Invisibilidade

Parte 1 – Akonolinga, 03 de agosto de 2012

Cheguei há pouco mais de uma semana em Camarões. Vim conhecer e avaliar o projeto de MSF para o tratamento de úlcera de Buruli, doença causada por uma bactéria da mesma família da tuberculose e da hanseníase. A úlcera de Buruli caracteriza- por lesões na pele que começam como nódulo e, se não tratadas, podem evoluir para feridas abertas e grandes, acometendo articulações e membros inteiros, levando à incapacidade e, por vezes, à amputação das partes afetadas. Esta é a primeira de uma série de viagens que farei para MSF como parte da avaliação dos projetos de Doenças Negligenciadas. Trabalharei com Buruli, calazar e doença do sono.

O projeto fica em uma cidade chamada Akonolinga, a umas duas horas de carro com tração 4X4 da capital do país, Yaounde. O difícil acesso, a estrada de terra e o caminho cercado de floresta tropical me fizeram lembrar dos meus anos de trabalho na floresta amazônica como médica de saúde indígena.

A úlcera de Buruli é uma doença também categorizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como negligenciada, assim chamadas por afetarem pessoas com baixo poder aquisitivo, vivendo em zonas remotas e rurais do planeta, e também por não despertarem interesse das grandes indústrias farmacêuticas. Na verdade, costumo dizer que são pessoas e doenças negligenciadas.

Buruli é uma doença pouco conhecida e estudada, que afeta enormemente países pobres da África e pessoas vivendo em suas zonas rurais. Camarões é muito afetado por essa doença e MSF vem trabalhando aqui há mais de 10 anos, sendo  responsável por um pavilhão no hospital de Akonolinga. Atualmente, temos cerca de 100 pacientes sendo tratados no hospital.

Meu primeiro dia no “Pavillon Buruli” do hospital foi impressionante. Fui acompanhar os curativos e conhecer como se apresenta a doença. É realmente incrível como as pessoas sofrem com essa condição… Vi pessoas com partes de seus corpos totalmente desfiguradas pelas lesões. Muitas crianças chegavam sorridentes – afinal, algumas já estão há bastante tempo no hospital e desenvolveram uma relação de carinho com os profissionais – mas, ao terem seus curativos abertos e as feridas expostas, se espantavam e reclamavam timidamente de dor. Fiquei muito impressionada e pensava como uma doença tão terrível e incapacitante pode ainda não ter sua forma de transmissão descoberta pela ciência, afinal, hoje em dia, descobrimos tantas coisas difíceis! Porém, vendo a pobreza e a “invisibilidade” daquelas pessoas, compreendia que eles não representam um mercado atrativo para a maior parte das indústrias que vivem do lucro.

Por isso, é muito importante que MSF esteja aqui trabalhando para sermos porta-vozes dessas pessoas para o mundo. Não, elas não são invisíveis e continuaremos trabalhando duro para que elas sejam vistas!

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