei muito motivado porque administramos o principal centro médico da região. A relevância do nosso trabalho é óbvia.

COVID-19: uma preocupação entre muitas

Então a pandemia de COVID-19 foi declarada e eu fiquei por mais cinco meses. Havia um bloqueio no país e era mais difícil conseguir suprimentos e novos profissionais. Nosso foco era manter nossas atividades essenciais no hospital.

Old Fangak é muito isolada e as pessoas não acreditavam que a COVID-19 fosse real.

Temos cerca de 150 profissionais locais e trabalhamos com eles para usar máscaras, manter o distanciamento social e aumentar a lavagem das mãos. Não há testes disponíveis para confirmar os casos de COVID-19, mas vimos nossos dois primeiros casos suspeitos em maio e junho. Uma pessoa morreu.

Mantemos dois leitos para tratar pacientes com suspeita de COVID-19 com segurança e isolamento. Mas atualmente, a doença é uma das muitas necessidades médicas com as quais nos preocupamos.

As razões

Fiquei feliz por poder ficar 17 meses, então pude entender melhor a região.

A estação das chuvas é a minha época favorita porque é a mais desafiadora. Há lama por toda parte e, às vezes, nosso avião de abastecimento não pode pousar e você depende da comida local. Você vê todos os belos insetos e o pôr do sol parece fogo no céu.
Gostei da tarefa! Tem sido desafiador e interessante, e quase nunca enfadonho. Por fora, parece um pequeno projeto de hospital comunitário, mas é um ótimo exemplo de por quê MSF é necessário e por quê entrei para MSF.”

Confira o vídeo sobre o hospital de MSF em Old Fangak.

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