“Quero contar minha história porque estou vivo”: encontrando o amor e outras curas na Ucrânia

Como uma abordagem centrada no paciente para a tuberculose resistente a medicamentos (DR-TB) está ajudando pacientes a concluir o tratamento com sucesso em Zhytomyr, Ucrânia.

“Quero contar minha história porque estou vivo”: encontrando o amor e outras curas na Ucrânia

Mal sabia Sergey que uma viagem até a geladeira anunciaria um dia memorável. Naquela manhã do início de agosto na Ucrânia, no ano passado, Sergey, de 40 anos de idade, conheceu Natasha. Sem que ele soubesse na época, ele tinha acabado de conhecer sua futura esposa. Encontrar o amor foi inesperado e veio no menos provável de todos os lugares: o Dispensário Regional de Tuberculose (TB) em Zhytomyr, a 140 quilômetros da capital Kiev.

Em 2001, Sergey estava sofrendo de pneumonia e sepse nos pulmões. “Fui diagnosticado com tuberculose. O que tornava tudo mais difícil era que eu também era viciado em drogas. As coisas foram difíceis. Eu estava entrando e saindo da prisão com frequência, minha esposa morreu de tuberculose e alcoolismo, e eu perdi a custódia do meu filho”, explica Sergey.
Em 2020, um encontro casual com Vitaliy, assistente social de MSF, convenceu Sergey a entrar no programa de tratamento para pacientes com tuberculose multirresistente (MDR-TB), uma colaboração entre o Dispensário Regional de TB em Zhytomyr e Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Apesar de uma reformulação na política de saúde para tuberculose, até alguns anos atrás, os pacientes na Ucrânia tinham de passar de 12 a 24 meses em unidades de saúde dedicadas à doença. O tratamento existente para as formas de tuberculose resistentes a medicamentos ainda não é fácil de suportar, pois pode exigir injeções diárias e combinações de remédios que podem resultar em efeitos colaterais moderados a graves, como fadiga a efeitos neurológicos em alguns casos.

Uma estadia prolongada no hospital também tem um custo: estar longe do apoio familiar e comunitário muitas vezes, combinado com perda de emprego e renda. Sobreviventes de TB como Sergey, ex-presidiários com histórico de uso de substâncias, ocupam os escalões mais baixos da hierarquia socioeconômica na Ucrânia e muitas vezes não são capazes de iniciar e/ou concluir tratamentos de TB hospitalares.

“Os medicamentos afetaram minha audição e visão, perdi o apetite e consequentemente muito peso. Eu costumava acordar às cinco ou seis da manhã com dores estomacais e chorava ao ver aquelas pílulas. Foi muito difícil”, diz Sergey. Sua parceira Natasha se deita em seu peito e aperta sua palma da mão em volta da dele. Ela tem uma história semelhante.

“Eu tinha um histórico de dependência química e meu parceiro era alcoólatra. Em 2007, eu testei positivo para HIV e perdi a guarda dos meus dois filhos. Mais tarde naquele ano, contraí pneumonia, que os médicos diagnosticaram inicialmente como uma infecção e, depois, como tuberculose. Consegui tratamento, mas contraí TB novamente em 2009, e depois TB-MDR duas vezes em 2016 e 2020”, diz Natasha.

O tratamento incompleto da TB representa um sério risco, pois está relacionado ao surgimento de formas da doença que são resistentes aos medicamentos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde em 2018, a proporção de pacientes com TB-DR entre os pacientes com TB recém-confirmados na Ucrânia era de 29%, e 46% entre os pacientes tratados anteriormente. Essa taxa é alta em comparação com outros países da Europa e é um desafio significativo para a saúde pública.[

O Dispensário Regional de TB visa reverter essa tendência por meio de um programa de pesquisa operacional apoiado por MSF. O estudo defende um modelo centrado no paciente, apresentando as inúmeras vantagens oferecidas por planos de tratamento mais curtos, com duração entre nove e 12 meses, e regimes totalmente orais altamente eficazes, incluindo bedaquilina e delamanid, que causam menos efeitos colaterais graves do que os medicamentos mais antigos. Muitos pacientes neste programa também recebem tratamento para comorbidades como hepatite C, HIV e álcool ou transtornos por uso de substâncias.

Uma abordagem de saúde centrada no paciente também prioriza as necessidades individuais deles. “Quando entrei no programa de MSF em Zhytomyr, estava enfrentando dificuldades. Eu precisava de medicamentos o tempo todo, mas também queria ter minha vida de volta, conseguir um emprego, solicitar o status de invalidez para que minhas despesas médicas pudessem ser cobertas. Como parte do meu tratamento aqui, também comecei uma terapia de substituição com metadona. Mas quando conheci Natasha, senti que Deus me libertou”, disse Sergey enquanto sorria.

Também é vital fortalecer o atendimento ambulatorial para que os pacientes possam ficar com suas famílias e comunidades enquanto recebem o tratamento. Poder voltar para casa e continuar com a medicação aumenta a chance de os pacientes completarem o tratamento. As equipes de apoio ao paciente de MSF, compostas por enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos, trabalham com pacientes com TB-DR para entender e resolver possíveis barreiras para a continuação do tratamento, que vão desde pensões não pagas até falta de gás ou aquecimento nas casas.

“Quero contar a minha história porque estou vivo. Os pacientes com tuberculose estão perdidos para a sociedade. As pessoas ao nosso redor não entendem. As pessoas dizem que não vamos encontrar um emprego. Quero dizer às autoridades de saúde para garantir alimentos nutritivos, profissionais de saúde que nos tratem bem, assistentes sociais que ouçam as necessidades dos pacientes”, diz Natasha.

Liberados do Dispensário Regional de TB em outubro de 2020, Sergey e Natasha se casaram em dezembro. Eles completaram o tratamento em janeiro de 2021. Hoje, sonham em construir uma casa com um pequeno jardim e comprar um carro para viajar pelo mundo. Sergey diz: “Em 2007, fui diagnosticado com tuberculose e HIV e pensei que fosse morrer. Então eu vi um pôster de uma criança sob um girassol que dizia que a vida continua. Isso me deu esperança. Hoje estou vivo. ”

 

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