Refugiados que escaparam da violência no Níger permanecem vulneráveis no Mali

Milhares de pessoas estão vivendo em abrigos improvisados e sem acesso a alimentos suficientes

Refugiados que escaparam da violência no Níger permanecem vulneráveis no Mali

“Nossas condições de vida são vergonhosas. Faltam alimentos, abrigo e assistência, e continuamos vivendo com medo”, desabafa Issouf. Como muitos outros refugiados, ele e sua família escaparam dos confrontos entre forças nigerianas e grupos armados no norte do Níger e agora estão vivendo no Mali, do outro lado da fronteira.

Após as contínuas ondas de violência na chamada “região das três fronteiras”, onde grupos armados não-estatais do Mali, Níger e Burkina Faso se encontram, milhares de pessoas fugiram de seus vilarejos no Níger. Na região de Menaka, uma área muito volátil, 2.900 famílias de refugiados, repatriados e deslocados internos se estabeleceram em vilarejos  ao lado de comunidades anfitriãs, já sobrecarregadas.

É na cidade fronteiriça de Anderamboukane e em seu entorno que as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) iniciaram atividades de resposta emergencial para garantir assistência médica e apoio psicológico à população abrigada local. No entanto, nossa assistência é temporária e não temos capacidade para respondermos sozinhos às crescentes necessidades das pessoas que vivem na região de Menaka, em Anderamboukane e em outros vilarejos vizinhos.

Segundo Mohamed Ag Bazet, coordenador de projeto de MSF, “embora a situação possa piorar – devido à violência contra civis no norte do Níger, que está forçando um número crescente de pessoas a fugir –, a resposta humanitária é quase inexistente. Nossas equipes médicas estão oferecendo serviços de saúde emergenciais”.

Apesar dos esforços das autoridades locais, agências da ONU e ONGs conduziram avaliações que mostraram que a resposta permanece inadequada e as necessidades emergenciais persistem. As equipes de MSF também visitaram dois vilarejos isolados na região de Menaka, Tamalate e Insinanane, que agora se tornaram o lar de centenas de famílias. Enquanto os serviços de saúde são muito precários, as necessidades das pessoas são agudas.

“As pessoas, que agora vivem em abrigos improvisados, não trouxeram quase nada consigo; apenas alguns alimentos, que acabaram em alguns dias, e um pouco de gado”, diz Mohamed Ag Bazet. “A comunidade anfitriã já está lutando para sobreviver e não têm capacidade para lidar com necessidades tão significativas”.

A instabilidade persiste na região desde 2012 e a ameaça contínua está levando as pessoas a fugir continuamente: muitos dos recém-chegados são malianos, da região de Menaka, que estavam refugiados no Níger.

Em Anderamboukane, a maioria dos refugiados se estabeleceu em casas que anteriormente foram abandonadas por seus moradores. A última onda de deslocamentos para fora do Mali aconteceu em dezembro de 2019, quando as forças armadas malinesas deixaram a cidade e, com elas, as organizações humanitárias. Muitas estruturas administrativas do governo local também evacuaram seus funcionários. Os moradores que tinham uma condição financeira melhor se estabeleceram em Menaka e Gao e deixaram suas casas vazias.

No entanto, os refugiados que não encontraram um lugar vazio para se instalar foram forçados a construir abrigos usando paus, lonas e tecidos. Durante o dia, as temperaturas atingem 40 graus, enquanto as noites são frias. As tempestades de vento também são muito comuns nessa época do ano. Em seus abrigos improvisados, as famílias estão lutando para se proteger das condições climáticas adversas e garantir alguma privacidade. “Algumas pessoas se abrigaram perto de uma lagoa, em que buscam água imprópria para consumo e estão expostas a mosquitos”, diz Mohamed Ag Bazet. “Isso explica o grande número de casos de diarreia e malária observados durante as consultas com as nossas equipes médicas”.

Durante a primeira semana de resposta, 832 consultas foram realizadas no centro de saúde comunitário de Anderamboukane pelas equipes de MSF. Além dos casos de malária e diarreia, infecções cutâneas e respiratórias estão entre as principais patologias registradas.
“Nossas equipes realizam até dois partos por dia. Durante os primeiros dias, as mulheres tiveram que dar à luz no chão, porque não havia leitos no centro de saúde. Foi chocante”, diz o coordenador de projetos de MSF. “Por isso, arranjamos uma maca da enfermaria para usar como mesa de parto. Pegamos também algumas outras macas no hospital e compramos colchões no mercado”, explica diz Mohamed.
Entre os membros da equipe, Dodo Ilunga é especialista em cuidados de saúde mental. Seu papel é fornecer apoio psicológico a pacientes que muitas vezes estão traumatizados. “Todo mundo está em choque”, ele explica. “Muitos têm flashbacks, hipervigilância e desenvolveram problemas de sono”.

Uma mulher separada do filho durante a fuga não conseguiu conter as lágrimas, apesar de tê-lo encontrado depois de duas semanas de busca, em um vilarejo a 50 quilômetros de Anderamboukane. “As pessoas precisam muito de apoio psicológico. Muitas vezes, são pessoas que fugiram da violência várias vezes e que perderam tudo: sua casa, seu emprego, seu gado. Eles estão desesperados”, acrescenta Dodo Ilunga.

“Vocês querem construir latrinas, mas de que elas servem se a gente não tiver nada no estômago?”, questionou Iussouf, líder comunitário entre os refugiados que estão vivendo em Anderamboukane.

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