Solicitantes de asilo estão presos em condições terríveis na região de Gambella, Etiópia

A situação pode piorar ainda mais nas próximas semanas com a chegada da estação chuvosa no final do mês

Refugiados do Sudão do Sul | Centro de Recepção Pagak

Médicos Sem Fronteiras (MSF) está preocupada com a situação de milhares de solicitantes de asilo sul-sudaneses que estão presos há meses em condições terríveis em um centro de recepção na região de Gambella, na Etiópia, sem acesso adequado a serviços essenciais, especialmente ajuda alimentar. MSF teme que as condições piorem ainda mais durante a estação chuvosa.

Nyaluak Tang*, seu marido e os seis filhos caminharam por quase um mês do estado de Jonglei, no Sudão do Sul, até a aldeia de Pagak, na fronteira com a Etiópia, onde chegaram em agosto de 2020. “Saímos por causa das fortes enchentes em nosso distrito, que nos deixaram sem comida”, diz ela. “Outro motivo era a insegurança. Um de nossos filhos foi sequestrado por outro grupo étnico e temíamos pela segurança de nossos outros filhos.”

A família foi para a Etiópia na esperança de se estabelecer em um acampamento de refugiados e de obter ajuda alimentar e um lugar seguro para morar. O país acolhe um grande número de solicitantes de asilo e refugiados. Só na região de Gambella, mais de 337 mil refugiados vivem em sete acampamentos. No entanto, o registro e realocação de recém-chegados foram suspensos por meses devido à COVID-19 e a outros desafios.

Nyaluak e sua família estão presos em um centro de recepção em Pagak há oito meses, embora o objetivo seja acomodar solicitantes de asilo apenas por um curto período de tempo. O local também é considerado inadequado, pois está propenso a inundações e fica muito próximo da fronteira.

Cerca de 16 mil solicitantes de asilo do Sudão do Sul, todos da comunidade Nuer, a maioria mulheres e crianças, vivem em um pequeno espaço cercado e superlotado que fica espremido entre os assentamentos da comunidade local. Suas condições de vida são terríveis. Milhares de pessoas vivem em cerca de uma dúzia de edifícios degradados e superlotados que são uma espécie de galpões, a maioria sem colchões ou cobertores. Esses são os afortunados. Centenas de mulheres e crianças, incluindo mães grávidas e bebês, dormem ao ar livre, muitas sem nenhuma lona plástica ou cobertores, sem qualquer proteção contra as intempéries. As condições de higiene são precárias. Com as poucas latrinas disponíveis frequentemente cheias, muitas pessoas defecam ao ar livre. Em fevereiro e março, MSF tratou 1.233 crianças com diarreia aquosa aguda.

Sem estarem registrados, os solicitantes de asilo não têm acesso significativo aos serviços essenciais. As pessoas não receberam nenhum auxílio alimentar desde que chegaram a Pagak. Todo mundo está com fome. “Estou coletando frutas e folhas da floresta, que cozinho para meus filhos”, diz Nyachuol Tut*, de 45 anos. Em todos os lugares do centro de recepção, mulheres cozinham folhas verdes brilhantes em cumbucas em lareiras improvisadas. Para muitos, isso é tudo o que comeram durante meses. Outros recolhem lenha e vendem no mercado local para comprar cereais ou outros alimentos. No entanto, aventurar-se na floresta para coletar madeira pode ser perigoso. “Às vezes, vemos soldados do Sudão do Sul que atravessam o rio para a Etiópia e nos espancam”, diz Nyachuol. Os solicitantes de asilo também dizem que crianças que brincavam perto do rio próximo que separa a Etiópia do Sudão do Sul foram sequestradas.

Muitas mães estão no limite, como Nyabol Lam*, de 28 anos, que chegou a Pagak em fevereiro. A mãe solo fugiu do estado de Jonglei com seus três filhos e três sobrinhas e sobrinhos depois que sua irmã e seu cunhado foram mortos durante conflitos entre as comunidades. O filho mais novo tem apenas um ano. Todos eles dormem ao relento. “Não tenho sequer um recipiente para cozinhar, nem utensílios. Não temos nada para comer. As crianças só dormem, porque não têm energia. Não temos roupas, nem cobertores. Ninguém está nos ajudando”, diz ela.

Com a próxima estação chuvosa, que começa no final de abril, a situação se deteriorará ainda mais se nenhuma solução for encontrada. Já houve tempestades pontuais que transformaram partes do acampamento em um pântano. Quando as chuvas começarem totalmente, as pessoas não conseguirão mais dormir do lado de fora. “Quando chove, todos nós buscamos abrigo nos galpões”, diz Gatluak Deng*, de 67 anos, que dorme ao relento com seus filhos e netos. “Por estar tão lotado, temos que ficar sentados a noite toda. Ninguém tem espaço para se deitar.” A estação das chuvas também dificultará a coleta de lenha, folhas e frutos da floresta e cozinhar ao ar livre. Já existem várias lagoas de água parada no local, criando um espaço ideal para a reprodução de mosquitos.

“A malária já é uma das principais causas de morte entre crianças com menos de cinco anos”, disse a diretora nacional de MSF, Audrey van der Schoot. “Em fevereiro e março, tratamos 593 pacientes com malária. Acreditamos que os números vão aumentar quando a estação das chuvas começar, assim como os casos de doenças transmitidas pela água, como a diarreia aquosa aguda.”

Em março, houve quatro casos confirmados de COVID-19 no centro de recepção de Pagak. Com as pessoas vivendo juntas e tão próximas, sem máscaras e medidas adequadas de prevenção e controle de infecções, a COVID-19 e outras doenças transmissíveis podem se espalhar rapidamente. A situação provavelmente piorará quando as chuvas começarem, quando todos estiverem reunidos sob os poucos telhados disponíveis.

“A situação precisa ser tratada com urgência. Os solicitantes de asilo precisam ser registrados em tempo hábil e é necessário agilizar o processo de constituição de um centro de acolhimento adequado em local mais apropriado da região, onde irão receber alimentação, proteção e outros serviços”, afirma van der Schoot. “Enquanto isso, pedimos a outras organizações que ampliem a oferta de serviços essenciais em Pagak.”

MSF iniciou as atividades médicas no posto de saúde em Pagak em fevereiro de 2021 e realizou mais de 6.870 consultas médicas até o final de março. Nossa equipe atende tanto os solicitantes de asilo quanto a comunidade local. As cinco principais causas de morte para crianças com menos de cinco anos são diarreia aquosa aguda, infecção do trato respiratório superior e inferior, malária e infecções oculares.
 
*Os nomes foram alterados

 

Partilhar
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on print