Testes clínicos buscam melhores tratamentos para cepas resistentes da TB

Projeto lançado pela parceria endTB busca tratamentos mais curtos, livres de injeções diárias e mais toleráveis para as cepas mais resistentes da tuberculose (TB)

Testes clínicos buscam melhores tratamentos para cepas resistentes da TB

A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), o movimento Partners in Health (Parceiros em Saúde, na tradução livre para o Português) – PIH e outras das principais organizações médicas lançaram um teste clínico que busca revolucionar o tratamento para as cepas mais resistentes da tuberculose (TB), a doença infecciosa que mais mata no mundo. O primeiro paciente iniciou o tratamento na Geórgia na semana passada.

O teste é parte de um projeto transformador financiado pela Unitaid, chamado endTB (fim da TB, em tradução livre para o português), que visa acelerar e expandir o acesso a tratamentos melhores e mais curtos para as formas da TB resistentes a medicamentos. O projeto de quatro anos, com custo de 60 milhões de dólares, está sendo implantando pela PHI, por MSF e pela Interactive Research and Development (IRD) em 15 países distribuídos por três continentes.

Após décadas de negligência, a TB ultrapassou o HIV e atualmente é a doença infecciosa mais mortal do mundo, matando 1,8 milhão de pessoas por ano. Para agravar o problema, ainda existem as cepas mais complicadas da doença, que suportam os tratamentos devido à resistência antibiótica aos principais medicamentos usados no tratamento da TB. Esses tipos de TB são conhecidos como “tuberculose multirresistente a medicamentos” (TB-MDR), e, ainda mais grave, “tuberculose ultrarresistente a medicamentos” (TB-XDR). As estimativas conservadoras da Organização Mundial de Saúde (OMS) continuam em escalada e, agora, a OMS registra o número de novos casos anuais em mais de meio milhão.

Na medida em que essas cepas são tão contagiosas quanto a forma normal de TB, mas muito mais difícil de serem tratadas, elas representam uma fração significativa da crise de saúde pública em diversos países. A TB-MDR e a TB-XDR já foram chamadas de “Ebola com asas”, porque o atual tratamento médico para essas formas da TB tem a mesma taxa de cura do que o Ebola, e a doença é passada de uma pessoa a outra através do ar.

Os atuais tratamentos para TB-MDR são longos (mais de 24 meses), ineficazes (taxa de sucesso de apenas 50%) e frequentemente causam efeitos colaterais terríveis, incluindo psicose aguda e surdez permanente. Os pacientes enfrentam também meses de injeções diárias dolorosas e ingerem até 14 mil comprimidos. Além disso, o custo, a dificuldade e a duração dos tratamentos atuais dificultam sua implementação em muitos países com altas taxas de TB.

Para responder ao problema, a “fase III” do teste clínico envolverá o uso dos primeiros medicamentos para tratar a TB desenvolvidos em quase 50 anos – bedaquilina e delamanida – para buscar tratamentos para TB-MDR mais curtos (9 meses), livres de injeções diárias e mais toleráveis. Os novos medicamentos serão combinados a novos tratamentos experimentais com outros medicamentos orais para TB, como clofazimina, linezolida, fluoroquinolones e pyrazinamida.

Atualmente, apenas 10% das pessoas que sofrem com TB-MDR podem sonhar com o acesso a um tratamento bem-sucedido, e menos de 2% têm acesso à bedaquilina e à delamanida. O teste clínico irá expandir, com base em evidências científicas, o uso de bedaquilina e delamanida, particularmente como parte de tratamentos mais simples e melhores, que seriam mais fáceis de implementar em países mais pobres com níveis significativos de TB. Comprovações do sucesso desses regimes, e o apoio para sua implementação, poderiam ampliar drasticamente o acesso ao tratamento efetivo.

Espera-se que o projeto endTB registre cerca de 2.600 pacientes com MDR-TB no tratamento com os novos medicamentos contra a tuberculose e que 750 pacientes participem de um teste clínico em seis países: Geórgia, Cazaquistão, Quirguistão, Lesoto, Peru e África do Sul. Todos esses países registram níveis significativos de TB, onde os parceiros do projeto endTB apoiam atividades locais de tratamento da MDR-TB.

O estudo, patrocinado por MSF, beneficia-se dos conhecimentos da Harvard Medical School, do Epicentre (braço de pesquisa de MSF) e do Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia. A equipe que conduzirá os testes clínicos trabalha em estreita colaboração com os Ministérios da Saúde e os Programas Nacionais de Tuberculose (NTP, na sigla em inglês) de cada país, bem como com a OMS e as comissões de avaliação ética.

Este é o segundo teste clínico relacionado com a tuberculose patrocinado por MSF. O primeiro, TB PRACTECAL, foi lançado no Uzbequistão em janeiro de 2017.

Dr. Francis Varaine, co-pesquisador principal do teste clínico endTB e líder do grupo de trabalho de MSF sobre TB, disse: “Na maioria das vezes, os pacientes com TB-MDR temem os medicamentos tanto quanto a doença. Eles perdem sua energia, por vezes a audição ou a visão, e colocam suas vidas no ‘modo de espera’ por dois anos. Tendo acompanhado projetos de MSF voltados para TB há muitos anos, estou convencido de que a recente aprovação dos medicamentos bedaquilina e delamanida representa uma oportunidade única, que não deveria ser desperdiçada, para o desenvolvimento de novos regimes de tratamento que poderiam mudar a vida de pacientes com TB-MDR. Embora ambos os medicamentos tenham mostrado resultados promissores quando adicionados aos tratamentos convencionais, longos e de difícil adesão para a TB-MDR, sabemos pouco sobre como podemos otimizá-los. Sem pesquisas mais aprofundadas, estamos apenas nadando na superfície e os pacientes, sofrendo.”

Dra. Carole Mitnick, co-pesquisadora do teste clínico da endTB para a Partners In Health e a Harvard Medical School, onde é professora associada, disse: “Essa é a perspectiva mais excitante para as pessoas com TB-MDR desde que o PIH comprovou pela primeira vez a viabilidade de tratar a doença em contextos com recursos escassos. Se regimes bem-sucedidos, mais curtos, sem injeções e adequados a uma grande e diversa proporção de pacientes com TB-MR forem estabelecidos, seria algo revolucionário. Juntos, PIH e MSF expandiram estruturas, recursos, tratamento, evidências e ambições para esta e outras doenças complexas que afetam as pessoas mais pobres. O teste clínico endTB é uma extensão natural dessa colaboração de duas décadas entre duas organizações que priorizam a expansão do acesso a intervenções comprovadas e de alta qualidade para os pacientes que delas necessitam, independentemente das situações econômicas ou sócio-políticas em que vivem.”

Professor Zaza Avaliani, diretor do Centro Nacional de Tuberculose e Doenças em Tbilisi, na Geórgia, disse:

“Ter novas opções de tratamento para TB-MDR na Geórgia é um luxo e devemos extrair o máximo desta oportunidade. Apenas por meio da investigação podemos obter o maior benefício dos medicamentos contra a tuberculose: encontrar as combinações mais eficazes, toleráveis ​​e seguras. Não só os pacientes, mas os médicos também podem ter esperança com a perspectiva de novos tratamentos. Esta é a nossa chance de nos tornarmos mais assertivos, depois de décadas de desesperança, em nossa mensagem de que a TB tem cura.”

Robert Matiru, diretor de operações da Unitaid, disse: “Melhorar a vida das pessoas com TB é uma prioridade máxima para a Unitaid, incluindo este esforço mais recente para acelerar o acesso a tratamentos melhores, mais curtos e mais eficazes para a TB-MDR. Planejamos continuar impulsionando a mudança, apoiando o importante trabalho para transformar o tratamento da TB-MDR, enfrentar o desafio da resistência a medicamentos críticos e, finalmente, aumentar as taxas de cura.”

Parceria endTB

A endTB visa encontrar tratamentos mais curtos, menos tóxicos e mais eficazes para a TB-MDR, usando os dois primeiros medicamentos desenvolvidos nos últimos 50 anos: bedaquilina e delamanida. Abrangendo 15 países, o projeto é uma parceria entre Partners In Health, Médicos Sem Fronteiras, Interactive Research & Development e a parceira financeira Unitaid.

Epicenter, Harvard Medical School e o Instituto de Medicina Tropical da Antuérpia são parceiros do ensaio clínico endTB.

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