Testemunhos de uma campanha de vacinação contra a hepatite E no Sudão do Sul

Duas mulheres sul-sudanesas contam como a vacina contra a hepatite E lhes salvou a vida

Hospital da MSF no Sudão do Sul
© Paula Casado Aguirregabiria/MSF

Principal causa de hepatite viral aguda, a hepatite E está associada a cerca de 20 milhões de infeções e 70 mil mortes por ano no mundo. Esta doença, transmitida através de água contaminada, afeta predominantemente pessoas em situação de pobreza ou desvantagem e pode ter consequências fatais durante a gravidez. Os surtos de hepatite E em grande escala acontecem sobretudo em locais com condições inadequadas de água e saneamento como o Sudão do Sul, país assolado nos últimos anos por cheias que comprometem a qualidade da água.

 

“Quase perdi a minha vida enquanto estava grávida”

Paciente da MSF em Old Fangak, Sudão do Sul
Nyakuola Nguot Gang teve o parto da filha, Nyamuch, a 1 de janeiro de 2025, após ter sobrevivido a uma infeção de hepatite E com risco de vida. © MSF, 2025

Nyakuola Nguot Gang teve os partos de todos os seis filhos na ala de maternidade que a Médicos Sem Fronteiras (MSF) gere desde há muito tempo no extremo Norte do Sudão do Sul, onde ela vive com a família.

A filha mais nova, Nyamuch, nasceu a 1 de janeiro de 2025 – mas só depois de a mãe, com 40 anos, ter escapado à morte.

“A hepatite E atacou-me. Quase perdi a minha vida enquanto estava grávida, em setembro”, conta Nyakuola. “Fui diagnosticada no hospital. Pensei que eram apenas sintomas da gravidez, porque me doía o corpo e tinha febre. Fiz análises ao sangue e foi então que descobriram que era hepatite E.”

O facto de Nyakuola estar grávida colocava-a na categoria de maior risco caso contraísse hepatite E, uma doença transmitida através da água. Já tinham ocorrido mortes na comunidade desde que o surto fora declarado em Old Fangak. O vírus continuava a circular devido à falta de abastecimento sustentável de água potável e de um sistema eficaz de gestão de resíduos na região afetada pelas cheias.

“A água está a afetar-nos. É por causa da água que temos tantos problemas de saúde”, lamenta Nyakuola.

“Eu tinha dores abdominais, dores no peito e uma infeção em ambos os rins. Isto também afeta o bebé, e a mãe sente-se como se o bebé estivesse prestes a nascer.” Nyakuola pensou: “O destino da minha bebé era o mesmo que o meu. Se eu morresse, a bebé também teria morrido.”

Mas Nyakuola teve a vantagem de já estar vacinada antes de engravidar. Não tinha recebido todas as doses, mas conseguiu participar em duas das três rondas da campanha de vacinação da MSF.

 

O destino da minha bebé era o mesmo que o meu. Se eu morresse, a bebé também teria morrido.”

– Nyakuola Nguot Gang

 

“O anúncio da vacinação foi explicado em toda a área. Vieram aqui até nós para fazer a campanha e dar-nos informações. As pessoas desta comunidade foram vacinadas, todas as raparigas a partir dos 15 anos. Fomos todas vacinadas”, conta Nyakuola.

“Foi uma decisão pessoal vacinar-me, embora tenha havido quem não quisesse receber a vacina. As pessoas que já tinham vivido antes na cidade ou na vila sabiam da importância da vacina, mas outras não. As pessoas que viram quem foi vacinado e sobreviveu, decidiram também vacinar-se.

 

Tal como todos os outros serviços prestados pela MSF, a vacinação foi gratuita. Para uma família como a de Nyakuola, seria impossível manter-se saudável sem cuidados de saúde gratuitos.

Ela explica: “Uma das maiores dificuldades é que o meu marido está desempregado. Ele não recebe nada porque é uma pessoa com deficiência. Perdeu as pernas devido à mordedura de uma cobra. Estou muito grata e aprecio o trabalho da organização. Se não fosse a MSF, eu não estaria aqui hoje.”

 

“Se forem fortes, nada vos abalará”

Nyasebit Chan Khor decidiu vacinar-se quando soube da campanha da MSF contra a hepatite E dirigida a mulheres e raparigas em idade fértil. © Paula Casado Aguirregabiria/MSF

Quando Nyasebit Chan Khor se mudou para Old Fangak, no estado de Jonglei, Sudão do Sul, um surto de hepatite E já assolava a região.

O vírus afeta pessoas de todas as idades, mas é particularmente perigoso para mulheres e raparigas, especialmente durante a gravidez. Com dois filhos, Nyasebit deixou a família mais próxima em New Fangak para apoiar os meio-irmãos, em Old Fangak, que estavam a viver um momento difícil.

“Vim para cá em maio [de 2024], trabalhar no mercado. A mãe dos meus meios-irmãos morreu. Por isso, a única pessoa que ficou para ser mãe deles sou eu. Foi isso que me trouxe de New Fangak para Old Fangak”, recorda Nyasebit Chan Khor.

Os surtos de hepatite E costumam ser anormalmente longos em comparação com outras epidemias. Ao contrário, por exemplo, do sarampo, que pode propagar-se rapidamente numa comunidade não vacinada em seis semanas, o longo período de incubação da hepatite E faz com que a transmissão seja mais lenta, prolongando os surtos durante vários meses.

 

Quando fui ao hospital para fazer análises ao sangue [pela primeira vez], disseram-me que era malária.”

– Nyasebit Chan Khor

 

Nyasebit ouviu falar em Old Fangak da campanha de vacinação dirigida a mulheres e raparigas em idade fértil. “Quando aqui cheguei em maio, soube que as pessoas tinham sido vacinadas. E eu também queria ser”, comenta.

Iniciada pela MSF em dezembro de 2023, a campanha de vacinação foi realizada em várias fases para alcançar o maior número possível de mulheres em Old Fangak e nas comunidades isoladas das zonas pantanosas inundadas por todo o condado de Fangak.

Nyasebit não conseguiu escapar-se à hepatite E, mas recebeu duas das três doses da vacina, o que ajudou a reduzir a gravidade da infeção. No início, porém, não ficou claro que se tratava desta doença, pois os sintomas são frequentemente confundidos com os da malária, que é mais comum.

“Foi a 20 de novembro que fui infetada por esta doença chamada hepatite E”, conta Nyasebit Chan Khor. “Quando fui ao hospital para fazer análises ao sangue [pela primeira vez], disseram-me que era malária.”

Recebeu tratamento para a malária e passou duas semanas em casa, debilitada pela febre e com o corpo todo rígido, antes de regressar ao hospital. Só então uma nova análise ao sangue confirmou que, na realidade, tinha hepatite E.

Agora, Nyasebit sente que finalmente conseguiu distanciar-se das dificuldades dos últimos anos. “Em 2023 a vida foi muito difícil, e assim continuou até 2024. Mas este ano, de 2025 […], a situação está muito melhor, e agora vivo uma vida feliz, apesar de o passado ter sido doloroso.”

Nyasebit tem uma mensagem breve para outras mulheres: “Só as encorajo a serem fortes. Porque, se não forem fortes, o que vos afeta não desaparecerá facilmente. E se forem fortes, nada vos abalará.”

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