Sudão: refugiados enfrentam dificuldades em campos sobrelotados

Falta de alimentação, abrigo e infraestruturas de saneamento adequadas ameaçam a vida das pessoas no estado do Nilo Branco, principalmente as crianças

Sudão, Nilo Branco
© Ahmad Mahmoud/MSF, 2023

Desde o início do conflito no Sudão, mais de 140 000 pessoas – a maioria mulheres e crianças sul-sudanesas – fugiram de Cartum para o estado do Nilo Branco e enfrentam agora enormes necessidades nos 10 campos onde estão refugiadas: escassez de comida, abrigo, infraestruturas de saneamento e cuidados de saúde. As equipas da Médicos Sem Fronteiras (MSF) a trabalhar nestes campos, que alojam agora cerca de 387 000 pessoas, estão sobrecarregadas com dezenas de casos diários suspeitos de sarampo e desnutrição infantil.

“Todos os dias chegam mais pessoas, e os números continuam a aumentar. Isto, por sua vez, aumenta a necessidade de reforçar os serviços de saúde, a distribuição de comida e a atribuição de abrigo”, sublinha o responsável pelas atividades médicas da MSF, Ali Mohammed Dawoud.

Em junho, as equipas da MSF começaram a prestar apoio a três clínicas do Ministério da Saúde, providenciando cuidados médicos primários nos campos para refugiados de Um Sangour e Al Alagaya, bem como em Khor Ajwal, onde está abrigada a população sudanesa deslocada do estado do Nilo Azul. Recentemente, a MSF começou a apoiar o centro de alimentação terapêutica no campo para refugiados de Al Kashafa, onde estão internadas cerca de 50 crianças com desnutrição aguda grave, algumas das quais tinham sido referenciadas de outros campos.

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Um médico da MSF atende uma criança na unidade de isolamento de sarampo no campo de Um Sangour. © Ahmad Mahmoud/MSF

 

Recebíamos em média 15 a 20 casos suspeitos de sarampo diariamente, com seis mortes registadas na primeira semana. Tragicamente, a maioria foi de crianças com menos de 5 anos.” – Ali Mohammed Dawoud, responsável pelas atividades médicas da MSF.

 

Um Sangour, um campo destinado a acolher cerca de 30 000 pessoas, abriga agora mais de 70 000. As necessidades são enormes e crescentes nestes acampamentos sobrelotados. “As doenças que mais afetam a comunidade aqui, especialmente as crianças com menos de 5 anos, são o sarampo, a pneumonia e a desnutrição”, frisa Dawoud. “Quando chegámos, o número de mortos já era alto. Recebíamos em média 15 a 20 casos suspeitos de sarampo diariamente, com seis mortes registadas na primeira semana. Tragicamente, a maioria foi de crianças com menos de 5 anos. Fizemos uma parceria com o Ministério da Saúde, que nos forneceu recursos para criar um centro de isolamento para providenciar os cuidados necessários a essas crianças”, explica.

“Atualmente, realizamos em média cerca de 300 a 350 consultas por dia, incluindo 30 a 40 casos suspeitos de sarampo”, avança Ali. “Também temos uma sala de partos para grávidas e assistimos um a dois partos por dia e realizamos cerca de 20 a 30 acompanhamentos pré-natais. Os nossos serviços de vacinação de rotina imunizam 30 a 40 crianças por dia.”

 

É urgentemente necessária uma campanha de vacinação contra o sarampo

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Médico da MSF procura e regista as crianças no centro de isolamento no campo de Um Sangour. © Ahmad Mahmoud/MSF

A MSF tem pedido às autoridades de saúde locais a mobilização das vacinas contra o sarampo que já estão no país, de modo a realizar uma campanha de vacinação em larga escala para crianças em todo o estado do Nilo Branco. Ao mesmo tempo, são também necessários mais profissionais, incluindo especialistas internacionais, para ampliar as atividades médicas e de emergência, uma vez que as equipas que já trabalham no projeto se encontram sobrecarregadas e exaustas.

O atual conflito deixou o Sudão sem capacidade laboratorial para identificar surtos de doenças. Do outro lado da fronteira, em Renk e Malakal, no Sudão do Sul, foi confirmado um surto de sarampo entre as pessoas que fugiram do conflito – estima-se que mais de 100 000 pessoas tenham fugido do Sudão para o Sudão do Sul.

 

O sarampo está a tirar vidas rapidamente. Se alguém adoecer durante a manhã, muito provalmente não sobreviverá até à noite.” – Philip*, um jovem que está à espera para ser atendido com a irmã e a sobrinha numa das clínicas da MSF

 

Mais de 90 por cento dos pacientes de sarampo a que a MSF presta apoio não foram vacinados, o que indica que também houve disrupções nos programas de vacinação de rotina no Sudão.

“A minha sobrinha está com febre, diarreia e está a vomitar”, conta Philip*, um jovem que está à espera para ser atendido com a irmã e a sobrinha numa das clínicas do estado do Nilo Branco. “Embora ela tenha recebido uma prescrição de medicamentos, não conseguimos encontrá-los na farmácia. Infelizmente, há uma grave escassez de medicamentos aqui. O sarampo está a tirar vidas rapidamente. Se alguém adoecer durante a manhã, muito provalmente não sobreviverá até à noite.”

Noutra área da clínica, uma grávida, Hamida*, espera com o filho doente e descreve os desafios que as pessoas enfrentam.

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Recém-chegados de Cartum aguardam para receber atenção médica na clínica da MSF do campo para refugiados de Um Sangour. © Ahmad Mahmoud/MSF

“Houve bombardeamentos intensos no nosso bairro. Somos oito na minha família e fugimos todos de Cartum há dois meses. A nossa situação aqui é difícil, porque somos recém-chegados e não recebemos assistência nenhuma. Temos lutado para conseguir comida. Até agora, só recebemos coberturas de plástico. Muitas pessoas estão à espera de comida e materiais de abrigo, mas não há mais espaço para os abrigos”, relata. “As condições são extremamente difíceis. Muitas pessoas estão a viver nos arredores do acampamento porque não há abrigos adequados. A água aqui não é limpa e provoca doenças entre os habitantes. Se alguém beber a água, terá diarreia e começará a vomitar.”

As chuvas anuais já começaram, o que pode levar ao aumento de doenças transmitidas pela água, como a cólera e a malária, endémicas na região.

Nos campos sobrelotados, as pessoas têm poucas opções para conseguir um sustento para si e para as famílias, e precisam de assistência. Algumas foram apoiadas com comida doada por refugiados que já viviam no campos antes do conflito escalar.

Há uma necessidade urgente de reforçar a assistência, à medida que mais pessoas vão chegando: apoio nutricional, fornecimento de abrigos, comida, água potável, saneamento e vacinas contra o sarampo para conter um surto. Para isto são urgentemente necessários mais profissionais e a garantia de rotas de abastecimento mais curtas diretamente do exterior para o estado do Nilo Branco.

Em pouco mais de três meses de intensos combates no Sudão, mais de 3 milhões de pessoas foram forçadas a fugir de casa, conforme dados do Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês). Mais de 2,1 milhões de pessoas procuraram refúgio dentro do Sudão. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, o maior número de pessoas deslocadas está no Estado do Nilo Branco, Darfur Ocidental, Rio Nilo nos estados do Norte.

 

*Nomes alterados para proteção

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