Sudão: “Os refugiados recém-chegados estão exaustos e seu estado de saúde é preocupante devido à viagem”

“Estamos extremamente preocupados com a chegada de refugiados a um acampamento que carece de serviços essenciais e onde suas necessidades básicas não serão atendidas”

Sudão: “Os refugiados recém-chegados estão exaustos e seu estado de saúde é preocupante devido à viagem”

Kiera Sargeant, ex-coordenadora médica de Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Sudão, descreve a resposta de MSF à crise de refugiados na fronteira com a Etiópia.

O que está acontecendo na fronteira entre o Sudão e a Etiópia?

No início de novembro de 2020, os recém-chegados da região de Tigray, na Etiópia, começaram a cruzar a fronteira para o Sudão em dois pontos, Hamdayet e Ludgi. Inicialmente, era apenas um pequeno número de refugiados, mas depois aumentou para mais de mil recém-chegados por dia. No total, mais de 55 mil refugiados chegaram de Tigray, na Etiópia, desde então.

Os refugiados estão nos estados de Kassala e Gedaref. Em Gedaref, existem dois acampamentos oficiais permanentes, Um Rakuba, e um novo acampamento, Al Tanideba. O transporte dos refugiados entre o acampamento de recepção na fronteira para os acampamentos oficiais em Gedaref pode demorar entre 10 a 15 horas.

Como MSF está respondendo ao fluxo de refugiados?

MSF já trabalha no Sudão há muitos anos. Cheguei em setembro de 2020 para ajudar a iniciar novas atividades em Kassala e no sul de Darfur. Naquela época, o Sudão estava se recuperando de fortes enchentes e havia relatos de febre hemorrágica viral em dois estados para os quais MSF também forneceu algum apoio. No entanto, quando os combates eclodiram na Etiópia no início de novembro, adaptamos nossa abordagem e nos dirigimos para a fronteira com a Etiópia. No dia 19 de novembro, montamos nossa primeira clínica em Gedaref.

Agora, estamos intensificando nossas atividades nos locais de passagem de fronteira e nos dois acampamentos oficiais permanentes Um Rakuba e Al Tanideba. Nesses acampamentos permanentes, forneceremos cuidados básicos de saúde, saúde reprodutiva, saúde mental, vacinação, tratamento para desnutrição e tratamento para doenças crônicas. Também estamos montando um departamento de internação e nos preparando para o fornecimento de água e saneamento. Nossas atividades sempre incluem o engajamento comunitário também.

Na fronteira de Hamdayet, apoiamos uma clínica do Ministério da Saúde para fornecer cuidados de saúde gratuitos à comunidade local e aos refugiados, trabalhando com comunidades e estabelecendo serviços de saúde reprodutiva, saúde mental, tratamento de doenças crônicas e fornecimento de água e instalações sanitárias. Nossas equipes também estão nos pontos onde os refugiados cruzam a fronteira realizando exames de saúde – incluindo a triagem para desnutrição. Como não há outras organizações na fronteira, muitas vezes também fornecemos informações e orientação aos recém-chegados sobre para onde podem ir em seguida e quais serviços podem obter – já que o acampamento de recepção fica do outro lado da cidade.

Qual é o estado de saúde dos refugiados quando chegam?

No início, algumas pessoas atravessaram para o Sudão nadando ou caminhando pelo rio que marca a fronteira com a Etiópia. É um rio de fluxo muito rápido; não é fácil atravessar. Outros passaram por barco ou por terra através de Lugdi.

No início de dezembro, vimos uma mudança na forma como as pessoas chegavam. Existem agora quatro pontos de passagem na área de Hamdayet (onde temos equipes para ajudar a identificar se alguma pessoa está doente ou desnutrida). Inicialmente, o estado de saúde físico das pessoas era bom, pois não haviam percorrido longas distâncias. Mas, com o passar do tempo, os recém-chegados estão frequentemente exaustos e em piores condições de saúde devido à viagem. Também estamos preocupados com o fato de as pessoas não terem acesso aos medicamentos necessários para doenças crônicas.

Ouvimos dizer que agora é mais difícil para as pessoas encontrarem rotas seguras para chegar aos pontos de passagem para o Sudão; muitas vezes as pessoas nos dizem que tiveram que se esconder por dias em pontos diferentes, até que pudessem continuar seu caminho.

As principais condições médicas observadas por nossas equipes são infecções do trato respiratório, diarreia aquosa aguda e também pessoas com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Já tratamos de vários ferimentos de balas e estilhaços e as pessoas estão relatando preocupações relacionadas à saúde mental para nós. Curiosamente, ouvimos relatos de violência sexual e estamos divulgando a mensagem na comunidade de que podemos fornecer atendimento médico e psicológico aos sobreviventes.

Que histórias você ouviu dos refugiados sobre por que eles fugiram?

Um refugiado com quem falei relatou estar muito confuso: ele ouvia explosões barulhentas à distância, mas elas estavam se aproximando. Ele não sabia o que eram, mas então viu pessoas correndo e fugiu também. Ele correu para o mato e foi até a fronteira.

Outro refugiado que conheci estava em Hamdayet e depois voltou para a Etiópia para tentar pegar alguns de seus pertences em casa. Quando ele chegou lá, ele encontrou outras pessoas morando em sua casa, então ele voltou para Hamdayet de mãos vazias.

Quais são as condições de vida em Hamdayet e nos acampamentos oficiais?

A situação humanitária na área de recepção em Hamdayet é precária: não há abrigo, comida, água ou itens de primeira necessidade suficientes para as pessoas de lá. Muitos dos refugiados estão hospedados na aldeia, pois há mais opções de abrigo por lá.

Nos acampamentos, os serviços ainda estão sendo ampliados, mas a resposta é muito lenta. Desde o dia 3 de novembro, entre 250 a 350 refugiados têm sido transferidos para Um Rakuba, todos os dias. O movimento de pessoas para o acampamento Al Tanideba começou na primeira semana de janeiro, embora o local ainda não esteja preparado para receber pessoas. Estamos extremamente preocupados com a chegada de refugiados a um acampamento que carece de serviços essenciais e onde suas necessidades básicas não serão atendidas.

Ao mesmo tempo, os refugiados continuam chegando ao Sudão, o que significa que os serviços nos acampamentos de trânsito precisam ser bem mantidos e melhorados; já que o número total de refugiados nesses locais continua alto.

Quais são as principais preocupações dos refugiados?

Muitos dos refugiados ficaram separados de seus familiares durante a fuga, então um de seus principais problemas é a preocupação com a família e entes queridos, devido à rede telefônica limitada na região de Tigray.

Vimos várias crianças desacompanhadas, muitas das quais foram separadas de suas famílias enquanto fugiam de suas casas. Encaminhamos as crianças aos serviços de proteção à criança da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

Outras preocupações de que ouvimos falar incluem os agricultores que perdem a colheita de suas safras. Agora que estão no Sudão, estão preocupados em saber como vão ganhar a vida e onde poderão conseguir comida e abrigo.

Alguns refugiados falaram sobre suas preocupações em relação à pandemia de COVID-19, mas a maioria me disse que têm coisas maiores com que se preocupar, como abrigo, comida e acesso à água.

Quais são os principais desafios para responder a esta crise de refugiados?

Para MSF, um dos nossos maiores desafios era conseguir suprimentos médicos suficientes. Estamos buscando a importação emergencial de suprimentos médicos para que possamos responder em tempo hábil. A pandemia também criou desafios para trazer equipes médicas experientes, necessárias porque já existe uma escassez no país.

O repentino afluxo de refugiados colocou uma pressão sobre a infraestrutura e os serviços de saúde no Sudão. Isso veio além da escassez de combustível existente e da inflação acentuada no Sudão, que causou dificuldades logísticas e financeiras para todos os envolvidos.

Em geral, há uma necessidade urgente de ampliar rapidamente a oferta de assistência para atender às necessidades dos refugiados; particularmente antes da estação chuvosa, o que tornará esta área do Sudão muito difícil de acessar. É extremamente importante que o governo do Sudão, a ONU, doadores e ONGs façam tudo ao seu alcance para expandir sua capacidade de assistência; a coordenação pelo ACNUR e pelas autoridades sudanesas (COR) deve ser melhoradas; é urgentemente necessário que os doadores enviem mais dinheiro e as permissões para importar suprimentos e iniciar atividades devem acontecer em dias, em vez de semanas.

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