Três vacinas essenciais para a saúde das mulheres que talvez desconheça

Apesar de existirem vacinas disponíveis para a hepatite E, o tétano e a hepatite B, a realidade é que não chegam a todas as pessoas que delas necessitam, especialmente às mulheres e raparigas em maior risco de contrairem estas doenças

Vacinação contra Heptatite E Sudão do Sul
© Gale Julius Dada/MSF

A hepatite E, o tétano e a hepatite B representam ameaças significativas, mas pouco reportadas, para a saúde e a vida de mulheres e raparigas, especialmente em países de baixos rendimentos e com acesso limitado a cuidados de saúde. Para os bebés, isto pode também significar a diferença entre a vida e a morte.

Nyakuola Nguot Gang vive com a família no condado de Fangak, Sudão do Sul, onde um surto mortal de hepatite E, que teve início em 2023, se alastrou ao longo de 2024.

“Quase perdi a vida enquanto estava grávida, em setembro”, recorda Nyakuola, de 40 anos. “Pensei que eram apenas sintomas da gravidez, porque me doía o corpo e tinha febre. Fiz uma análise ao sangue e foi então que descobriram que era hepatite E.”

Algumas doenças têm consequências muito mais negativas para as mulheres e raparigas, especialmente durante a gravidez e o parto. A hepatite E, uma infeção que é transmitida pela água e afeta o fígado, é uma delas.

“Muita gente chama-lhe o Ébola das grávidas, porque a taxa de mortalidade nas grávidas é muito elevada, embora ainda não compreendamos bem por que razão as afeta tanto”, frisa o conselheiro de vacinação da Médicos Sem Fronteiras (MSF), John Johnson. “A taxa de mortalidade situa-se entre os 20 e os 30 por cento durante a gravidez.”

Para as grávidas com hepatite E, o risco de morte é maior no terceiro trimestre.

O período da gravidez é também crítico para vacinar mulheres e raparigas contra o tétano, caso ainda não tenham sido imunizadas. O tétano é uma infeção grave para qualquer pessoa de qualquer idade, mas é fatal para recém-nascidos, pelo que proteger a mãe pode salvar a vida do bebé.

Uma terceira doença preocupante, embora menos conhecida, é a hepatite B. Se não for prevenida, tem consequências para toda a vida e pode ser fatal.

Tanto a hepatite B como o tétano representam graves ameaças à saúde das vítimas sobreviventes de violência sexual, que são maioritariamente mulheres e raparigas.

A boa notícia é que existem vacinas disponíveis. Contudo, a realidade é que não chegam a todas as pessoas que delas necessitam, especialmente às mulheres e raparigas em maior risco de contrairem estas doenças.

 

Uma campanha de vacinação inovadora no Sudão do Sul

A hepatite E é a principal causa de hepatite viral aguda e está associada a cerca de 20 milhões de infeções e 70 mil mortes por ano. Esta doença, frequentemente ignorada, afeta predominantemente pessoas em situação de pobreza ou desvantagem e é especialmente perigosa para as grávidas.

A transmissão ocorre através de contaminação fecal da água e dos alimentos. Os surtos em grande escala acontecem sobretudo em locais com condições inadequadas de água e saneamento.

Existe apenas uma vacina disponível, a HEV 239, desenvolvida na China. A MSF testou-a pela primeira vez num surto em Bentiu, no Sudão do Sul, em 2022, e estudos subsequentes comprovaram a segurança e eficácia.

O condado de Fangak é uma das áreas mais remotas e de difícil acesso no Sudão do Sul. Com as inundações recorrentes nos últimos anos, a população teve de aprender a sobreviver num ambiente em constante mudança.

Profissional da MSF vacina paciente contra a hepatite E
Profissional da MSF vacina paciente contra a hepatite E no condado de Fangak. © Gale Julius Dada/MSF, dezembro 2023.

“Estamos rodeados de água por todos os lados”, descreve Bhan Gutjiath Wal, residente de Fangak. “Para ir ao mercado, temos de atravessar a água. Em casa, há água também.”

Em setembro de 2023, estas condições resultaram num surto de hepatite E, declarado pelo Ministério da Saúde. Dois meses depois, a MSF deu início à segunda campanha de vacinação no mundo em resposta a um surto ativo de hepatite E, que foi também a primeira a ser feita durante a fase aguda de um surto numa comunidade tão remota e de difícil acesso. Esta iniciativa conjunta com o Ministério da Saúde decorreu ao longo de quase um ano.

“Foi uma decisão pessoal vacinar-me”, conta Nyakuola Nguot Gang. “As pessoas que viram quem foi vacinado e sobreviveu, decidiram também vacinar-se. Graças a Deus que fui vacinada, foi isso que me ajudou a melhorar. Mas foi muito difícil.”

 

Graças a Deus que fui vacinada, foi isso que me ajudou a melhorar. Mas foi muito difícil.”

– Nyakuola Nguot Gang, residente do condado de Fangak

 

Partilhar a salvadora proteção contra o tétano entre mãe e bebé

“Os bebés, especialmente no período neonatal, os primeiros 28 dias de vida, são os mais propensos a morrer devido a certas doenças e infeções. Por isso, vacinar as mães dá-lhes alguma proteção até que possam receber vacinas mais tarde”, explica a gestora de atividades de obstetrícia no projeto da MSF em Old Fangak, Isabella Mayes. Se uma mulher for vacinada contra o tétano antes do parto, os anticorpos protetores serão transferidos através da placenta para o sangue do bebé.

A bactéria que causa o tétano está amplamente disseminada no meio ambiente e não pode ser erradicada. O risco para os recém-nascidos ocorre quando o cordão umbilical cortado é infetado, geralmente devido a ferramentas ou condições não esterilizadas.

Saúde materna Sudão do Sul
Isabella Mayes, responsável pelas atividades de obstetrícia da MSF, realiza uma ecografia a uma grávida no condado de Fangak. © Paula Casado Aguirregabiria/MSF, janeiro 2025

Também conhecido como trismo (contração dos músculos da mandíbula que dificulta a abertura da boca), o tétano limita a capacidade do bebé de se alimentar. A rigidez muscular espalha-se por todo o corpo e causa espasmos incontroláveis. O bebé necessita de cuidados intensivos e de isolamento num ambiente escuro e silencioso para evitar espasmos reativos, podendo ficar hospitalizado até um mês. Sem tratamento, cerca de 90 por cento dos recém-nascidos afetados morrerão.

Estima-se que, em 2021, 24 mil recém-nascidos tenham morrido de tétano, de acordo com os dados globais mais recentes. O número está a diminuir ao longo do tempo, mas mostra também que muitas mulheres e raparigas continuam sem acesso a vacinas essenciais, a cuidados pré-natais e a partos seguros, especialmente em países de baixo rendimentos.

No Sudão do Sul, o acesso a cuidados de saúde é extremamente limitado. O hospital da MSF em Old Fangak é a única unidade deste tipo a prestar assistência a 20 mil pessoas na área e em aldeias que só podem ser alcançadas após horas de deslocação de barco. A imunização materna faz parte dos cuidados pré-natais providenciados.

 

Proteção atempada para vítimas sobreviventes de violência sexual

A vacinação pós-exposição é essencial nos cuidados prestados a vítimas sobreviventes de violência sexual. Uma pessoa pode ser protegida contra o tétano e a hepatite B após uma agressão sexual ou violação, mas a imunização tem de ser iniciada dentro das primeiras 72 horas.

“[Vacinamos] todos os pacientes que tenham qualquer ferimento. Fazemo-lo de imediato para prevenir a doença, pois o [tétano] é mesmo muito grave”, refere a responsável clínica da equipa da MSF em Old Fangak, Renda Kella Dhol.

A hepatite B é frequentemente transmitida por contacto sexual e é até 100 vezes mais infecciosa do que o VIH, outra infeção sexualmente transmissível frequentemente associada à violência sexual. “Não sabemos o estado de saúde do agressor. Por isso, administramos a [vacina] contra a hepatite B para evitar que a vítima seja infetada”, explica ainda Renda Kella Dhol.

Mulher caminha junto à entrada do hospital da MSF em Old Fangak. © Gale Julius Dada/MSF, dezembro 2023

O vírus da hepatite B causa muitas vezes infeções crónicas e representa um grave problema de saúde pública, com uma estimativa de 254 milhões de pessoas infetadas e 1,1 milhão de mortes em 2022, em todo o mundo. Estas mortes ocorreram devido a doenças hepáticas relacionadas com a hepatite B, incluindo cancro do fígado.

Uma mulher pode também transmitir esta doença ao bebé durante o parto, sem o saber. O bebé terá igualmente de ser vacinado para evitar uma probabilidade de morte na ordem dos 90 por cento.

Para sensibilizar a comunidade sobre a violência sexual e os cuidados médicos e psicológicos disponíveis, a MSF realiza ações de promoção de saúde em escolas e em espaços comunitários, junto de líderes locais e da polícia.

A responsável clínica da equipa da MSF em Old Fangak reconhece que muitas pessoas têm medo de falar sobre o tema da violência sexual, medos esses que a MSF procura dissipar.

“Dissemos-lhes através de uma canção: ‘Não tenham medo. Estamos aqui para vos apoiar. Ninguém precisa de saber. Mas é fundamental que tenham acesso à medicação e ao tratamento para prevenir quaisquer consequências do que aconteceu, porque a culpa não é vossa, e isto está a acontecer em todo o mundo.’’’, conclui Renda Kella Dhol.

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