Enfim, uma enfermeira para crianças desnutridas

Parte 5 – Gogrial, 06 de agosto de 2012

É inacreditável. Já faz quase dois meses que estou em Gogrial. O tempo está voando para mim, mas também tenho tido tanto trabalho que nem percebo as horas passarem.

A equipe já mudou completamente desde que cheguei aqui. O clube da Luluzinha ainda está de pé, é claro, e damos boas risadas quando a mulherada está sentada junta, mas, graças a Deus, o clima da equipe mudou para melhor. Já estou com o terceiro cirurgião; o primeiro era de Camarões, superssimpático, mas não gostava de trabalhar; o segundo, americano, achava que cirurgiões mereciam tratamento especial porque eram quase deuses; e o terceiro, também americano, já é bem mais velho, tem muita experiência com MSF e é superssimpático e disponível. Ele aceitou até dividir os plantões com o resto da equipe médica. O novo chefe médico também é ótimo, vem das Filipinas, e tem muita experiência em cirurgia e em MSF. É superprofissional e quando estamos reunidos é superlegal também. Para mim está sendo ótimo porque agora realmente tenho um médico mais experiente para discutir os casos. Desde 14 de julho, quando o outro chefe médico terminou sua missão, tenho estado de plantão um dia sim, um dia não, porque ficamos uma semana sem chefe médico e eu tive que ser a responsável técnica pela equipe e ainda dividir os plantões com o anestesista. E, quando o chefe médico chegou, no dia seguinte, o anestesista foi para um treinamento em Hong Kong e ainda não voltou. Então, faz quase um mês que estou trabalhando sem parar.

A malária aumenta a cada dia, mas estou feliz porque, depois do treinamento de malária que dei para os clínicos, eles melhoraram bastante. Abrimos, também, nossa enfermaria para desnutridos. Quando cheguei aqui, fiquei superdecepcionada ao encontrar os desnutridos misturados com os outros pacientes. As mães não entendiam porque seus filhos estavam “tomando leite”, enquanto outros pacientes só recebiam remédio. As crianças não ganhavam peso porque viam outras comidas e recusavam o leite e o Plumpy Nut e as mães fugiam porque “leite não é remédio”. Então, eu e a enfermeira responsável pelo hospital fomos até o antigo chefe médico e conseguimos um espaço só para desnutridos. Abrimos nosso espaço com dez leitos e, na semana passada, já tínhamos 23 crianças superfofas. É tão bonitinho vê-las, são tão pequeninas… O povo dinca é bem alto e as crianças desnutridas são formiguinhas perto do resto da população. Claro que temos mais trabalho, mas, pelo menos, não estamos fingindo que estamos tratando a desnutrição. Também é interessante ver que há muitos pais como acompanhantes das crianças, por que, às vezes, as mães têm outras crianças em casa para cuidar e, então, os pais ficam no hospital com o filho doente.

Apesar de estar trabalhando mais de 14 horas por dia, quando não estou no hospital estou na cozinha com a italiana aprendendo tudo o que posso. Já sei fazer pizza, focaccia, cavateli. É impressionante como podemos fazer coisas deliciosas com farinha, água e fermento. Também comecei a realmente apreciar o macarrão. Como as cozinheiras são muito ruins e não vêm aos domingos, quase sempre cozinhamos algo e descobri que “pasta” é muito bom e há várias maneiras de prepará-la de modo que podemos comer todo dia sem enjoar. O único problema são os quilos a mais.

Enfim, posso dizer que estou muito cansada, mas feliz. Não tenho dúvida quanto à necessidade da presença de MSF neste país. Não dá nem para imaginar o que é ter crescido no meio de uma guerra. Não é à toa que a maioria das pessoas não se preocupa com o trabalho; nunca tiveram um. A maioria estudou em campos de deslocados e nunca frequentou uma escola de verdade. É muito triste.

Espero conseguir mais tempo quando o anestesista voltar.

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