Logística em maternidade da República Centro-Africana

Os primeiros raios de sol chegam antes das 6 horas, diretamente sobre minha “barraca mosquiteiro”. Ao me levantar, observo do terraço do nosso sobrado o rio Oubangui e, na outra margem, a República Democrática do Congo! Estou em Bangui, capital da República Centro-Africana, que passa por um período de graves enfrentamentos de cunho político e religioso. Nossa casa é cercada por um muro com mais de 2,5 m de altura e com arrame farpado. Hoje, domingo, é dia de “folga” e podemos sair para alguns pontos da capital que são autorizados pelo coordenador-geral quando a situação de segurança permite.

Normalmente, terminamos a semana de trabalho na Maternidade Castors no sábado à tarde. As equipes nacionais continuam as atividades no final de semana e, salvo exceções por urgências, temos o domingo para repousar.
Toda a equipe de estrangeiros que trabalhava na maternidade comigo se renovou e, de repente, não tinha mais ninguém do grupo que estava aqui quando cheguei. É estranho, mas é assim que se renovam as equipes. Apenas os profissionais nacionais continuam os mesmos.

MSF chegou à maternidade Castors, que se situa a 3 km do centro de Bangui, no mês de junho, e presta atendimento médico e psicossocial às mulheres que apresentam complicações durante a gravidez, e que são enviadas pelos postos de saúde que não possuem capacidade para realizar intervenções cirúrgicas mais complexas. No segundo mês de atuação, foram realizados uma média de 300 atendimentos por mês.

É difícil imaginar as atividades logísticas envolvidas no processo de tornar uma maternidade funcional. Quero aqui compartilhar um pouco do trabalho de um logístico dentro de uma maternidade e de minha equipe.  

A estrutura da maternidade é de meados da década de 70, porém, acredito que o prédio não tenha recebido manutenção durante um bom período. Além de dois blocos operatórios, uma sala de parto, o departamento de neonatologia para seis recém-nascidos e os atuais 35 leitos, a maternidade conta ainda com uma farmácia, uma lavanderia, área de esterilização, banheiros e duchas, salas de consulta, sala de espera e a parte administrativa. Há também a área de energia (com quatro grupos elétricos), a área de estocagem, tratamento e distribuição de água e a zona de tratamento de lixo hospitalar. Temos também uma ambulância do Ministério da Saúde e dois veículos 4×4 de MSF.

Fazem parte da equipe logística: 18 higienistas, 12 guardas, 5 maqueiros, 1 agente de serviços gerais, 1 responsável por água, higiene e saneamento, 1 assistente logístico e 2 motoristas de MSF, que ficam disponíveis todo o dia para o projeto da Maternidade de Castors.

Um dia de trabalho pode começar a todo momento, mesmo à 1h30, quando o responsável pela guarda noturna te liga e diz que a rede pública de energia pegou fogo justo ao lado do seu quadro elétrico; ou em um domingo, quando, às duas da tarde, você recebe uma ligação de outro responsável pela guarda nesse dia dizendo que resta apenas 1 m³ de água no reservatório superior, de um total de 6 m³ que havia no sábado ao meio dia – quantidade que deveria durar até segunda-feira pela manhã, como aconteceu nas semanas anteriores.

Na maternidade, sou responsável por quatro grupos de geradores de energia – tive problema com os quatro em apenas uma semana. A rede elétrica pública funciona apenas das 19h às 6h da manhã e quando fica instável, o que acontece muitas vezes, causa problemas elétricos constantes com lâmpadas, starters e nos faz manter os geradores em trabalho. Isso significa, para o meu trabalho, encomenda, transporte e estoque de combustível, óleo para motor, filtros e manutenção dos motores com grande frequência.

Para o fornecimento de água para todo o hospital – a água da rede pública é muitas vezes superturva (cor de barro) e sem qualquer resíduo de cloro, o que é inaceitável para uma estrutura de saúde –, MSF assinou uma parceria com a ONG Oxfam que nos forneceu, no início da minha participação no projeto, 35m³ (50m³ ao final) de água tratada, que estocávamos e enviávamos para abastecer toda a maternidade.

Ainda havia todo o percurso do lixo hospitalar para gerenciar, que não é nada simples, pois uma boa triagem é necessária desde o início do processo para que, no final, tudo seja eliminado adequadamente. Assim são evitados acidentes e até contaminações das equipes e dos pacientes, além de minimizarmos os impactos ao meio ambiente.

Problemas constantes de manutenção elétrica, hidráulica, pequenas reparações e o controle dos equipamentos biomedicais me motivaram a contratar um agente de serviços gerais, que nos permitiu responder às demandas de serviços que chegavam a cada semana de todos os departamentos.

Outra maneira de realizar várias reformas e construções é o trabalho de diaristas. Para isso, mantemos duas listas com nomes de candidatos que foram elaboradas nas duas comunidades vizinhas à maternidade. Assim, os vários trabalhadores prestam serviços a MSF e movimentam o mercado localmente. Foi um enorme prazer encontrar algumas pessoas altamente competentes entre as muitas que chamamos. Pena não podermos retê-las por mais de seis dias, mas, assim, outros da lista podem também trabalhar.

Desde minha chegada discutia-se a possibilidade de iniciar um serviço de cozinha na maternidade, pois todos as pacientes eram alimentadas pelos acompanhantes, que faziam a comida em pequenos fogões a carvão no chão precariamente, do lado de fora da maternidade e sem abrigo em dias de chuva. Ideias postas na mesa e aprovadas, iniciamos a construção da cozinha e de um depósito de comida. Fizemos cotações dos preços dos alimentos, formulamos um cardápio, contratamos uma cozinheira e, em menos de 30 dias, iniciamos, com muita alegria, a distribuição de refeição sete dias por semana.

Outra atividade que nos toma enorme tempo é o aprovisionamento de materiais de consumo diário. Normalmente, enviamos nossos pedidos para a base de MSF em Bangui, mas, por estarem com problemas de gestão, estávamos aguardando certos pedidos há mais de dois meses. Analiso as prioridades que estão diretamente ligadas ao trabalho médico, à segurança das equipes e os pacientes e quando posso comprar itens diretamente em capital, buscamos os meios para fazer isso acontecer, ainda que nos tome um enorme tempo.

Bom, agora fica mais fácil de terem uma pequena ideia do que faz um logístico!

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