Tratamento para HIV: pacientes em boas mãos

Programa de transferência de tarefas de MSF permite ampliar o acesso de pessoas vivendo com o vírus a atendimento qualificado

msf-zimbabue-jiv-aids-msb13775_pedro_ballesteros

As mãos de Bhekululu Chasokela não tremem mais quando ele tem de prescrever o tratamento antirretroviral (Tarv) para pessoas com HIV. Ele é enfermeiro e graças ao programa de transferência de tarefas, ele adquiriu o treinamento necessário para tratar pessoas com o vírus. “Eu nunca tinha feito isso antes. A primeira vez que fiz, me senti muito bem sabendo que estava ajudando uma pessoa que eu já conhecia há muito tempo”, conta com orgulho. Treinar enfermeiros é das maneiras mais simples de tornar o Tarv acessível em áreas remotas. O programa é uma iniciativa objetiva e efetiva lançada pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) em 2006.

“Enfermeiros são as únicas pessoas que sempre vemos em nossos centros de saúde. O fato de eles poderem prescrever a terapia antirretroviral nos ajudou muito”, afirma Sibongile Bhebhe, uma mulher de 42 anos que vive em Madona, a cerca de 100 km de Tsholotsho. Ela é HIV positivo e não havia iniciado o Tarv até 2013. “Eu esperei muito até que o médico aparecesse. Não posso ir ao hospital de Tsholotsho porque é muito longe e o transporte é muito caro para mim”, diz ela.

Melhorar o acesso ao tratamento antirretroviral para pessoas em regiões remotas é o objetivo do programa de transferência de tarefas. É uma simples iniciativa de descentralização com o objetivo de treinar profissionais de saúde em áreas rurais remotas distantes de hospitais para que tenham mais autonomia para lidar com pessoas vivendo com HIV.

Tornar o tratamento mais acessível a um número de pessoas cada vez maior é um dos principais desafios no país, fortemente afetado pelo vírus. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a terapia antirretroviral reduz o risco de transmissão do vírus em 96%. Os dados mais recentes do Ministério da Saúde do Zimbábue indicam que 72% dos adultos e 43% das crianças que precisam de tratamento o estão recebendo.

Levando o tratamento até as pessoas necessitadas
“É importante levar medicamentos e recursos aos locais onde as pessoas que realmente precisam deles estão – os mais vulneráveis e afetados pelo HIV que não têm acesso a hospitais”, explica Guiomar Hernández, médica de MSF e coordenadora da equipe de descentralização em Tsholotsho.

“Desde o início do programa, em 2006, os benefícios aos pacientes têm sido excelentes, tanto com o aumento de testes realizados quanto em relação à adesão ao tratamento”, afirma o enfermeiro de MSF Philimon Mgnui, em Tsholotsho. “O programa permitiu uma enorme redução da lista de espera para iniciar a terapia antirretroviral”, explica.

Estima-se que, atualmente, meio milhão de adultos e 150 mil crianças vivam com HIV no Zimbábue. Por muitos anos, MSF tem implementado estratégias no país com o objetivo de estabelecer modelos de cuidados descentralizados, que sejam adaptáveis às reais necessidades do grande número de pessoas dispersas pelas áreas rurais.

Tsholotsho, no sul do Zimbábue, tem um hospital de referência e apenas um médico do Ministério da Saúde. O distrito é dividido em 18 áreas de saúde, algumas das quais com populações de até 17 mil habitantes. “Apenas o transporte para o hospital em Tsholotsho, a partir de áreas rurais, custa US$5, valor com o qual muitos pacientes não podem arcar”, explica Guiomar Hernández. Graças à estratégia de descentralização, muitas pessoas podem ser tratadas em casa ou em centros de saúde próximos de suas casas, ao invés de permanecerem reféns de instalações de difícil acesso.

Questão de treinamento
Mais de 30 enfermeiros, homens e mulheres, cobrem as 18 áreas de saúde do distrito de Tsholotsho e participam de sessões de treinamento duas vezes por ano. São cursos teóricos e práticos por meio dos quais eles aprendem a diagnosticar as pessoas e fazer testes, exames e prescrever tratamento para o HIV e doenças infecciosas associadas ao vírus, como tuberculose e meningite, além de fazerem o monitoramento imunológico dos pacientes.

“Com nossos colegas, desenvolvemos um protocolo utilizado por enfermeiros para o diagnóstico de uma pessoa com HIV. Podemos dizer que os enfermeiros que treinamos podem fazer praticamente tudo no que diz respeito ao manejo de pessoas HIV positivo”, conta Guiomar Hernández.

Os primeiros programas de treinamento tiveram início em 2006 em quatro centros de saúde em Tsholotsho: Sipepa, Pumula, Nkunzi e Makaza. Todas essas regiões ficam distantes do hospital e atendem um grande número de pessoas com HIV. MSF era responsável pelo treinamento e monitoramento dos profissionais de saúde.

Além de treinar os profissionais de saúde, a equipe médica de MSF realiza monitoramento semanal. “Percebemos que, gradualmente, eles estavam ficando confiantes e manejando os pacientes. Eles têm nosso suporte a todo momento, e, quando há dúvidas, agendam a consulta do paciente para o mesmo dia da visita da equipe de MSF ao centro de saúde, para que possamos examinar a pessoa juntos”, conta Guiomar. “Tem sido muito interessante observar a motivação do pessoal dos centros de saúde rurais. Eles sabem que terão de lidar com a situação sozinhos depois, e, por isso, aproveitam ao máximo nossa presença para continuarem aprendendo.”

Enfermeiros não são os únicos profissionais que estão se beneficiando da iniciativa. Cientistas de laboratório, microscopistas, farmacêuticos, auxiliares de saúde mental e grupos de suporte, entre outros, todos puderam investir em sua autonomia no manejo de pacientes.

Desde 2013, MSF vem repassando gradualmente suas atividades em Tsholotsho ao Ministério da Saúde do Zimbábue. O programa é uma “interessante estratégia que permite que o conhecimento permaneça no local, independentemente de nossa presença, e isso é fundamental tanto para o sucesso do programa quanto para a saúde de muitos dos pacientes”, explica a Dra. Guiomar Hernández.

Partilhar