Sul do Sudão enfrenta pior surto de calazar em oito anos

Ás vésperas do referendo que pode resultar na secessão do norte do país, Médicos Sem Fronteiras alerta para a crise medico-humanitária enfrentada pela população local

Às vésperas do referendo que pode resultar na secessão do norte do Sudão, e na criação do 54º país africano, o sul do Sudão está lutando para conter o maior surto de calazar dos últimos oito anos. A gravidade desse surto é apenas mais um dos problemas de uma grande crise médico-humanitária enfrentada pelo país, alerta a organização Médicos Sem Fronteiras. Essa crise inclui falta de acesso à saúde, surtos regulares de doenças que poderiam ser evitadas e uma falta de segurança que provoca o deslocamento de comunidades e destrói vidas.  

Calazar ou leishmaniose visceral é uma doença tropical negligenciada contraída através da picada de um parasita de transporte de flebotomíneos. Ela é endêmica no sul Sudão. Os sintomas incluem aumento do baço, febre, fraqueza e emagrecimento progressivo. Os casos aparecem sempre em áreas pobres, periféricas e instáveis com o acesso a tratamento de saúde extremamente limitado.

“Com o calazar, estamos sempre na corrida contra o tempo para salvar vidas. E muitas vezes perdemos a corrida antes mesmo de começar, já que três quartos das pessoas não têm acesso nem aos cuidados médicos básicos e os sistemas de saúde enfraquecidos não conseguem lidar com as emergências”, diz o coordenador médico de MSF, Elin Jones. “Esta epidemia agrava a já difícil crise médico-humanitária que a população enfrenta.”

O temor de boa parte da comunidade internacional, é que o resultado do referendo programado para 9 de janeiro, no qual o sul do Sudão pode conseguir a secessão do norte, provoque a retomada da guerra civil, que já foi considerada a maior matança desde a Segunda Guerra Mundial.

Quando não tratado, calazar é fatal em quase 100% dos casos dentro de um a quatro meses, mas o tratamento a tempo pode alcançar uma taxa de sucesso de até 95%. Até o final de novembro de 2010, MSF tratou 2.355 pessoas com a doença no Alto Nilo, Unity e Jonglei. Esse número é oito vezes maior se comparado ao mesmo período do ano anterior.

O surto atingiu grandes proporções devido ao fraco sistema imunológico das pessoas, já afetado por altos níveis de desnutrição, que aumentaram muito em 2010. De janeiro a outubro, MSF admitiu, em suas clínicas 13.800 pacientes com desnutrição severa em suas clínicas, 20% a mais que no mesmo período de 2009. Na comparação com todo o ano de 2008, o crescimento foi de 50%.

A situação pode ficar ainda mais complicada porque dezenas de milhares de sulistas que moram no Norte do Sudão e em outros países devem retornar ao sul, antes do referendo de janeiro. Eles ficarão expostos a doenças endêmicas, como malária, sarampo, meningite e tuberculose. O aumento da população também colocará em risco o acesso à comida, água e cuidados de saúde.

Além disso, a insegurança continua a ser uma realidade do sul do Sudão. Ao longo de 2010, estima-se que  mais de 900 pessoas foram mortas e 215 mil foram deslocadas devido à violência inter-tribal, como os grupos rebeldes do Exército de Salvação do Senhor (LRA, na singla em inglês) e as novas milícias.

“Enquanto o mundo concentra-se na política e o referendo se aproxima, é preciso não perder de vista as pessoas que estão sendo empurradas de uma emergência para outra”, diz Rob Mulder, chefe de missão de MSF no sul do Sudão. “O sul do Sudão continua mergulhado em uma crise humanitária, e, como um sistema de saúde básico ainda levará anos para ser construido, pelo menos as necessidades imediatas de alimentação, alojamento e cuidados de saúde devem ser melhor atendidas. Isso vai exigir uma resposta de emergência efetiva e robusta do governo e da comunidade internacional”.

MSF oferece assistência médica de emergência e humanitária no Sudão desde 1979. Atualmente, mantém 27 projetos em 13 estados do país, oferecendo uma gama de serviços, incluindo cuidados de saúde primários e secundários, respostas à emergências que possam surgir, apoio nutricional, cuidados de saúde reprodutiva, tratamento de calazar, serviços de aconselhamento, cirurgia, pediatria e cuidados de obstetrícia.

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